quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O Último Cine Drive-In


Júbilo ao Cinema

O diretor brasiliense Iberê Carvalho estreia em longa-metragem com este premiado O Último Cine Drive-In, uma comovente homenagem aos cinéfilos, através de um enredo simples e eficiente, com ternura e desenvoltura, tanto para os olhos como para a alma dos espectadores. A beleza está justamente na simplicidade e no objetivo a ser alcançado, ou seja: o amor ao cinema. Chega ao circuito comercial precedido de quatro Kikitos no último Festival de Gramado: melhor filme pelo júri da crítica, melhor ator (Breno Nina), atriz coadjuvante (Fernanda Rocha- também premiada no Festival do Rio) e direção de arte; foi laureado como melhor filme no Festival de Punta del Este, no Uruguai e no Festival das Américas, no Texas, EUA; além de ser escolhido para a Seleção Oficial do Festival de Chicago, nos EUA.

A trama traz como protagonista Marlonbrando (grafado assim mesmo, interpretado pelo estreante B. Nina), um jovem que vive em Anápolis, mas que vai para Brasília, sua cidade natal, para acompanhar Fátima (Rita Assemany), a mãe em estado terminal de câncer, que está internada em um hospital com suas burocracias exageradas para visitação dos parentes, além do descalabro de suas acomodações de leitos precários. Sem ter onde ficar na cidade, ele acaba procurando pelo pai, Almeida (Othon Bastos), proprietário há 37 anos do pouco assíduo e último Cine Drive-in no país, que insiste em manter vivo o cinema, mesmo não atraindo mais espectadores como na década de 70. Para isso, conta com a ajuda de apenas dois funcionários: Paula (F. Rocha- estava realmente grávida nas filmagens do marido e diretor), que é responsável pela projeção e dos serviços de cozinha, e José (Chico Sant'anna), um velho amigo da família, que ajuda a vender ingressos no caixa, cuida da limpeza e da segurança do local. Com a ameaça de demolição do prédio e o agravamento da doença de Fátima, pai e filho discutem um passado de ausência paterna, se alfinetam e colocam em xeque uma relação dolorida, mas terão que juntar forças para se unir e tentar reviver os anos de glórias do estacionamento lotado de carros por frequentadores vorazes de sonhos imaginários.

Apaixonado pelo que faz, Almeida é uma espécie de um desbravador sobrevivente que luta para manter sua casa de espetáculo num mundo em que o cinema de shopping, o 3D, o IMAX e o digital predominam nos dias atuais pelo conforto, segurança e a evolução. Reluta em entregar seu espaço, mas sabe que a utopia pode acabar e começa a esmorecer. A presença do filho mudará a rotina da mesmice e do pessimismo ali instalados. Toma pé da situação, mantém um bom relacionamento com os funcionários, embora conflitado com a jovem Paula, por ficar com seu quarto, logo aparará as arestas por um grande causa. Um filme que possui momentos marcantes na essência, que variam do drama para a comédia, do road movie para a fábula adulta primorosa, como da fantasia no epílogo de imagens coloridas e de esperanças.

O Último Cine Drive-In não tem o glamour do festejado melodrama Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore, homenageado com um cartaz, em que ambos prestam declarações de grande júbilo ao cinema. Há ainda no local um pôster do clássico O Poderoso Chefão (1972), latões de películas e projetores antigos como herança de uma época. Mescla humor com drama, com o auxílio de uma boa trilha sonora, num tom bem equilibrado de uma narrativa correta dentro de um enxuto roteiro, mostrando a decadência das velhas projeções românticas, em que se assistiam filmes de dentro dos automóveis. Sem ser piegas e afastando-se do maniqueísmo, não se deixa envolver pelo emocional na sua estrutura dramática, com elipses adequadas, um bonito cenário da Capital brasileira como símbolo de um passado de reminiscências.

A comédia dramática apresenta-se com um bom domínio de um tempo que já passou, ainda que de certa forma contido, ao mostrar a transformação do cinema de maneira metafórica, como da mãe na UTI do hospital, tal qual a sobrevivência do drive-in, o presente e o futuro da evolução dos novos tempos modernos e com a decretação do fim da película como forma de sobrevivência. Mesmo sem arroubos em termos de roteiro ou invenções de linguagens, há o magnetismo do colorido e dos diálogos com vozes abafadas, por uma aparente ingênua história de personagens em tempos diferentes. O filme tem significativos méritos expositivos, pois consegue prender a atenção do público, não deixando escapar o foco da trama. Uma boa e singela homenagem ao cinema de rua e de estacionamento, embora não chegue a ser uma obra definitiva, marca pela ousadia numa época onde se valoriza mais o modelo tecnológico, suas invenções e avanços virtuais. Não deixa de ser um tributo que fazia falta para aqueles que amam a sétima arte.

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