terça-feira, 22 de março de 2011

Um Lugar Qualquer


















Vida Vazia

Com Um Lugar Qualquer, Sofia Coppola realiza um ensaio instigante sobre a solidão e solidifica-se como uma cineasta voltada para as coisas simples do cotidiano no aspecto genérico, mas ao mesmo tempo tão complexas no abismo que é o sentimento humano e a vida sem sentido. Arrebatou o Leão de Ouro em Veneza justamente por este longa. Sem esquecer a trilha sonora esplêndida, assinada pela Banda Phoenix, que também merecia uma premiação.

Assim foi no extraordinário Encontros e Desencontros (2003), com o frenesi das luzes de Tóquio fustigando aquele casal perdido numa imensa selva de pedra, com a iluminação colorida servindo como um cenário estonteante pelos contrastes de beleza e angústia. A agonia das almas estava estampada em cada rosto ou gesto. Mas em Maria Antonieta (2006), apesar de alguns excessos por histrionismos exagerados, não chegou a comprometer o bom resultado.

Neste seu quarto longa-metragem, a diretora já começa na abertura a preparar os espectadores para o que vem em seguida, deixando a agonia se espalhar lentamente. Johnny Marco (Stephen Dorff, de atuação impecável pela fidelidade do papel) é o motorista dentro daquele flamante carro preto que dá várias voltas na estrada e não vai a lugar nenhum, ouvindo-se tão somente o ronco do motor, parando na frente da câmera, para alertar que o filme vai começar, numa metáfora de seu condutor que está perdido na vida e sem perspectiva de um objetivo maior. Johnny é um ator embebecido pela fama hollywoodiana e vive no glamouroso Hotel Chateau Marmont, em Los Angeles, rodeado por belas mulheres sempre disponíveis para as festinhas regadas por muito fumo e bebida. Faz sexo por atacado e os sentimentos estão completamente divorciados daquela criatura fantasmagórica e recém-divorciada.

Mas surge Cleo (Elle Fanning), sua filha de 11 anos, que vai morar com o pai, pois a mãe pede um tempo para escolher um rumo melhor para seu destino, após o divórcio com Johnny. Faz tudo para agradar, até lanches rápidos e saborosos, joga tênis, leva o papai para assisti-la em sua apresentação de dança de patins no gelo. É ciumenta, inocente e preocupa por sua tenra idade, bem como a convivência com adultos pouco confiáveis, até mesmo o imaturo genitor, um pós-adolescente eterno, num ambiente de liberalidade total. Entretanto o pai aos poucos se afeiçoa à filha e o elo está formado, mantido por um vínculo nada fácil para ser criado, como também não é difícil se romper, diante da tênue linha divisória que os separa. Johnny grita para todos ouvirem "eu não sou nada". Nesta cena é revelado todo o desespero, a angústia e a falta de perspectiva que agonizam e retumbam drasticamente. A solidão é amplamente focada neste drama, pois o existencialismo é o núcleo da trama urdida e bem conduzida por Sofia, nesta realização pessoal, com influência basilar das lembranças de sua infância e na ausência sentida do pai famoso Francis Ford Coppola.

Talvez não seja o melhor filme da diretora, mas estão presentes suas marcas registradas como a coesão, a concisão, a harmonia e a coerência com os temas abordados em Encontros e Desencontros, fazendo deste um notável filme de beleza dolorida, como se fosse um poema da vida, da existência, da perda duradoura, do reencontro entre pai e filha como no embrião imaginário de uma vida perdida, como há na metáfora do ser humano dentro daquela máscara sufocante e nauseante, que leva o indivíduo ao sofrimento maior e desconforto da vida.

Porém, fundamentalmente há o vazio que dilacera a alma e mergulha nas profundezas da existência sem vínculos com as emoções e com a sensibilidade da natureza humana. A melancolia lateja com insistência e o final nos remete novamente para a cena inicial, do carro na estrada vazia, sem a presença de ninguém, com uma grandiosa e visceral solidão, que tem naquele cenário todo o expoente e o olhar cúmplice da perda dos valores intrínsecos, sem fazer afirmações rotulantes ou discursos estéreis. O longa chegou a ser comparado ao estilo de Michelângelo Antonioni e chamado de tratado da incomunicabilidade, num elogio mais do que merecido, mas exagerado na essência com o mestre. Apenas as imagens falam mais que os diálogos e o filme ecoa com extrema sutileza neste poema melancólico e sensível, dentro de uma estrutura e de uma estética condizente com a beleza plástica, tendo um roteiro inteligente e um cenário apropriado, com planos longos e estáticos e elipses lançadas na hora certa, deixando margem para a reflexão, na retomada do tema central de Encontros e Desencontros.

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