quinta-feira, 9 de julho de 2015

Happy, Happy















Revelações Amorosas

Vem da Noruega o longa de estreia da diretora Anne Sewitsky, Happy, Happy, laureado com o Grande Prêmio do Júri no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, em 2011, obteve o prêmio da crítica no Festival de Zurique, edição de 2011, e ainda representou seu país na categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2012. O enredo está centrado na dona de casa Kaja (Agnes Kittelsen- boa atuação), lembra a infantilizada personagem central de Simplesmente Feliz (2008). Privilegia a célula familiar como a coisa mais importante do mundo, embora conviva com o marido Eirik (Joachim Rafaelsen), um homem que há mais de anos se recusa a fazer sexo, sob a alegação de que ela não é mais atraente, demonstra um comportamento estranho e dolorido para ambos, bem como para o filho menor.

A cineasta coloca com certa habilidade na vida do casal, os novos vizinhos Elisabeth (Maibritt Saerens) e Sigve (Henrik Rafaelsen), que aparentemente têm um casamento perfeito, com um filho negro adotado, o que causa um certo constrangimento recheado de dúvidas e indagações para os nativos, inclusive para as crianças que revivem os tempos da escravatura nas brincadeiras. Logo, Kaja começa a enxergar um mundo de esperança marcado por cores radiantes, através de um jantar para as boas vindas. O silêncio é quebrado pela simulação do jogo da verdade proposto com muitas revelações e consequências que ocorrerão para todos, no qual sobressaem as intrigas e confissões de traições de ambos os lados. Há, inclusive, a homossexualidade enrustida que causa surpresas e dissabores, mas que as portas aos poucos se abrem para um futuro com decisões que deverão ser tomadas.

Ainda que classificada como comédia dramática, o filme é uma narrativa qualificada de puro drama naquele estonteante cenário de nevasca, bem característico dos países escandinavos, tendo no frio um fator dominante do ambiente que afeta também os relacionamentos humanos na ciranda amorosa estremecida e fragmentada, porém em muitas vezes são escondidas questões sérias, ou até dissimuladas, deixando o tempo levar, assim como o clímax com bastante ternura e suavidade, sob o comando da canção Over the Rainbow, do clássico O Mágico de Oz, que servirá de passagem, a cargo de um coro, da vida triste da protagonista para o sonho momentâneo e dourado, deixando seu apetite sexual aflorar de forma espontânea, um pouco fora do limite e com alguma ingenuidade mal concebida, num erro estratégico pela dispersão do roteiro.

Happy, Happy é um filme voltado para os relacionamentos intimistas, numa trama que acompanha dois casais, cujas vidas se entrelaçam com questionamentos das complicadas situações extraconjugais. A diretora pinça com certo ar de tristeza a maneira e o modo de vida levado por cada um deles, deixando na insatisfação o aspecto preponderante para reflexão. Kaja demonstra ser uma mulher solitária que quer mais da vida e sua euforia com a chegada do forasteiro é motivo para um deslumbramento até compreensível no aspecto emocional. Prevê e é estimulada para uma condição típica de quem quer dividir as coisas simples do cotidiano, diante da ausência do companheiro que não lhe dá atenção e foge de uma relação normal entre marido e mulher. Há clara evidência no desespero intrínseco materializado na cena em que o quarteto disputa um resultado que levará para grandes emoções fantasiadas com ardor na alma e um brilho esfuziante nos olhos.

O drama mexe com aflições, segredos de opções sexuais e angústias ocultadas, mas que aos poucos são reveladas com forte acidez, traz também como subtema o preconceito racial dos tempos da escravidão negra, mesmo nas cenas lúdicas de abusos, mas que choca e denuncia pelo olhar da neófita cineasta Sewitsky, ainda que a solução seja linear dentro do filme como um todo, com a participação solta no discurso de Barack Obama, em meio às descobertas e reviravoltas nos diálogos secos e rancorosos.

A realizadora mostra-se competente e dá indicativos de ser promissora, ao conduzir a histórias com canções alegres, ao amenizar os temas profundos num roteiro elaborado com estrutura consistente, torna-se agradável por envolver o espectador no enredo engenhoso na superfície de aparente normalidade. Um filme simples e eficiente, cativante na essência sobre solidão, traição, racismo e homossexualidade como elementos para efeito de dúvidas das cicatrizes abertas de um processo transitório, que remete para uma reflexão de um desfecho revelador para o futuro de um passado acobertado de segredos enigmáticos.

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