Incesto na Ilha
Mais uma produção de Pernambuco alça alto voo e conquista
prêmios importantes, Sangue Azul
ganhou como melhor filme de ficção na Mostra Première do Festival do Rio de
Janeiro, edição 2014, além de melhor diretor e ator coadjuvante (Rômulo Braga);
também foi premiado com a melhor fotografia e figurino no Festival de Paulínia,
em São Paulo ,
no ano passado; foi ainda exibido na Mostra Panorama do Festival de Berlim
deste ano. Quase dez anos depois de Árido
Movie (2005), o cineasta Lírio Ferreira volta a dirigir um longa de ficção à
moda antiga por película. Ficou conhecido por Baile Perfumado (1997), codirigido com Paulo Caldas.
O drama intimista começa com imagens em preto e branco, com personagens
e natureza se fundindo num tom gris com variáveis de equilíbrio do claro para o
escuro, numa bela coreografia de efeitos da ação, mas logo o colorido toma
conta das filmagens com a lona do circo Netuno armado para começar o grande espetáculo
na paradisíaca ilha vulcânica. No enredo há um romantismo sem freios na relação
amorosa entre Zolah (Daniel de Oliveira- convincente no papel), o homem-bala voltado
para as peripécias sexuais, que retorna para o lugar onde nasceu, acompanhado
da fogosa namorada Teorema (a atriz cubana Laura Ramos), lá encontra a irmã Raquel
(Caroline Abras). Quando a trupe desembarca para uma temporada na terra natal,
muitas lembranças do passado afloram e instigam os dois irmãos, mas chegou o
momento de resolver as questões angustiantes que os atormentam. Com isto, deixa
a mãe (Sandra Corveloni- de atuação irreparável) em estado de alerta e temerosa
do que poderá acontecer neste reencontro depois de 20 anos afastados. Não foi à
toa que mandou o filho para bem longe, sob os cuidados do ilusionista Kaleb
(Paulo César Pereio), para evitar um incesto que se desenhava como iminente na
infância.
O filme é dividido em cinco capítulos, entre eles Infância e Angústia, títulos retirados dos livros de Graciliano Ramos. O filme
tem um elenco de primeira, que se completa com o sensível atirador de facas
Gaetan (Matheus Nachtergaele); Inox (Milhem Cortaz), o hilário “homem mais
forte do mundo” que quebra paradigmas da masculinidade; e o ancião pescador
Mumbebo (cineasta Ruy Guerra), uma espécie de oráculo, um tanto artificial no
enredo, que faz derrapar e pouco acrescenta na história. A trilha sonora é boa,
tem a assinatura de Pupillo, baterista da banda Zumbi, mas o forte do filme é a
fotografia premiada de Mauro Pinheiro, com imagens radiantes, que teve como
locação pela primeira vez a ilha de Fernando de Noronha para uma realização
totalmente rodada em seu território
Lírio assina o roteiro com Fellipe Barbosa e Sérgio
Oliveira, deixando o filme andar sem preocupação de cortes cruciais, num
paralelo entre cinema e circo para falar do mar, da arte, mas principalmente do
amor e do sexo como os ingredientes maiores misturados num redemoinho marítimo,
que traz à tona fantasmas retornando com voracidade na liberdade sexual de
várias formas manifestada entre os irmãos e nos demais personagens que completam
o enredo, com cenas eróticas surgindo de olhares e embasadas nas canções
românticas de afoxé e frevo. Não são gratuitas, apenas contribuem de certa maneira,
pelo olhar do diretor, para reforçar uma sensualidade explícita que o drama procura
contagiar e transmitir com poesia sensorial, embora às vezes tropece e não
alcance o arrebatamento no espectador como uma proposta concreta.
Há no formato a sensação de domínio pelo exercício estético que se propõe, ao usar enquadramentos ousados e aposta no cenário deslumbrante. Não impacta como no drama profundo e contestador do conterrâneo Gabriel Mascaro, com um cinema autoral em Ventos de Agosto (2014), nem mergulha no universo circense como fez com eloquência e dignidade rara Selton Mello, no comovente O Palhaço (2011), um drama de artistas que buscam pelo interior do Brasil suas glórias e a maneira de sobreviver, numa abordagem dos bastidores na difícil arte de fazer rir.
Há no formato a sensação de domínio pelo exercício estético que se propõe, ao usar enquadramentos ousados e aposta no cenário deslumbrante. Não impacta como no drama profundo e contestador do conterrâneo Gabriel Mascaro, com um cinema autoral em Ventos de Agosto (2014), nem mergulha no universo circense como fez com eloquência e dignidade rara Selton Mello, no comovente O Palhaço (2011), um drama de artistas que buscam pelo interior do Brasil suas glórias e a maneira de sobreviver, numa abordagem dos bastidores na difícil arte de fazer rir.
Sangue Azul flutua
perifericamente, sem ser melancólico ou saudosista dos velhos palhaços de
outrora, como Mello bem enfatizou. Há os sorrisos marotos das plateias por
aquele grupo de comediantes, ainda assim teve um resultado razoável, embora
tivesse tudo para emplacar uma reflexão menos pueril e mais madura com
consistência, faltou o algo mais no contexto, deixando uma lacuna relevante e de
interesse linear sob o ponto de visto emocional na abrangência do todo, com
alguns lampejos criativos de fábula, fica mais na ideia central do lúdico.
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