terça-feira, 3 de abril de 2012

Heleno



















Ocaso de uma Estrela

O diretor José Henrique Fonseca, filho do escritor Rubem Fonseca, estreou em longa-metragem com O Homem do Ano (2003), participando do Festival de Berlim de 2003, recebeu o prêmio de melhor primeiro filme no Festival de São Francisco de 2003. Agora se consagra de forma definitiva ao atingir o ápice com esta cinebiografia realizada sobre o primeiro jogador-problema no futebol brasileiro Heleno de Freitas (1920-1959), que jogou e foi ídolo do Botafogo em quase toda sua trajetória, sem nunca ter obtido um título. Teve uma meteórica passagem pelo Boca Juniores da Argentina, sendo o primeiro atleta brasileiro a ser vendido para o Exterior. Nem chegou a esquentar o lugar no Vasco da Gama, embora fosse campeão, ainda assim foi mandado embora, finalizando sua carreira em 1948, de forma melancólica no América do Rio. Não foi convocado para a Copa do Mundo de 1950, no Brasil, pela iminente decadência; em 1946 teve muito azar com o cancelamento da Copa, em virtude da II Guerra Mundial. Fez 209 gols em 235 partidas.

O longa Heleno frustrará quem for buscar emoções e alegrias no futebol, mas brindará um público maior, aquele for assistir os prazeres e aa dores da ascensão e queda vertiginosa do craque polêmico e colérico. Mostra o perfil de um jogador arrogante, terror dos adversários e dos colegas pela falta de humildade e espírito coletivo. A cena em que ele dá a preleção antes da final do Campeonato Carioca é emblemática e reflete o deslumbramento pela fama, com palavras de desconforto para seus pares e seu egocentrismo aflora.

Os jornais da época, entre 1940 e 1950, logo o classificara de integrante do “Clube dos Cafajestes”, pois vivia dividido entre a esposa (Alinne Moraes) e a amante (Angie Cepeda) e batia nas companheiras. Levava uma vida de galã entre as mulheres pela sua compleição física avantajada, rosto bonito, era comparado com o bailarino Nijinsky pela sua elegância dentro de campo e fora das quatro linhas lembrava Rodolfo Valentino pelo charme irresistível. Chamado pela torcida do Fluminense de Gilda, personagem de Rita Haiworth, pelo temperamento intempestivo e a vaidade exacerbada. Bebia muito, fumava de maneira inveterada, adorava carros importados, usava ternos de tecido inglês feitos por alfaiate e era viciado em éter. Arrumava confusão com todo mundo, demonstrando ser uma pessoa temperamental com um acentuado desvio de conduta, mas contraditoriamente apreciava ópera e vibrava com os filmes de John Wayne.

O filme mostra em flashbacks os momentos bons e fulgurantes da carreira do craque, contado na primeira pessoa, pois Heleno de Freitas está louco no hospício consumido por sífilis, que o fez morrer abraçado com uma bola num canto do sanatório, segundo a lenda daquele que foi para muitos o “príncipe” do futebol brasileiro da era de ouro do Rio, que morreu aos 39 anos, mas com elipse proposital do diretor não é mostrada, nesta obra filmada num adequado preto e branco, embalado por uma trilha sonora harmônica, num roteiro enxuto e bem ajustada com o desenrolar da trama.

A narrativa tem a sensibilidade de mostrar os impulsos de uma grande estrela problemática, superando em muito atletas de pavio curto como Edmundo, Adriano e outros. Refutava peremptoriamente submeter-se a preparação física, treinos e concentração, odiando a mediocridade e tornando-se grosseiro neste aspecto, mas Fonseca aborda com elegância e bom humor os desatinos tresloucados, desfilando as derrotas acumuladas pelo despreparo emocional e psicológico, bem como a ausência do afeto e da estrutura familiar, embora fosse oriundo de uma classe mineira bem aquinhoada, pois chegou a se formar como advogado no Rio de Janeiro, num desejo da mãe. Seu irmão era o mais próximo a lhe dar apoio e a figura paterna nunca se fez presente num núcleo restrito de parentes distantes neste microcosmo.

O ator Rodrigo Santoro é um capítulo à parte, emagreceu 12 kgs para encarnar Heleno, fez aulas de futebol com o ex-jogador Cláudio Adão e de dança com Marcelo Misailidis, obtendo um resultado singular, possivelmente a maior atuação de sua carreira como ator, superando o jovem drogado de Bicho de Sete Cabeças (2001), arrasando no personagem charmoso que dizia aos seus companheiros para entrar em campo “com os olhos em brasa, a cabeça fervendo e a faca entre os dentes” e ainda de preferência “ouvir antes uma ópera” sustentava eufórico.

Eis um filme magnífico que mostra visceralmente o amor dos cariocas pelo futebol numa era pré- Bossa Nova e com todos os encantos do majestoso estádio do Maracanã inaugurado para a Copa de 50, sendo refletidos nos diálogos. O cineasta aborda e aprofunda o glamour do futebol contrastado pelos fracassos e sonhos desfeitos, diante das dificuldades e fraquezas do ser humano superável, mas que se imagina invencível, como temas universais e sem maniqueísmos nesta cinebiografia fabulosa de um mito esquecido pelo tempo e pelas gerações derrotadas.