terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O Regresso


A Sobrevivência

O cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu tinha em sua filmografia dramas crus e sem ironia, marcantes pelo realismo sisudo como proposta conceitual, porém instigante na narrativa como Amores Brutos (2000) e 21 Gramas (2003), exceto Babel (2006), que remonta várias histórias intercaladas. Incursionou pela comédia com Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância-2014), que abriu os caminhos para a consagração mundial, ao concorrer em nove categorias ao Oscar de 2015. Inspirado em fatos reais extraídos do livro The Revenant, de Michael Punke, que já fora transposto para a telona em Fúria Selvagem (1971), de Richard Serafian, agora com O Regresso, escrito por Iñárritu e Mark L. Smith, superou a marca anterior, desta feita conseguiu doze indicações para a Academia de Hollywood deste ano: melhor filme, direção, ator principal e coadjuvante, fotografia, montagem e outras indicações técnicas.

A trama tem por cenário o ano de 1820, quando o caçador de peles descendente de irlandês, Hugh Glass (1780-1833), interpretado por Leonardo DiCaprio de forma corajosa, sofrida, angustiante e gemida como se fosse um martírio do prólogo até o epílogo. A câmera capta sangue com gotículas de neve entremeadas pela respiração ofegante do ator embaçando a lente. Parte para o gelado e selvagem território de Missouri, no Oeste dos Estados Unidos, disposto a ganhar muito dinheiro caçando animais exóticos, ao mesmo tempo serve de guia para expedições de norte-americanos com o mesmo intuito, tendo no contrapondo a oposição de franceses embrenhados na mata pelo mesmo propósito. Ele conhece bem as dificuldades do local de difícil acesso e com ciladas das intempéries da natureza. Encontra no meio do caminho índios revoltados com os exploradores, dispostos a defender até a morte suas terras invadidas pelo homem branco. O protagonista sofre uma emboscada terrível, dizimando vários dos companheiros de jornada. Sobrevive, mas logo é atacado por um enorme urso que o mutila terrivelmente, deixando-o em frangalhos com ferimentos profundos pelas mordidas e lambidas, praticamente sem chances de reagir aos malefícios. Soçobra um homem retorcido pelo desfiguramento das unhas e dentes do embate da fera que quase o comeu literalmente, mas heroicamente há o alívio pela vitória decorrente entre dois gigantes da selva embrutecida.

O diretor coloca a vingança como outro ingrediente de um tempero mortífero no enredo. Além do instinto de sobrevivência junto à natureza com rios gélidos de correntezas espetaculares, montanhas cobertas por nevascas épicas, florestas de árvores frondosas que se agigantam como infinitas. Após ser flechado por um bando de indígenas, faz de um limão uma limonada com a morte do seu cavalo, diante do frio acachapante busca abrigo num inusitado lugar que o aquecerá, através de uma cena nauseante pela crua evisceração, barco submergindo e deixando à deriva o protagonista que voava pelas corredeiras como um bólido, além das cachoeiras repletas de pedras com pontas e penhascos aterradores. Sobram os excessos de filmagens realizadas pelo deslumbrado cineasta mexicano, que parece ter perdido um pouco da razão pelo histrionismo patético, deixando seu longa beirar um spaguetti western nível B.

O Regresso é uma mescla de aventura com drama e faroeste filmado na província de Alberta, no Canadá, sendo concluído abruptamente na Patagônia, devido às condições climáticas desfavoráveis para o desfecho da história. Um filme que tinha tudo para dar certo, não fosse alguns caprichos exagerados do realizador. Há coerência narrativa, ao deixar seriamente ferido e abandonado à própria sorte o personagem central, justamente pelo parceiro mercenário John Fitzgerald (Tom Hardy), um protótipo vilão pelo complexo dos medos e objetivos escusos, que ainda rouba seus pertences e mata covardemente seu filho (Forrest Goodluck), razão pela qual desencadeia um ódio mortal em Glass, com o desejo de transformar em caça até o inferno seu ora algoz, mesmo com todas as adversidades, diante da pífia traição. Para isto houve uma transformação desglamourizada em DiCaprio, que parece finalmente levará a estatueta tão cobiçada, depois de cinco tentativas frustradas.

Deve ser destacado os efeitos técnicos e visuais como o ponto mais alto da realização, num cenário de neve sempre acolhedor, mas muitas vezes distante da qualidade do enredo e da proposta pretendida para um resultado melhor no conteúdo e não tão descaradamente comercial. É inegável a primorosa fotografia de Emmanuel Lubezki, o mesmo de A Árvore da Vida, e premiado em Gravidade e Birdman, caminha para seu terceiro Oscar consecutivo nesta obra de 156 minutos de brilho e fascínio de imagens deslumbrantes, como nas cenas de ação que possuem uma beleza estética, principalmente na perseguição em plano-sequência desenvolvida no desenrolar do filme. Cabe destacar a bonita e significativa trilha sonora de Ryuichi Sakamoto, vencedor do Oscar pelo trabalho em O Último Imperador.

Eis um filme impreciso que recria o instinto da sobrevivência do homem contra a natureza, além da arrasadora fúria pela vingança irracional digna de um primata das cavernas. Como plano secundário há uma poesia visual que magnetiza os olhos pelo fascínio. A plateia que optar pelas salas Imax serão favorecidas por efeitos impressionantes, além da melhora qualitativa e substancial da saga interminável do padecimento do protagonista no confronto com cenas absolutamente brutais e de um realismo que flutua no demagógico heroísmo desbragado. Resta uma vingança barata de uma jornada pessoal em nada edificante, além do ambiente retratado como um inimigo violento decorrente de uma região inóspita, criada para super-heróis de gibis ou os mocinhos dos faroestes dos confrontos de John Wayne com os índios Sioux, na defesa do “ameaçado” povo americano, tudo em nome de uma sociedade conservadora que buscava peles para um mercado pródigo, como no sofrível filme dos desafios inerentes conduzidos por Iñárritu nesta derrapada produção próxima a 200 milhões de dólares.

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