quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Real Beleza













Triângulo Amoroso

O diretor gaúcho Jorge Furtado criou dúvidas e debateu o futuro do jornalismo, ao lançar novas luzes sobre a polêmica do fim do jornal impresso, a evolução da internet, a ética e os interesses econômicos das grandes companhias jornalísticas, no seu longa anterior, o documentário mesclado com teatro O Mercado de Notícias (2014), o melhor desde o premiado curta Ilha das Flores (1989). O cineasta tem em sua filmografia Saneamento Básico (2007), um filme dentro de outro para demonstrar a forma dos moradores reunidos e que seria protagonizado por um mostro que vive nas obras de construção de uma fossa; O Homem que Copiava (2003), uma narrativa ficcional contrastando a inverdade com o real, numa mescla um tanto vazia de um jovem que trabalha numa fotocopiadora e tem uma vida comum.

Agora com Real Beleza, título inspirado na canção de Sérgio Sampaio, dá um passo importante ao mergulhar no drama romântico, deixando de lado, ao menos por ora, seu vasto universo de comédias descompromissadas realizadas com superficialidades, talvez pelo vício dos seriados e pequenos contos televisivos. Uma trama recheada de bons ingredientes sobre o belo e suas formas intrínsecas e extrínsecas dos amores impossíveis. O protagonista é João (Vladimir Brichta- apesar do esforço, não convence na dramaturgia), um fotógrafo renomado em decadência à caça de talentos que procura uma nova modelo para dar um voo maior na sua carreira ameaçada. Ao partir para o a região Sul do Brasil, fotografa dezenas de adolescentes incansavelmente com seu clicar repetitivo, até finalmente descobrir a beleza encantadora de Maria (Vitória Strada), quer transformá-la numa top model internacional, desejo de qualquer garota interiorana, mas que terá muitos caminhos de dificuldades para trilhar.

Furtado abre o leque da reflexão sobre os sonhos frustrados e promissores das modelos, ao colocar em choque a negativa do pai, um homem já velho e cego, dono de uma gigantesca biblioteca, que conhece pela intuição ao tatear e demonstrar um grande conhecimento e grau elevado de memória numa série de referências culturais num compasso com a natureza. Recita páginas de escritores como Fernando Pessoa, Jorge Luís Borges- uma homenagem ao intelectual argentino- e Cartier-Bresson. A figura paterna de Pedro (Francisco Cuoco) é interpretada pelo veterano ator, num desempenho excelente, tanto ao ser durão, como irônico e cômico, ao se opor à carreira profissional da filha. É casado com Anita (Adriana Esteves- em boa forma e convincente, ao contrário de Brichta, seu marido na vida civil) que nutre um grande amor, transformado pelo tempo em compaixão, pelo esposo bem mais velho do que ela, mas dependente de cuidados especiais. Ela está cheia de vontade de partir dali para o mundo, em especial Paris.

Um enredo aparentemente simples, mas com boa complexidade que se delineia no desenrolar da história, principalmente com a aproximação da mãe da jovem aos galanteios do forasteiro para um relacionamento íntimo num triângulo que se desenha. Ambos parecem descobrir uma incendiária paixão que acreditavam já ter esquecido e retirado de suas vidas. O passado e o presente de Anita formam um elo intransponível, embora os anseios gritem e a perturbem como mulher que quer ter uma nova realidade. Dá liberdade aos desejos latentes sexuais reprimidos, deixando vir à tona realizações freadas pelas circunstâncias do casamento longevo.

Nesta produção da Casa de Cinema de Porto Alegre filmada em Três Coroas, Garibaldi e algumas cenas na Capital, o longa tem uma fascinante fotografia com as características peculiares de uma cidadezinha serrana do interior, onde se anda de bicicleta, há um típico namoradinho da modelo que faz de tudo para que ela não saia dali. Os objetivos de vida estão limitados aos costumes de um bucólico lugarejo de poucos recursos que remete para Antes que o Mundo Acabe (2009), de Ana Luiza Azevedo. Ainda que menor, é quase tão instigante sobre as dúvidas e os caminhos dos adolescentes que procuram um futuro promissor, como nas realizações Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), de Esmir Filho e As Melhores Coisas do Mundo (2010), de Laís Bodanzky.

Na relação complexa aberta em Real Beleza, a filha sente que existem outras fronteiras para serem desbravadas. Seu mundo está restrito às mesmices, com poucas opções para o trabalho. É hora de botar o pé na estrada e seguir em frente e deixar a vidinha pacata para trás. Ainda que haja aquelas belezas naturais cativantes, mas de aspectos sombrios de prazeres e desprazeres como objetivos, tendo como mote o triângulo amoroso dos pais, diante do vazio existencial dos conflitos inerentes vistos com razoável sensibilidade para abordar a temática sem estereótipos, que faz refletir com uma ternura dolorida dos adultos intercados pelo silêncio ecoante.

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