sexta-feira, 17 de julho de 2015

Phoenix



Identidade Perdida

O talentoso diretor alemão Christian Petzold, de 44 anos, está de volta com mais um filme instigante sobre a Alemanha, aborda a culpa e a responsabilidade de seu povo no episódio da herança do nazismo. No longa antecessor, Barbara (2012) recebeu o prêmio Urso de Prata por melhor direção no Festival de Berlim de 2012), ambientado nos anos de 1980, num bucólico vilarejo, às margens do Mar Báltico, em pleno regime comunista instalado na Alemanha Oriental, reflete sobre a divisão de seu país antes de cair o muro da vergonha, o constrangimento da protagonista em ser vigiada, passar por humilhantes revistas íntimas no seu local de trabalho num regime autoritário sem liberdade de expressão, onde a reunificação era completamente descartada.

Phoenix traz novamente como personagem central a estupenda intérprete Nina Hoss, no papel da cantora de cabaré Nelly Lenz, uma espécie de Lili Marlene (1981), do conterrâneo Rainer Werner Fassbinder. O cineasta já fizera parceria anteriormente com a atriz, além de Barbara, nos longas Wolfsburg (2003), Yella (2007) e Jerichow (2008). Esta última realização centraliza a história na sobrevivente judia, que ficou desfigurada enquanto esteve presa num campo de concentração em Auschwitz, durante o período da II Guerra Mundial. Ao retornar para uma Berlim em escombros, busca num cirurgião plástico recuperar sua imagem, em detrimento da recriação sem lembranças, mesmo que o passado lhe traga amarguras e perseguições. Nesta jornada difícil, inclusive reencontrar o marido Johnny (Ronald Zehrfeld), recebe uma ajuda prestimosa da militante Lene (Nina Kunsendorf), uma mulher sofrida que ajuda seus compatriotas, dando dicas e orientando para que viagem em definitivo para o recém-criado Estado de Israel.

Um filme ao melhor estilo da escola alemã, com um roteiro enxuto, com cortes certeiros, poucas concessões para o espectador, num tom seco e direto com artimanhas corretas, no qual Nelly fica irreconhecível após a cirurgia, ela explora a destruída Berlim à caça do marido, apontado como o responsável pela sua delação e o sofrimento pelo qual passou. O drama não cai na caricatura fácil e nem no maniqueísmo. Há densidade e tensão bem elaboradas num filme ao melhor estilo noir, com cenas de construções de personagens fortes e psicologicamente bem alicerçados por uma direção autoral magnífica, através de uma amostragem a beleza dos detalhes na essência, com Nina Hoss conduzindo a trama pelo marcante olhar revelador, segurando até o final inusitado o enredo recheado de realismo de um cinema instigante.

Boa parte da crítica comparou com Vertigo/Um Corpo que Cai (1958), de Alfred Hitchcock, sobre o desejo de recriação de uma mulher em outra, mas há uma similitude estrutural mais acentuada em Cópia Fiel (2010), de Abbas Kiarostami, uma abordagem do jogo da mentira num novelo como se fosse uma ficção e não uma realidade, parecendo o reflexo dos espelhos contra o sol refletindo, para se decifrar quanto cópia ou original? Réplica ou tréplica? Ficção ou realidade? Mas Phoenix tem vida própria pela contundência nas buscas e na reflexão sobre os estragos deixados pelo nazismo, por aproximar-se e até superar no conteúdo do não menos notável Ida (2014), de Pawel Pawlikowski, premiado como melhor filme estrangeiro no Oscar deste ano.

Baseado no romance francês Retorno das Cinzas, de Hubert de Monteilhet, teve uma adaptação inexpressiva para o cinema anos de 1960, batizado De Volta das Cinzas, com direção de J. Lee Thomson. Phoenix é um drama de época fascinante, em que a reconstrução da vida pela perda da identidade decorre do devastador holocausto, deixando registradas as cicatrizes do passado no rosto e na alma, diante da tentativa de construir a personalidade em busca da reaproximação do grande amor que ficou, ao ser deportada para a Polônia. Petzold é um artesão imparcial, deixa para o epílogo a máscara cair, como um pano no teatro armado, para receber a sobrevivente transformada e usada, como uma metáfora das atrocidades de Adolf Hitler. As marcas na pele revelarão a grande farsa montada, como uma reflexão sobre a traição para safar-se e levar vantagem na herança pretendida.

Dentro de um clímax equilibrado e coerente, através de uma história contada com uma suavidade contraditória, embora embrutecida por um panorama do horror pelos destroços deixados pela guerra e a perseguição implacável aos sionistas, diante das feridas abertas de difícil cicatrização, permeando a selvageria intercalada por momentos líricos doloridos, faz deste drama um marco redentor da barbárie, sem cair no maniqueísmo ou na mesmice de chuveiros químicos com pessoas amontoadas dentro de trens rumo à morte. Um filme sobre o renascimento das cinzas, através de imagens fortes com força de grande expressividade, como na boate colorida contrastando com as ruínas no entorno. Ou pelos rostos e olhares de perplexidades mesclados com surpresa no desfecho que flui equidistante para fincar uma posição realista de uma época, pela desassombrada canção melancólica Luz de Berlim.

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