Musical Antigo
A adaptação do musical da Broadway escrita em 1980 por Alain
Boubril e Claude-Michel Schönberg, traduzida para 22 idiomas, encenada em 42
países e visto por mais de 60 milhões de pessoas, foi baseada no clássico Os Miseráveis, obra publicada em 1862,
pelo célebre escritor Victor Hugo. É ambientada em Paris, no ano de 1832, na
fase pós-Revolução Francesa, em pleno século XIX e tem na direção Tom Hooper, o
mesmo do burocrático, embora vencedor do Oscar daquele ano, O Discurso do Rei (2010). Simon Hayes é
o responsável pela mixagem de sons diretos dos microfones dos atores em cena,
descartando a gravação em estúdios, com um resultado pífio, diante da má
qualidade da maioria dos atores cantando suas canções escolhidas no roteiro.
A trama está centrada na história de Jean Valjean (Hugh
Jackman) que rouba um único pão para matar a fome da irmã caçula e é preso pelo
insignificante delito. Consegue se libertar após alguns anos na cadeia, diante
do ato de heroísmo de levantar a bandeira da França pregada num poste caído.
Vai em busca da reconstrução de uma nova vida e tenta escapar do implacável
inspetor Javert (Russel Crowe). Um filme que mostra-se previsível já na cena
inicial da perseguição pelo homem da lei contra o fugitivo. Ao encontrar o
abismo como saída, o final trágico do inspetor está traçado, diante da sua
intolerância e sem uma mínima compreensão na busca da vingança a qualquer
preço.
Quanto ao som direto, salva-se Anne Hathaway no papel de
Fantine que consagra definitivamente as canções On My Own e I Dream a Dream, pela
sua bela voz numa perfeita dicção; bem como Jackman pelos seus recursos vocais
em carreira extensa no teatro musical nos EUA, Austrália e Reino Unido; outra
surpresa positiva é a atriz novata Samantha Barks na pele da tristonha e
desprezada Éponine. Já os demais intérpretes afundaram rotundamente, inclusive
Amanda Seyfried como a personagem Cosette, filha de Fantine na fase adulta- na
infância atuou Isabelle Allan-; nem Crowe se safa e suas tentativas de cantar direto
são frustrantes; ou ainda o jovem revolucionário Marius (Eddie Redmayne), com
risível desempenho, em nada convence. Para completar os destoantes há o casal
de trapaceiros vividos por Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen que mais
irritam do que agradam com um tedioso teatro de revista.
O melomusical que concorreu a oito Oscar e levou apenas como
atriz coadjuvante para Hathaway, bem merecido apesar do pequeno papel; na
maquiagem esteve correta a premiação, porém na mixagem de som, só ganhou pela
ousadia, pois o resultado foi desastroso. Um filme frustrante que decepciona
pela falta de qualidade no enredo, jogando fora um tema que poderia ser melhor
aproveitado se tivesse um roteiro elaborado com acuidade e se houvesse uma
montagem mais enxuta, pois as 2h40min são exaustivas, tornando-se
desnecessárias ao espectador mais atilado uma trama tão enfadonha. Ao abrir mão
dos diálogos tradicionais numa audácia que praticamente lhe custa um resultado mais
satisfatório, Hooper busca nas imagens e nas canções emotivas uma fórmula para
conquistar um público menos exigente e que se deixa levar por cenas de
pieguismos, como o descartável encontro no paraíso ou no inferno- não fica bem
claro- da continuação da revolução Francesa, com frases de heroísmo nacional exacerbado
de apoteose; ou ainda na agonia de Éponine sob a chuva caindo nela e no amado
que a socorre; sem esquecer o garotinho fuzilado à queima-roupa pelos maus
soldados governistas.
Um musical pode ter dramaticidade para fisgar o espectador,
desde que não seja apelativo por uma emocionalidade desproporcional e risível
de interpretações calamitosas, como de Crowe, que não é um mau ator. Porém, se
a proposta era uma reflexão sobre ética dentro de um ensaio de ficção, na
abordagem do ex-presidiário solto após 19 anos recluso, por ter furtado um
mísero pãozinho, o tiro saiu pela culatra e o cineasta perde-se totalmente no
foco da questão. Ora ia para um meloso e antigo musical americano dos anos 40,
50 e 60; ora ia para a batalha sangrenta na França, deixando Fantine voltar só
no epílogo, numa aparição equivocada e politicamente correta. Os Miseráveis está
longe de ser um musical compromissado com uma reflexão mais elaborada, embora o
diretor dê vazão ao deixar a música solta e sem concessões, num estilo quase
que irresponsável, onde soçobra um tema profundo de um dos maiores clássicos de
todos os tempos, para dar guarida a desempenhos malogrados de um equivocado
musical que não empolga e beira ao inexpressivo.
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