quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis














Musical Antigo

A adaptação do musical da Broadway escrita em 1980 por Alain Boubril e Claude-Michel Schönberg, traduzida para 22 idiomas, encenada em 42 países e visto por mais de 60 milhões de pessoas, foi baseada no clássico Os Miseráveis, obra publicada em 1862, pelo célebre escritor Victor Hugo. É ambientada em Paris, no ano de 1832, na fase pós-Revolução Francesa, em pleno século XIX e tem na direção Tom Hooper, o mesmo do burocrático, embora vencedor do Oscar daquele ano, O Discurso do Rei (2010). Simon Hayes é o responsável pela mixagem de sons diretos dos microfones dos atores em cena, descartando a gravação em estúdios, com um resultado pífio, diante da má qualidade da maioria dos atores cantando suas canções escolhidas no roteiro.

A trama está centrada na história de Jean Valjean (Hugh Jackman) que rouba um único pão para matar a fome da irmã caçula e é preso pelo insignificante delito. Consegue se libertar após alguns anos na cadeia, diante do ato de heroísmo de levantar a bandeira da França pregada num poste caído. Vai em busca da reconstrução de uma nova vida e tenta escapar do implacável inspetor Javert (Russel Crowe). Um filme que mostra-se previsível já na cena inicial da perseguição pelo homem da lei contra o fugitivo. Ao encontrar o abismo como saída, o final trágico do inspetor está traçado, diante da sua intolerância e sem uma mínima compreensão na busca da vingança a qualquer preço.

Quanto ao som direto, salva-se Anne Hathaway no papel de Fantine que consagra definitivamente as canções On My Own e I Dream a Dream, pela sua bela voz numa perfeita dicção; bem como Jackman pelos seus recursos vocais em carreira extensa no teatro musical nos EUA, Austrália e Reino Unido; outra surpresa positiva é a atriz novata Samantha Barks na pele da tristonha e desprezada Éponine. Já os demais intérpretes afundaram rotundamente, inclusive Amanda Seyfried como a personagem Cosette, filha de Fantine na fase adulta- na infância atuou Isabelle Allan-; nem Crowe se safa e suas tentativas de cantar direto são frustrantes; ou ainda o jovem revolucionário Marius (Eddie Redmayne), com risível desempenho, em nada convence. Para completar os destoantes há o casal de trapaceiros vividos por Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen que mais irritam do que agradam com um tedioso teatro de revista.

O melomusical que concorreu a oito Oscar e levou apenas como atriz coadjuvante para Hathaway, bem merecido apesar do pequeno papel; na maquiagem esteve correta a premiação, porém na mixagem de som, só ganhou pela ousadia, pois o resultado foi desastroso. Um filme frustrante que decepciona pela falta de qualidade no enredo, jogando fora um tema que poderia ser melhor aproveitado se tivesse um roteiro elaborado com acuidade e se houvesse uma montagem mais enxuta, pois as 2h40min são exaustivas, tornando-se desnecessárias ao espectador mais atilado uma trama tão enfadonha. Ao abrir mão dos diálogos tradicionais numa audácia que praticamente lhe custa um resultado mais satisfatório, Hooper busca nas imagens e nas canções emotivas uma fórmula para conquistar um público menos exigente e que se deixa levar por cenas de pieguismos, como o descartável encontro no paraíso ou no inferno- não fica bem claro- da continuação da revolução Francesa, com frases de heroísmo nacional exacerbado de apoteose; ou ainda na agonia de Éponine sob a chuva caindo nela e no amado que a socorre; sem esquecer o garotinho fuzilado à queima-roupa pelos maus soldados governistas.

Um musical pode ter dramaticidade para fisgar o espectador, desde que não seja apelativo por uma emocionalidade desproporcional e risível de interpretações calamitosas, como de Crowe, que não é um mau ator. Porém, se a proposta era uma reflexão sobre ética dentro de um ensaio de ficção, na abordagem do ex-presidiário solto após 19 anos recluso, por ter furtado um mísero pãozinho, o tiro saiu pela culatra e o cineasta perde-se totalmente no foco da questão. Ora ia para um meloso e antigo musical americano dos anos 40, 50 e 60; ora ia para a batalha sangrenta na França, deixando Fantine voltar só no epílogo, numa aparição equivocada e politicamente correta. Os Miseráveis está longe de ser um musical compromissado com uma reflexão mais elaborada, embora o diretor dê vazão ao deixar a música solta e sem concessões, num estilo quase que irresponsável, onde soçobra um tema profundo de um dos maiores clássicos de todos os tempos, para dar guarida a desempenhos malogrados de um equivocado musical que não empolga e beira ao inexpressivo.

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