segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Whiplash- Em Busca da Perfeição


Perfeição Obsessiva

O jovem diretor Damien Chazelle, de 29 anos, demonstra grandes virtudes em seu longa de estreia Whiplash- Em Busca da Perfeição, na abordagem seca e profunda do duelo titânico na tela entre o mestre tirano com o aluno obstinado, sobrando emoção num clima dramático de alta voltagem. O resultado é magnífico neste filme elogiado pela crítica diante da intensidade dos personagens bem estruturados psicologicamente, por um enxuto roteiro e uma estupenda trilha musical. Indicado ao Oscar em várias categorias- inclusive de melhor filme-, já rendeu o prêmio do júri no Festival de Sundance de Cinema e recentemente o de melhor ator coadjuvante no Globo de Ouro para J. K. Simmons no soberbo papel do inesquecível professor enlouquecido pela técnica perfeita para descobrir novos talentos.

Chazelle tem em sua bagagem a responsabilidade dos roteiros dos longas Toque de Mestre (2013) e O Último Exorcismo, parte II (2013), além de Whiplash, recria com consistência a abundância dos abusos psicológicos, físicos e verbais vistos em Nascido para Matar (1987), de Stanley Kubrick, apontado por boa parte dos críticos, no qual um sargento treina de forma fanática e sádica os recrutas em uma base de treinamentos, na intenção de transformá-los em máquinas de guerra para combater na Guerra do Vietnã. Outro filme que traça bem a automutilação é Cisne Negro (2011), de Darren Aronofsky, sobre o destino de uma bailarina na busca obstinada pelo papel principal de rainha, cada vez mais vendo fantasmas escondidos em seu cérebro, mesclada com dores físicas dos pés e ponta dos dedos deteriorados pelos treinos exaustivos, numa clara alusão crítica aos desmandos cometidos nas academias de dança de balés.

A trama retrata um clima emocionalmente tenso e pesado dentro de um conservatório para alunos de música, no qual o jovem Andrew Neiman (Miles Teller) ambiciona galgar um posto de destaque na carreira de baterista profissional de jazz, mas encontra no encolerizado regente Terence Fletcher (Simmons), que tem um método selvagem de lidar com os alunos, dentro de um rigorismo excessivo em que age com assustadora violência física e psicológica, com tapas, bofetões e cadeiras voando, entendendo que assim criará gênios como Louis Armstrong e Charles "Bird" Parker. O filme é intenso e harmônico, duro e leve, de acordo com as cenas que vão se encaixando numa atmosfera de beligerância e suavidade, nos contrastes musicais que a história vai desenvolvendo. As dificuldades são maiores do que as imagináveis pelo determinismo de Neiman que chegam ao ápice, deixando os fantasmas interiores se debelarem pelo seu corpo, penetrando na alma e na rotina de sua vida, tornando-o uma pessoa forte que sai da mesmice e avança no conflito com o mundo exterior, pois o interior já está abalado inexoravelmente pelo suposto fracasso.

Os demônios de Fletcher afloram e explodem contra um mundo de obviedades, diante da possibilidade de desvalorização e a obsessão para a suposta consagração almejada para si e seu pupilo. Há o paralelo traçado para atingir um grau máximo de valorização pela descoberta que cismou ter como meta compatível com seu papel de descobridor, embora tresloucado e sem limites. Com o advento da externação dos sonhos do aluno, há o rompimento das amarras e tabus da convivência civilizada para o ingresso na quase barbárie pelos gestos e ações do mestre. O diretor carrega adequadamente no cenário de violência das automutilações, como dedos e rosto ensanguentados, porém se equivoca nas cenas do acidente de automóvel em que são desnecessárias pela exposição gratuita da correria pelas ruas, deixa transparecer uma certa banalidade que descontextualiza o bom roteiro elaborado, mas que não chega a invalidar a obra.

Whiplash- Em Busca da Perfeição tem na fascinante música a harmonia contrastando com desgaste do sonho dando lugar para as humilhações nos bastidores e todo o intrincado mundo do jazz e suas competições individuais pelo posto pretendido de baterista e se consagrar com o uso das baquetas na perfeita batida, com o ritmo alucinado oriundo de sangue e muito transpiração, além, é claro, da inspiração inerente do artista que nasce na onda inovadora jazzística dos anos 30 aos 70 como mola propulsora das bandas, sobrepondo-se aos demais instrumentos que antes eram os principais, mas que passaram ser auxiliares, como o cineasta registra com sutileza no desenrolar da trama.

O epílogo não chega a ser inusitado, mas cativa, embora haja algum indício do desfecho no seu desenrolar, tornando-se realidade o prólogo pela apresentação apoteótica. Impressiona e marca como um drama consistente ao escapar das armadilhas melodramáticas sem deixar descambar para a pieguice barata, através de um retrato fiel do embate pela pedagogia do insulto dos professores sargentões caracterizados pela brutalidade implacável, onde o máximo rigor é visto como qualidade para se alcançar tudo ou nada como alternativas radicais, num paradoxo bem demonstrado por este promissor diretor na essência deste filmaço através de seu equilíbrio cênico num clímax que mantém um ritmo crescente. Desde já se credencia a ser um dos 10 melhores de 2015.

Nenhum comentário: