sexta-feira, 20 de maio de 2011

Feliz Que Minha Mãe Esteja Viva



















Maternidade Irresponsável

Com uma direção a quatro mãos de Claude Miller e Nathan Miller, tendo como roteirista Alain Le Henry, o longa-metragem Feliz que Minha Mãe Esteja Viva é uma boa e agradável surpresa neste 2011. Um filme quase maldito, após o produtor Jean-Louis Livi ter encaminhado para Jacques Audiard- antes de dirigir O Profeta- para fazer a adaptação em 1996, de um artigo de Emmanuel Carrère, mas que houve a desistência posterior, bem como também desistiu o autor do artigo meses depois de trabalhar no projeto.

O drama francês familiar centra-se na busca de Thomas (Vincent Rottiers, na fase adulta), filho adotivo do casal Annie e Yves (Christine Citti e Yves Verhoeven), por sua mãe biológica Julie (Sophie Cattani- em desempenho notável pelo convencimento do papel de mãe desnaturada e inumana). Aos quatro anos, o garoto interpretado por Gabin Lefebvre, é abandonado de maneira irresponsável junto com seu irmão, então ainda bebezinho.

Thomas nutre um ódio assustador e uma sensação melancólica de uma incontida raiva e revolta, que se materializa explicitamente ao completar 12 anos, persistindo até sua condição de vida adulta. A trama é elaborada em doses homeopáticas e é contada em três fases, mostrando os diversos momentos da construção psicológica daquele homem teoricamente insensato, mas que saiu de uma dolorosa infância, entrando numa pré-adolescência e dando de cara com a dura realidade do mundo adulto, buscando trabalho como mecânico numa oficina de carros, tornando-o um ser irracional em determinadas atitudes. O mote da busca da mãe biológica pelo filho adotivo, como lema principal de sua trajetória de vida, tentando a qualquer preço encontrar suas origens, sem ter bem ao certo se quer sua presença para perdoá-la e no amor esquecer seus rancores convulsivos nutridos durante toda sua existência, ou se é apenas para matá-la, como se fosse um psicopata.

Ao se aproximar da mãe e tentar conquistar seu amor frio e distante por vezes, como se não fosse uma pessoa de carne e osso, sente uma sensação de vazio, mas que aos poucos parece vai sendo superado, com um vínculo tênue, longe do amor maternal, mas que tem repercussão imediata nos pais adotivos, com uma discussão na justiça e o pai tendo sérios problemas de saúde. Feliz Que Minha Mãe Esteja Viva chega a insinuar situações edipianas, mas com o desfecho inusitado e trágico, é solenemente afastado pelos diretores na cena final em que Thomas pronuncia a frase que dá título ao filme, diante da presença arrasada da mãe biológica e da perplexidade da mãe adotiva, naquele julgamento em que Julie perdoa o filho pela loucura cometida, sem deixar de se culpar naquela intrincada e não menos delicada relação de mãe e filho.

O filme não tem por finalidade aparar arestas e sequer apontar culpados, embora as constantes gravidezes de Julie sejam contestadas pelo seu filho e questionadas ao extremo, ao reencontrá-la já com um novo irmãozinho de outro pai. Busca preencher o vazio deixado pelo abandono de anos, indo morar na casa da mãe gélida. Assume a figura paterna do garotinho, levando brinquedos e se esforçando ao máximo para que este não passe pelo que já passou. Confronta-se com o pai do seu novo irmão e cobra os horários preestabelecidos. Mãe e filho têm uma relação nada convencional, deixando os cineastas margens para sugestões e ilações como de Édipo com Jocasta na tragédia de Sófocles.

As sinalizações para um relacionamento edipiano se mostram já no início da película, quando Julie troca de roupa no quarto de um JK em que, sendo observada atentamente pelo filho, na época com 4 anos. Os movimentos lentos da câmera pelo corpo e seus membros superiores e inferiores com toques de languidez preparam e conduzem os espectadores suavemente para situações incestuosas no drama. Um outro filme que tem muito no relacionamento entre pais e filhos é Não, Minha Filha, Você Não Irá Dançar (2009), de Christophe Honoré, que se debruça e aborda com sensibilidade as lacunas e os conflitos familiares, os prazeres da vida e os seus incômodos restritos as suas peripécias e andanças multifacetadas, tendo na mãe a figura da falsa moralista e conservadora, embora com um passado nada recomendável para tanta tirania e proselitismo.

Este é um longa onde há a presença forte e constante de uma relação delicada e controvertida, que desconcerta por vez os menos desavisados, como visto recentemente em Eu Matei Minha Mãe (2009), de Xavier Dolan, onde nas cenas finais são reveladoras e perturbadoras, diante da expectativa não frustrada de um epílogo contundente e soberbo, como daquele jovem que se mostra forte e determinado, não passa de um ser frágil, carente e dependente do carinho materno especialmente, que tanto clamou e suplicou.

Enquanto Dolan usava a temática homossexual para apresentar suas reivindicações e mostrar seu amor e as relações edipianas, mexendo com dogmas e preconceitos nas turvas relações familiares; Christophe Honoré aborda o vazio e o microcosmo familiar com suas lacunas num falso moralismo existente numa sociedade conservadora na figura materna; Claude Miller e Nathan Miller usam o artifício da adoção e da maternidade sem controle e irresponsável, num filme que soa quase como um poema indigesto e dolorido, mas eficaz no seu contexto e na sua proposta que abrange com sensibilidade uma relação não convencional e permeada pela brutalidade com um amor distante, oriundos de vínculos corroídos pelo tempo.

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