quarta-feira, 2 de março de 2011
O Discurso do Rei
Superação e Autoajuda
Colin Firth praticamente carrega o filme sozinho nas costas, no papel do Rei George VI, casado com Elizabeth (Helena Bonham Carter), que viria a ser a futura Rainha Mãe, sucedendo Elizabeth II; tão logo herdou o trono de seu irmão Eduardo VIII, antes era o Duque de York, que abdicou da coroa passada pela morte do pai George V, diante do escândalo para época, por ter casado com uma plebeia, numa Inglaterra extremamente conservadora e preconceituosa.
Sua mulher indica-lhe um terapeuta autodidata da fala, nada ortodoxo, leitor de Freud e admirador de Shakespeare, Lionel Logue (Geoffrey Rush) que passa a dar aulas como se fosse um professor particular e fazem uma grande amizade, diante da gagueira constrangedora do Rei, que tem que decidir os destinos do país à beira de uma guerra mundial. Há a ajuda fraterna da família do terapeuta, da esposa e as duas filhas, bem como a assessoria direta de Churchill. Mas o relacionamento do Rei com o seu professor não chega a empolgar, como também fica a desejar o Império Britânico ouvindo pelo gramofone e suas 78 rotações algumas marchas escabrosas.
Todo este esforço descomunal é para que seja proferido o discurso mais importante naquele momento pelo rádio, visando dar uma confiança exacerbada ao povo inglês e uni-los contra a temível Alemanha nazista de Adolf Hitler. O mote da gagueira e os artifícios de superação não salvam o filme de ser insosso e artificial, no estilo manjado dos longas britânicos de reis e rainhas com as trocas de coroas, numa luta tenaz para se livrar de um trauma de infância. Ou seria transmissão hereditária?
O longa não chega a abordar com profundidade sobre a nobreza tentando se livrar do estigma da falibilidade e de suas deficiências como pessoas de carne e osso. Sequer aborda os preconceitos da Corte ou seu conservadorismo e as diferenças que existem com os plebeus ou pessoas normais, que também são gagas e mortais. O Discurso do Rei é um filme talhado e produzido para ganhar as estatuetas do Oscar, com temas como a superação extrema, com um viés embutido de autoajuda, na melhor maneira de agradar os acadêmicos que adoram uma monarquia. E convenceu mesmo, pois obteve quatro prêmios (melhor filme, diretor, ator e roteiro original). Mostra a vitória e o sucesso, apesar de tudo e de todas as dificuldades encontradas pelo caminho, como os empecilhos surgidos na trajetória complicada do Rei Gorge VI, mesmo que para isso tenha que obter seu lugar sem muitos escrúpulos ou ética familiar. Mas nem tudo é ruim no filme, pois há uma trilha sonora ao som de Beethovem e suas sinfonias completas, como as citações procedentes a Shakespeare.
As cenas de gargarejos e técnicas ensinadas com galhardia pelo terapeuta ao Rei soam falsas e descabidas. Parece tudo ser fruto de um milagre para curar a gagueira ou atenuá-la e assim vai andando o filme, tentando impor à plateia que o Rei e a futura Rainha estão constrangidos e desolados perante o povo, decorrente do problema vocal de uma fala entremeada pelo sintoma da gagueira. Mas não é o fim do mundo. O diretor Tom Hooper é um londrino sem muita expressão no cinema, porém é mais conhecido por seus trabalhos na TV. Cultua obviedades, sem nenhum aprofundamento maior ou alguma preocupação com uma abordagem no reino ou sobre o cotidiano do palácio. Fica o esforço de um homem, sua cautelosa mulher e as duas atentas filhas, todos engajados num grande esforço para recuperar o Rei. Quanto à futura Rainha, esta passa discretamente pelo filme, quase que despercebida, sem nenhum glamour ou posições definidas, em aparições opacas e nebulosas.
A aproximação do governo da Inglaterra com os EUA é notória, levando para escaramuças de aversão à Alemanha de Hitler na 2ª. Guerra Mundial. Não passam de fatos pincelados superficialmente, sem uma crítica contundente ou uma posição mais clara de repulsa ao poder ou a quem quer impô-lo, pois seria mais sério e comprometido com a verdade. O final é mais do que previsível, sem surpresas ou sobressaltos, com uma condução linear e simples, o longa-metragem vai se esboroando e se arrastando até o aguardado discurso final e redentor dos espectadores, sem antes ter o abano ao povo que o esperava no lado de fora, atônito e surpreso.
Depois de arrastar-se e chegar ao fim, tem-se a sensação de alívio e frescor nos letreiros que serpenteiam a tela, tendo a película cumprido seu papel de autoajuda pela superação, diante de uma orientação rasa e com imensas dificuldades de um roteiro pueril e frágil, tal qual a direção frouxa neste filme insosso e comum.
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