sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Foxcatcher- Uma História que Chocou o Mundo


Solidão e Morte

Baseado em fatos reais, Foxcatcher- Uma História que Chocou o Mundo recria uma história verdadeira e instigante pelas mãos do compenetrado diretor Bennet Miller, meticuloso no formato e no escândalo ocorrido, embora não tão chocante como repercussão na esfera mundial, como retrata o infeliz subtítulo brasileiro. O cineasta já havia recriado situações análogas em dois títulos badalados na sua carreira como Capote (2005) e O Homem que Mudou o Jogo (2011). Em ambos há uma verossimilhança próxima da realidade e do que contam os livros, tendo em vista que o cineasta não é afeito a criar alternativas ficcionais que refogem da versão literária. Para parte da crítica é mérito, para outra seria acomodação.

Mas importa mesmo é que o longa é uma realização magnífica pela atmosfera marcante e bem elaborada no tom certo da dramaticidade contada com eficiência, secundada pela ótima trilha sonora e a estonteante fotografia de interiores e exteriores. É criado um cenário hostil e duro na bela fazenda do milionário egocêntrico John du Pont (Steve Carell- estupenda atuação e digna de abocanhar o Oscar de melhor ator) que aos poucos vai passando para a plateia sua distância e ausência de amor, carinho e vínculo de proximidade com a mãe (Vanessa Redgrave), uma adoradora de cavalos puro-sangue, tudo para ela são os equinos, na fria e distante relação com o filho que se acha escritor, filatelista, ornitólogo e treinador. Na verdade não é nada do que pensa, é apenas um sujeito com evidências claras de patologia doentia pelo estrelato, decorrente de um vazio na sua vida silenciosa e sem graça, embora ricaço.

O diretor enfatiza um protagonista, que passa de um simples observador de pássaros para a construção de um moderno centro de treinamento de esportes para as lutas greco-romanas nas suas fazendas, na Pensilvânia, visando a medalha de ouro nas Olimpíadas de Seul, em 19888. Para isto foi em busca da contratação do campeão olímpico desta categoria em Los Angeles, Mark Schultz (Channing Tatum), que sempre treinou e foi orientado pelo competente irmão mais velho, um pai para ele, David (Mark Ruffalo), considerado uma lenda como treinador e liderança. Primeiro traz o atleta para sua mansão e destina-lhe uma acomodação digna de um grande campeão que passa a ser um integrante da poderosa equipe de Foxcatcher. Atraído pelo excelente salário e as condições de vida oferecidas, bem como as promessas de aprimoramento físico, o caçula Mark imagina e foca na nova premiação pretendida por ele e pelo seu empresário, que aos poucos se tornam amigos numa viagem apoteótica narcisista. Nem tudo são flores e confetes, logo o campeão olímpico se envolve em drogas e bebidas, seu relacionamento com du Pont torna-se insuportável, diante da personalidade excêntrica do esquisito herdeiro do complexo industrial.

Com a vinda posterior de David, após as coisas se complicarem e a olimpíada cada vez mais próxima, a dupla terá dissabores trágicos por parte do herdeiro patrocinador enlouquecido por medalhas e sua proximidade com o poder, com facilidades bem claras de entrada de armamento na sua residência. Tudo em nome de um patriotismo doentio bem explorado por Miller, no qual eleva o filme para uma esfera superior e distante de patriotadas imbecis ocorridas em realizações comprometidas, entre elas Argo (2012), com o heroísmo desbragado americano insuflado pela paixão nacionalista sem limites, numa louvação de enaltecimento desproporcional, pela direção de Ben Affleck; ou pela forma romântica e patriótica para agradar os norte-americanos e os velhinhos da Academia em Lincoln (2012), de Steven Spielberg.

Premiado no Festival de Cannes como melhor diretor, Miller também foi indicado para concorrer ao Oscar, bem como a roteiro original, ator (Carell), ator coadjuvante (Rufallo), e maquiagem. Injustificáveis as ausências, porém, não ser listado para melhor filme e ator coadjuvante (Tatum). Um filme digno de elogios e referências maiúsculas pela sua complexidade e decorrências edipianas, simbolizadas por uma relação que sugere um erotismo abafado e com ilações que vão para uma imaginária sensação de castração do prazer, que se reflete na mãe e seus apreciáveis amores equinos que contrapõe com o filho a obsessão pelo esporte de luta-livre, deixando transparecer uma sexualidade implícita com seus pupilos.

Foxcatcher- Uma História que Chocou o Mundo é um daqueles dramas exemplares, com recheio de componentes primorosos, entre os quais o suspense. Possui um clímax bem adequado num roteiro enxuto que leva para um final angustiante. Eis o mérito maior de Miller com a tensão sendo mantida em dose equilibrada, intercalada pela metáfora da libertação dos cavalos, após o homicídio acompanhado da morte materna como redenção de uma dolorida solidão e pelas perdas afloradas de forma iminente, num cenário propício pela grande beleza estética como símbolos da liberdade. Em muito se faz lembrar o epílogo do extraordinário drama Winter Sleep (2014), do diretor turco Nuri Bilge Ceylan, refletindo sobre o sentido da existência na essência da vida. Perturbador e reflexivo sobre a alma invadida pelos véus retirados de uma lucidez ausente pelas emoções de uma vitória inexistente, na qual a derrota causa uma catástrofe trágica no seu desenrolar de ilusões perdidas.

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