Triângulo Amoroso
O diretor gaúcho Jorge Furtado criou dúvidas e debateu o
futuro do jornalismo, ao lançar novas luzes sobre a polêmica do fim do jornal
impresso, a evolução da internet, a ética e os interesses econômicos das
grandes companhias jornalísticas, no seu longa anterior, o documentário mesclado
com teatro O Mercado de Notícias (2014),
o melhor desde o premiado curta Ilha das
Flores (1989). O cineasta tem em sua filmografia Saneamento Básico (2007), um filme dentro de outro para demonstrar
a forma dos moradores reunidos e que seria protagonizado por um mostro que vive
nas obras de construção de uma fossa; O
Homem que Copiava (2003), uma narrativa ficcional contrastando a inverdade
com o real, numa mescla um tanto vazia de um jovem que trabalha numa
fotocopiadora e tem uma vida comum.
Agora com Real Beleza,
título inspirado na canção de Sérgio Sampaio, dá um passo importante ao
mergulhar no drama romântico, deixando de lado, ao menos por ora, seu vasto
universo de comédias descompromissadas realizadas com superficialidades, talvez
pelo vício dos seriados e pequenos contos televisivos. Uma trama recheada de
bons ingredientes sobre o belo e suas formas intrínsecas e extrínsecas dos
amores impossíveis. O protagonista é João (Vladimir Brichta- apesar do
esforço, não convence na dramaturgia), um fotógrafo renomado em decadência à
caça de talentos que procura uma nova modelo para dar um voo maior na sua carreira
ameaçada. Ao partir para o a região Sul do Brasil, fotografa dezenas de
adolescentes incansavelmente com seu clicar repetitivo, até finalmente
descobrir a beleza encantadora de Maria (Vitória Strada), quer transformá-la numa
top model internacional, desejo de qualquer garota interiorana, mas que terá
muitos caminhos de dificuldades para trilhar.
Furtado abre o leque da reflexão sobre os sonhos frustrados
e promissores das modelos, ao colocar em choque a negativa do pai, um homem já
velho e cego, dono de uma gigantesca biblioteca, que conhece pela intuição ao
tatear e demonstrar um grande conhecimento e grau elevado de memória numa série
de referências culturais num compasso com a natureza. Recita páginas de escritores
como Fernando Pessoa, Jorge Luís Borges- uma homenagem ao intelectual argentino-
e Cartier-Bresson. A figura paterna de Pedro (Francisco Cuoco) é interpretada
pelo veterano ator, num desempenho excelente, tanto ao ser durão, como irônico
e cômico, ao se opor à carreira profissional da filha. É casado com Anita
(Adriana Esteves- em boa forma e convincente, ao contrário de Brichta, seu
marido na vida civil) que nutre um grande amor, transformado pelo tempo em
compaixão, pelo esposo bem mais velho do que ela, mas dependente de cuidados
especiais. Ela está cheia de vontade de partir dali para o mundo, em especial Paris.
Um enredo aparentemente simples, mas com boa complexidade
que se delineia no desenrolar da história, principalmente com a aproximação da
mãe da jovem aos galanteios do forasteiro para um relacionamento íntimo num
triângulo que se desenha. Ambos parecem descobrir uma incendiária paixão que acreditavam
já ter esquecido e retirado de suas vidas. O passado e o presente de Anita
formam um elo intransponível, embora os anseios gritem e a perturbem como
mulher que quer ter uma nova realidade. Dá liberdade aos desejos latentes
sexuais reprimidos, deixando vir à tona realizações freadas pelas
circunstâncias do casamento longevo.
Nesta produção da Casa de Cinema de Porto Alegre filmada em Três Coroas , Garibaldi
e algumas cenas na Capital, o longa tem uma fascinante fotografia com as
características peculiares de uma cidadezinha serrana do interior, onde se anda
de bicicleta, há um típico namoradinho da modelo que faz de tudo para que ela
não saia dali. Os objetivos de vida estão limitados aos costumes de um bucólico
lugarejo de poucos recursos que remete para Antes
que o Mundo Acabe (2009), de Ana Luiza Azevedo. Ainda que menor, é quase
tão instigante sobre as dúvidas e os caminhos dos adolescentes que procuram um
futuro promissor, como nas realizações Os
Famosos e os Duendes da Morte (2009), de Esmir Filho e As Melhores Coisas do Mundo (2010), de Laís Bodanzky.
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