quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Ida


Mergulho no Passado

Pawel Pawlikowski é um diretor autoral que busca nos pequenos detalhes uma amostragem da essência cinematográfica. Nascido há 57 anos em Varsóvia, foi criado desde a infância na Inglaterra com a família, ao fugir do sólido regime comunista lá implantado. Ida é seu primeiro filme rodado no país de origem e falado na língua polonesa, já ganhou aproximadamente 70 prêmios internacionais, entre eles os de melhor filme, roteiro, direção e fotografia no European Film Awards de 2014, tendo figurado em diversas listas de melhores do ano passado nos EUA e Europa, além de ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e concorrer com grandes chances de levar pela primeira vez a estatueta para a Polônia, nacionalidade dos já consagrados diretores Roman Polanski, Andrzej Wajda e Krzysztof Kieslowski. Antes filmara em inglês os longas Last Resort (2000) e Meu Amor de Verão (2004).

A trama é centrada na jovem noviça Anna (Agata Trzebuchowska) que está pronta para prestar seu voto de castidade e tornar-se freira. Porém, antes do evento religioso, ela é instada pela Madre Superiora (Halina Skoczynska) para visitar uma única pessoa restante de seus laços de família, a tia Wanda (Agata Kulesza), uma juíza rígida com os compatriotas renegados, de olhar cínico e que leva uma vida desregrada, beirando uma mulher de vida mundana, solitária, alcoólatra e autoritária nas suas atitudes, principalmente como defensora do Partido Comunista. Sem pestanejar, já diz à queima-roupa à sobrinha que sua origem é judia e que se chama Ida e não Anna. Questiona o futuro dela como freira nesta circunstância paradoxal dogmática, o que faz balançar a vocação da moça. Sem muita cerimônia, revela que seus pais foram mortos pelos nazistas e faz brotar o instinto de busca num alucinante mergulho de um passado brutal.

O cineasta conduz com sensibilidade a viagem da tia e a sobrinha para um caminho de autoconhecimento e localização dos restos mortais para o desfecho redentor da saga familiar oculta até ali. Faz uma abordagem magnífica de uma Polônia com seus traumas da história ocorridos no século XX, através dos choques doloridos marcados por uma trajetória sem vencedores e sem heróis, neste cenário que se passa a trama, em 1962. Muito tempo depois do mergulho nazista do ensandecido Hitler que deixou consequências danosas pelo massacre irremediável, não só para os filhos das vítimas, como também ficaram marcas nos descendentes de colaboradores, simpatizantes e oficiais poloneses, bem como também na extinta Tchecoslováquia, por serem países que alicerçavam a temida Cortina de Ferro no leste europeu, sustentados cultural e religiosamente pela então enérgica União Soviética. Uma realidade de embates pós-guerra e com lembranças de um passado obscuro para a protagonista e seu impacto com o mundo exterior, através de revelações estranhas e inimagináveis que lhe afetariam sua conduta e a fariam estremecer com a história trágica contada pela tia, magistrada implacável com os rebeldes comunistas.

“Acho que uma das razões para gostarem de Ida é porque ele não lida com a História do jeito pomposo, às vezes até patético, que as escolas fazem. Há muitos filmes poloneses que tratam da História do país, mas geralmente eles são cheios de uma retórica que mostra os poloneses como vítimas e nada mais”, assevera Pawlikowski para o jornal O Globo, ao referir-se sobre seu país que passou por várias desgraças e recomeços difíceis para a nação. São fatos marcantes no drama o registro da invasão nazista durante a Segunda Guerra Mundial e o extermínio macabro de três milhões de judeus poloneses com a colaboração de antissemitas em detrimento do patriotismo, com fins escusos de trocar informações para ficar de posse de imóveis, como no caso dos pais da noviça. Também está bem retratado o longo período stalinista de perseguição aos comunistas no governo de Varsóvia, além da importância fundamental de reconstrução do país pela Igreja Católica.

Um drama fiel da cópia de um país falido e esmiuçado com sutileza pelo caminho de violência com rastros de mortes estúpidas daqueles tristes anos de outrora, num clímax equilibrado e coerente, através de uma história contada com uma suavidade contraditória, embora embrutecida por um panorama do horror do holocausto que deixou feridas abertas de difícil cicatrização, permeando a selvageria intercalada por momentos líricos doloridos, faz desta obra um manifesto contundente, sem se deixar cair no maniqueísmo ou na mesmice de chuveiros químicos esperando pessoas amontoadas dentro de trens rumo à morte.

Ida é um filme reflexivo pelas imagens com força de grande expressividade, suplantando os diálogos que se tornam meros auxiliares na fascinante fotografia em preto e branco que explora o contraste com tons acinzentados, assinadas por Ryszard Lenczewski e Lukasz Zal. Pelas lentes da dupla são mostrados rostos e olhares de perplexidades mesclados com surpresa e indignação sóbria das angustiantes memórias do passado, através de um formato quadrado que lembra as velhas televisões ou os filmes antigos nos cinemas até os anos de 1950, para uma defesa intransigente de uma verdade não tão absoluta passada pelas gerações, na qual as vítimas são todas aquelas que não participaram diretamente da barbárie e faz o espectador ter uma visão menos dualista, ao deixar fluir a equidistância da imparcialidade para elaborar uma posição mais crítica e menos escassa da realidade.

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