Revelações Amorosas
Vem da Noruega o longa de estreia da diretora Anne Sewitsky,
Happy, Happy, laureado com o Grande
Prêmio do Júri no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, em 2011, obteve o
prêmio da crítica no Festival de Zurique, edição de 2011, e ainda representou
seu país na categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2012. O enredo está
centrado na dona de casa Kaja (Agnes Kittelsen- boa atuação), lembra
a infantilizada personagem central de Simplesmente
Feliz (2008). Privilegia a célula familiar como a coisa mais importante do
mundo, embora conviva com o marido Eirik (Joachim Rafaelsen), um homem que há mais
de anos se recusa a fazer sexo, sob a alegação de que ela não é mais atraente,
demonstra um comportamento estranho e dolorido para ambos, bem como para o
filho menor.
A cineasta coloca com certa habilidade na vida do casal, os
novos vizinhos Elisabeth (Maibritt Saerens) e Sigve (Henrik Rafaelsen), que aparentemente
têm um casamento perfeito, com um filho negro adotado, o que causa um certo
constrangimento recheado de dúvidas e indagações para os nativos, inclusive
para as crianças que revivem os tempos da escravatura nas brincadeiras. Logo, Kaja
começa a enxergar um mundo de esperança marcado por cores radiantes, através de
um jantar para as boas vindas. O silêncio é quebrado pela simulação do jogo da
verdade proposto com muitas revelações e consequências que ocorrerão para todos,
no qual sobressaem as intrigas e confissões de traições de ambos os lados. Há,
inclusive, a homossexualidade enrustida que causa surpresas e dissabores, mas
que as portas aos poucos se abrem para um futuro com decisões que deverão ser
tomadas.
Ainda que classificada como comédia dramática, o filme é uma
narrativa qualificada de puro drama naquele estonteante cenário de nevasca, bem
característico dos países escandinavos, tendo no frio um fator dominante do
ambiente que afeta também os relacionamentos humanos na ciranda amorosa
estremecida e fragmentada, porém em muitas vezes são escondidas questões sérias,
ou até dissimuladas, deixando o tempo levar, assim como o clímax com bastante
ternura e suavidade, sob o comando da canção Over the Rainbow, do clássico O
Mágico de Oz, que servirá de passagem, a cargo de um coro, da vida triste da
protagonista para o sonho momentâneo e dourado, deixando seu apetite sexual
aflorar de forma espontânea, um pouco fora do limite e com alguma ingenuidade
mal concebida, num erro estratégico pela dispersão do roteiro.
Happy, Happy é um
filme voltado para os relacionamentos intimistas, numa trama que acompanha
dois casais, cujas vidas se entrelaçam com questionamentos das complicadas situações
extraconjugais. A diretora pinça com certo ar de tristeza a maneira e o modo de
vida levado por cada um deles, deixando na insatisfação o aspecto preponderante
para reflexão. Kaja demonstra ser uma mulher solitária que quer mais da vida e
sua euforia com a chegada do forasteiro é motivo para um deslumbramento até compreensível
no aspecto emocional. Prevê e é estimulada para uma condição típica de quem quer
dividir as coisas simples do cotidiano, diante da ausência do companheiro que
não lhe dá atenção e foge de uma relação normal entre marido e mulher. Há clara
evidência no desespero intrínseco materializado na cena em que o quarteto
disputa um resultado que levará para grandes emoções fantasiadas com ardor na
alma e um brilho esfuziante nos olhos.
O drama mexe com aflições, segredos de opções sexuais e
angústias ocultadas, mas que aos poucos são reveladas com forte acidez, traz
também como subtema o preconceito racial dos tempos da escravidão negra, mesmo
nas cenas lúdicas de abusos, mas que choca e denuncia pelo olhar da neófita cineasta
Sewitsky, ainda que a solução seja linear dentro do filme como um todo, com a participação
solta no discurso de Barack Obama, em meio às descobertas e reviravoltas nos
diálogos secos e rancorosos.
A realizadora mostra-se competente e dá indicativos de ser
promissora, ao conduzir a histórias com canções alegres, ao amenizar os temas profundos
num roteiro elaborado com estrutura consistente, torna-se agradável por
envolver o espectador no enredo engenhoso na superfície de aparente normalidade.
Um filme simples e eficiente, cativante na essência sobre solidão, traição,
racismo e homossexualidade como elementos para efeito de dúvidas das cicatrizes
abertas de um processo transitório, que remete para uma reflexão de um desfecho
revelador para o futuro de um passado acobertado de segredos enigmáticos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário