A Sobrevivência
O cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu tinha em sua
filmografia dramas crus e sem ironia, marcantes pelo realismo sisudo como proposta
conceitual, porém instigante na narrativa como Amores Brutos (2000) e 21 Gramas
(2003), exceto Babel (2006), que remonta
várias histórias intercaladas. Incursionou pela comédia com Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância-2014), que abriu os caminhos
para a consagração mundial, ao concorrer em nove categorias ao Oscar de 2015. Inspirado
em fatos reais extraídos do livro The
Revenant, de Michael Punke, que já fora transposto para a telona em Fúria Selvagem (1971), de Richard
Serafian, agora com O Regresso, escrito
por Iñárritu e Mark L. Smith, superou a marca anterior, desta feita conseguiu doze indicações para
a Academia de Hollywood deste ano: melhor filme, direção, ator principal e
coadjuvante, fotografia, montagem e outras indicações técnicas.
A trama tem por cenário o ano de 1820, quando o caçador de
peles descendente de irlandês, Hugh Glass (1780-1833), interpretado por Leonardo
DiCaprio de forma corajosa, sofrida, angustiante e gemida como se fosse um
martírio do prólogo até o epílogo. A câmera capta sangue com gotículas de neve entremeadas
pela respiração ofegante do ator embaçando a lente. Parte para o gelado e
selvagem território de Missouri, no Oeste dos Estados Unidos, disposto a ganhar
muito dinheiro caçando animais exóticos, ao mesmo tempo serve de guia para expedições
de norte-americanos com o mesmo intuito, tendo no contrapondo a oposição de
franceses embrenhados na mata pelo mesmo propósito. Ele conhece bem as dificuldades
do local de difícil acesso e com ciladas das intempéries da natureza. Encontra
no meio do caminho índios revoltados com os exploradores, dispostos a defender
até a morte suas terras invadidas pelo homem branco. O protagonista sofre uma
emboscada terrível, dizimando vários dos companheiros de jornada. Sobrevive,
mas logo é atacado por um enorme urso que o mutila terrivelmente, deixando-o em
frangalhos com ferimentos profundos pelas mordidas e lambidas, praticamente sem
chances de reagir aos malefícios. Soçobra um homem retorcido pelo
desfiguramento das unhas e dentes do embate da fera que quase o comeu
literalmente, mas heroicamente há o alívio pela vitória decorrente entre dois
gigantes da selva embrutecida.
O diretor coloca a vingança como outro ingrediente de um
tempero mortífero no enredo. Além do instinto de sobrevivência junto à natureza
com rios gélidos de correntezas espetaculares, montanhas cobertas por nevascas épicas,
florestas de árvores frondosas que se agigantam como infinitas. Após ser
flechado por um bando de indígenas, faz de um limão uma limonada com a morte do
seu cavalo, diante do frio acachapante busca abrigo num inusitado lugar que o
aquecerá, através de uma cena nauseante pela crua evisceração, barco submergindo
e deixando à deriva o protagonista que voava pelas corredeiras como um bólido, além
das cachoeiras repletas de pedras com pontas e penhascos aterradores. Sobram os
excessos de filmagens realizadas pelo deslumbrado cineasta mexicano, que parece
ter perdido um pouco da razão pelo histrionismo patético, deixando seu longa
beirar um spaguetti western nível B.
O Regresso é uma
mescla de aventura com drama e faroeste filmado na província de Alberta, no
Canadá, sendo concluído abruptamente na Patagônia, devido às condições
climáticas desfavoráveis para o desfecho da história. Um filme que tinha tudo
para dar certo, não fosse alguns caprichos exagerados do realizador. Há
coerência narrativa, ao deixar seriamente ferido e abandonado à própria sorte o
personagem central, justamente pelo parceiro mercenário John Fitzgerald (Tom
Hardy), um protótipo vilão pelo complexo dos medos e objetivos escusos, que
ainda rouba seus pertences e mata covardemente seu filho (Forrest Goodluck),
razão pela qual desencadeia um ódio mortal em Glass, com o desejo de transformar
em caça até o inferno seu ora algoz, mesmo com todas as adversidades, diante da
pífia traição. Para isto houve uma transformação desglamourizada em DiCaprio,
que parece finalmente levará a estatueta tão cobiçada, depois de cinco
tentativas frustradas.
Deve ser destacado os efeitos técnicos e visuais como o ponto
mais alto da realização, num cenário de neve sempre acolhedor, mas muitas vezes
distante da qualidade do enredo e da proposta pretendida para um resultado
melhor no conteúdo e não tão descaradamente comercial. É inegável a primorosa
fotografia de Emmanuel Lubezki, o mesmo de A Árvore da Vida,
e premiado em Gravidade e Birdman, caminha para seu terceiro Oscar
consecutivo nesta obra de 156 minutos de brilho e fascínio de imagens
deslumbrantes, como nas cenas de ação que possuem uma beleza estética,
principalmente na perseguição em plano-sequência desenvolvida no desenrolar do
filme. Cabe destacar a bonita e significativa trilha sonora de Ryuichi Sakamoto, vencedor do Oscar pelo trabalho em O Último Imperador.
Eis um filme impreciso que recria o instinto da
sobrevivência do homem contra a natureza, além da arrasadora fúria pela
vingança irracional digna de um primata das cavernas. Como plano secundário há
uma poesia visual que magnetiza os olhos pelo fascínio. A plateia que optar
pelas salas Imax serão favorecidas por efeitos impressionantes, além da melhora qualitativa
e substancial da saga interminável do padecimento do protagonista no confronto com
cenas absolutamente brutais e de um realismo que flutua no demagógico heroísmo
desbragado. Resta uma vingança barata de uma jornada pessoal em nada
edificante, além do ambiente retratado como um inimigo violento decorrente de
uma região inóspita, criada para super-heróis de gibis ou os mocinhos dos
faroestes dos confrontos de John Wayne com os índios Sioux, na defesa do “ameaçado”
povo americano, tudo em nome de uma sociedade conservadora que buscava peles
para um mercado pródigo, como no sofrível filme dos desafios inerentes
conduzidos por Iñárritu nesta derrapada produção próxima a 200 milhões de
dólares.
Nenhum comentário:
Postar um comentário