segunda-feira, 2 de maio de 2011
Poesia
Essência da Vida
Vem da Coreia do Sul este magnífico longa-metragem Poesia, um drama intimista com a ótima direção de Lee Chang-dong, onde a avó Mija (Jeong-Hie Yun- de atuação irrepreensível) vive às margens do rio Han, o segundo maior daquele país, com seu neto, um jovem adolescente problemático e abandonado pela mãe, filha de Mija. A senhora tem vários dilemas em sua vida, como ter que criar um garoto com enormes problemas de conduta e vida social, sem perspectiva de vida, vai mal no colégio, tem situações de rebeldia e ainda se envolve num estupro com seus amigos, decorrendo na morte precoce da menina que acaba por se suicidar.
Além dos problemas inerentes com a ocorrência policial e as investigações no inquérito, a mãe da garota chantageia os pais dos infratores em uma quantia vultosa para silenciar, vive em um local pobre na zona rural, aproveita-se do fato inusitado para tirar alguma vantagem financeira, deixando tomar corpo e forma o fato. Mas Mija se enche de coragem e começa a frequentar umas aulas de poesia, por indicação de alguns vizinhos. É desafiada por seu professor para escrever um bonito poema, sua vida toma um sentido diferente e já convalescente do Mal de Alzheimer, parece que tudo fica mais difícil e as contrariedades e controversas vão se acumulando no dia a dia.
Porém a dor de viver é anestesiada pelas palavras poéticas que ouve e escreve, como se fosse uma simbologia da luta e do seu amor pelas coisas lindas da vida, embora os percalços e as humilhações tenham que ser derrubados, como da relação carnal com seu patrão para obter dinheiro, numa clara e nítida repugnância pelo poder, tal qual visto no filme inédito comercialmente, que passou na última Mostra de Cinema de São Paulo, o bizarro Caterpillar (2010- lagarta), do diretor japonês Koji Wakamatsu, com seu inventário macabro e horrendo da sobra mutilada de um ser humano, com seus efeitos nefastos e devastadores, resultantes de uma reflexão pontual, faz com que as cenas que desfilam tenham o caráter da indignidade daquela criatura em forma de miniatura que sobrou da guerra.
Mas a persistência e a luta pela salvação do neto como ser humano lembra e nos remete para Mother- A Busca pela Verdade (2009), do diretor coreano Bong Joon-ho, de influência hitchcockiana com qualidade invulgar, ao aproximar o realismo do fantástico e desqualificar o possível culpado, buscando no jogo de valores sua visão crítica, como na cena inicial que mostra a mãe caminhando dentro de um campo de trigo e em seguida dança uma música, fazendo gestos tresloucados e enigmáticos, que terá a extensão no epílogo, poderá então o espectador fazer suas observações e conclusões desta senhora de cabelos grisalhos que busca freneticamente provar a inocência do filho deficiente mental, mas chamado com prazer pela comunidade de retardado.
Chang-dong não esconde sua inspiração do conterrâneo Bong Joon-ho, como também segue uma temática de reflexão da vida, sem apontar diretamente culpados que aparecem instintivamente nos dilemas diários, sem abrir mão da poesia e da beleza espontânea do cotidiano que a vida insiste na mostragem, apoiando-se na figura materna forte de Mija que começa a esquecer as referências familiares metaforicamente pelo esquecimento das palavras, assolada pela doença que começa a corroer-lhe, assim como o dilaceramento da célula da família já antes em ruína com a fuga da mãe e o retorno inesperado para saber notícias do filho adolescente problemático e encrencado com a justiça, mesmo naquela rua em que ele joga “frescobol” com a avó, num aparente clima calmo e silencioso, há a espreitar a dureza e o acerto de contas final, naquele gesto do policial ao abraçar-lhe quase que afetivamente.
Um filme digno e humano pela sua beleza contrastando com a dor arrebatadora da avó e a tragédia da menina violentada boiando no rio, com os fatos se intercalando no final. A busca da fotografia na igreja e a interferência direta no cotidiano dela e do neto, fazem desta forma que fique e faça parte de suas vidas na modesta residência que habitam, num choque de fraternidade e sacudida no adolescente, mas nunca sem deixar de buscar a essência de viver, tornam este longa com suas elipses adequadas num magistral depoimento de lucidez.
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