Perfeição Obsessiva
O jovem diretor Damien Chazelle, de 29 anos, demonstra
grandes virtudes em seu longa de estreia Whiplash-
Em Busca da Perfeição, na abordagem seca e profunda do duelo titânico na
tela entre o mestre tirano com o aluno obstinado, sobrando emoção num clima dramático
de alta voltagem. O resultado é magnífico neste filme elogiado pela crítica diante
da intensidade dos personagens bem estruturados psicologicamente, por um enxuto
roteiro e uma estupenda trilha musical. Indicado ao Oscar em várias categorias-
inclusive de melhor filme-, já rendeu o prêmio do júri no Festival de Sundance
de Cinema e recentemente o de melhor ator coadjuvante no Globo de Ouro para J.
K. Simmons no soberbo papel do inesquecível professor enlouquecido pela técnica
perfeita para descobrir novos talentos.
Chazelle tem em sua bagagem a responsabilidade dos roteiros
dos longas Toque de Mestre (2013) e O Último Exorcismo, parte II (2013),
além de Whiplash, recria com
consistência a abundância dos abusos psicológicos, físicos e verbais vistos em Nascido para Matar (1987), de Stanley
Kubrick, apontado por boa parte dos críticos, no qual um sargento treina de
forma fanática e sádica os recrutas em uma base de treinamentos, na intenção de
transformá-los em máquinas de guerra para combater na Guerra do Vietnã. Outro
filme que traça bem a automutilação é Cisne
Negro (2011), de Darren Aronofsky, sobre o destino de uma
bailarina na busca obstinada pelo papel principal de rainha, cada vez mais
vendo fantasmas escondidos em seu cérebro, mesclada com dores físicas dos pés e
ponta dos dedos deteriorados pelos treinos exaustivos, numa clara alusão
crítica aos desmandos cometidos nas academias de dança de balés.
A trama retrata um clima emocionalmente tenso e pesado
dentro de um conservatório para alunos de música, no qual o jovem Andrew Neiman
(Miles Teller) ambiciona galgar um posto de destaque na carreira de baterista
profissional de jazz, mas encontra no encolerizado regente Terence Fletcher
(Simmons), que tem um método selvagem de lidar com os alunos, dentro de um
rigorismo excessivo em que age com assustadora violência física e psicológica, com
tapas, bofetões e cadeiras voando, entendendo que assim criará gênios como
Louis Armstrong e Charles "Bird" Parker. O filme é intenso e
harmônico, duro e leve, de acordo com as cenas que vão se encaixando numa
atmosfera de beligerância e suavidade, nos contrastes musicais que a história vai
desenvolvendo. As dificuldades são maiores do que as imagináveis pelo determinismo
de Neiman que chegam ao ápice, deixando os fantasmas interiores se debelarem
pelo seu corpo, penetrando na alma e na rotina de sua vida, tornando-o uma
pessoa forte que sai da mesmice e avança no conflito com o mundo exterior, pois
o interior já está abalado inexoravelmente pelo suposto fracasso.
Os demônios de Fletcher afloram e explodem contra um mundo
de obviedades, diante da possibilidade de desvalorização e a obsessão para a
suposta consagração almejada para si e seu pupilo. Há o paralelo traçado para atingir
um grau máximo de valorização pela descoberta que cismou ter como meta compatível
com seu papel de descobridor, embora tresloucado e sem limites. Com o advento
da externação dos sonhos do aluno, há o rompimento das amarras e tabus da convivência
civilizada para o ingresso na quase barbárie pelos gestos e ações do mestre. O
diretor carrega adequadamente no cenário de violência das automutilações, como
dedos e rosto ensanguentados, porém se equivoca nas cenas do acidente de
automóvel em que são desnecessárias pela exposição gratuita da correria pelas
ruas, deixa transparecer uma certa banalidade que descontextualiza o bom
roteiro elaborado, mas que não chega a invalidar a obra.
Whiplash- Em Busca da
Perfeição tem na fascinante música a harmonia contrastando com desgaste do
sonho dando lugar para as humilhações nos bastidores e todo o intrincado mundo
do jazz e suas competições individuais pelo posto pretendido de baterista e se
consagrar com o uso das baquetas na perfeita batida, com o ritmo alucinado
oriundo de sangue e muito transpiração, além, é claro, da inspiração inerente
do artista que nasce na onda inovadora jazzística dos anos 30 aos 70 como mola
propulsora das bandas, sobrepondo-se aos demais instrumentos que antes eram os
principais, mas que passaram ser auxiliares, como o cineasta registra com
sutileza no desenrolar da trama.
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