Poesia com Persistência
O longa-metragem As
Sessões é um instigante drama com um bom humor refinado, que conta a
história real da vida do escritor e poeta americano Mark O’Brien (1949-1999),
interpretado pelo inspirado ator John Haukes, de atuação soberba e irretocável
nos mínimos detalhes das minúcias e trejeitos da expressão física deformada de
um protótipo aleijado; é o mesmo caipira assustador que atuou no filme Inverno da Alma (2010), de Debra Granik,
indicado ao Oscar há dois anos. O diretor polonês Ben Lewin também foi vítima da mesma
enfermidade quando criança, que lhe deixou sequelas e o faz andar de muletas,
razão pela qual conhece bem a situação abordada.
O filme retrata a iniciação sexual do escritor, tendo em
vista que na infância foi afetado pela poliomielite aos seis anos, que lhe
retirou seus movimentos, exceto a cabeça que conseguiu girar, deixando-o
paraplégico com uma vida quase vegetativa, pois está sempre deitado e respira
através de um pulmão de aço ligado nas máquinas que o auxiliam no seu dia a
dia. Faz frequentes visitas à igreja e tem no padre (William H. Macy) o seu
confidente e conselheiro, assegurando-lhe que a iniciativa de buscar o sexo sem
amor não é pecado, indicando-lhe uma terapeuta (Helen Hunt- mesmo discreta no
papel, foi indicada ao Oscar como melhor atriz coadjuvante) para superar suas
dificuldades físicas e as fragilidades inerentes de um homem, por sofrer de
timidez e os temores são muitos, mas a persistência é seu lema para alcançar o
objetivo maior que é a busca da forma do aprendizado para a sexualidade.
Um drama sobre uma deficiência física irreversível de um
homem que quer relacionar-se sexualmente com uma mulher. Há na direção
competente uma condução com suavidade e ternura na trajetória do personagem,
como se fosse um percurso realizado por um determinado corpo no espaço, com
base em um sistema coordenado e pré-definido, onde o vínculo afetivo entre a
profissional e o paciente parece ser inevitável na abordagem, mas os parâmetros
ficam evidenciados e pré-estabelecidos entre ambos para ser cumprido à risca,
sob pena do resultado ser prejudicado e fracassar.
As Sessões é
baseado no conto do escritor sobre a sexualidade efetiva em pessoas deficientes
físicas. O tema é serio e o cineasta ao optar pelo tom cômico não esvazia a
complexidade dramática da trama, muito pelo contrário, prende ainda mais o
espectador. Há alguma similitude com o longa Intocáveis (2011), de Eric Toledano e Olivier Nakache, onde havia
uma inesperada amizade entre um tetraplégico e um ex-assaltante de uma
joalheria, que buscava seu reingresso social; porém sem a sisudez e o
desconforto do relato de O Escafandro e a
Borboleta (2007), de Julian Schnabel, que abordava um homem apaixonado pela vida,
mas subitamente tem um derrame cerebral, acorda e se depara com uma rara
paralisia. E o único movimento que lhe resta no corpo é o do olho esquerdo,
comunica-se piscando letras do alfabeto e cria um mundo próprio, contando com
aquilo que não paralisou: a imaginação e a memória; ou ainda do bizarro e inverossímil
drama japonês Carterpillar (2010), de
Koji Wakamatsu, numa reflexão sobre os efeitos nefastos e devastadores da sobra mutilada de um ser humano, resultantes da dor e da
demagogia da guerra, decorrendo ódio e irresignação daquela que tem que lhe
servir sexualmente, lavar e fazer sua higiene pessoal, dar comida e bebida
compulsivamente.
A película é uma notável artimanha para mostrar que um
deficiente paralítico pode sim ter vida normal e se satisfazer sexualmente com sua
parceira, embora haja dificuldades e grandes percalços no caminho árduo, Lewin
dá um tom emocional contido e sem pieguismo, com extrema sensibilidade na
erotização de seu personagem. É difícil não torcer por O’Brien que busca na
poesia e na sedução a fórmula adequada para obter o objetivo maior que é perder
a virgindade e ser um homem realizado.
Embora simples na sua estética, deixando as metáforas
afastadas do enredo, vai direto ao ponto pela ótica da comicidade, tendo como
ingredientes essenciais: a poesia, o sexo, a vida e a morte do
protagonista, resumida na comovente homenagem realizada na missa pelo padre, um
mero interlocutor das palavras do escritor para as mulheres que o entenderam de
alguma forma e o fizeram uma pessoa morrer quase que totalmente feliz. Há evidências
de desprendimentos e a refutação de quaisquer tipos de ressentimentos, com
notáveis cenas emotivas flutuando entre os espectadores, pelo olhar atento
deste veterano cineasta que flerta com a sensibilidade e a compaixão, através
de uma luz lançada na humanidade pelos méritos inegáveis ao abordar uma relação
solidária de duas pessoas, além da gratidão e superação, nesta obra magnífica que
se afasta do politicamente correto para buscar a alegria de viver.
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