sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Bravura Indômita



Vingança e Melancolia

Os irmãos Ethan e Joel Coen têm um estilo e uma elegância para filmar inerentes e personificados como poucos cineastas na atualidade. Assim foi com o extraordinário Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), inegavelmente o melhor filme da dupla; o bom Queime Depois de Ler (2008); os instigantes Gosto de Sangue (1984) e O Homem que Não Estava Lá (2001); e o imprevisível e estonteante Fargo (1996). Pode-se discutir se eram grandes filmes ou não, mas jamais seus dotes refinados de fartas sutilezas.

Agora chega aos cinemas sua última realização, o dito remake de Bravura Indômita, filme em que John Wayne obteve seu único Oscar como melhor ator, na versão original de 1969, dirigida pelo mestre Henry Hathaway. Mas tem no papel do agente federal justiceiro cruel Rooster Cogburn, notório por ser um inveterado beberrão e caçador de bandidos, rosnando em vez de falar, sujo e rústico como poucos, interpretado por Jeff Bridges de forma soberba, superando em muito ao rei dos mocinhos Wayne. Há a sutil troca do tapa-olho de lado, passando do esquerdo para o direito na versão atual. Ano passado Bridges ganhou o Oscar de melhor ator pela magnífica atuação no filme Coração Louco (2009), na pele de um famoso cantor e compositor de música country bêbado e decadente. Só não ganhou este ano, assim como Javier Bardem, em Biutiful, por terem levado as estatuetas nos últimos anos.

Dizer que os Irmãos Coen apenas refilmaram este best-seller escrito por Charles Portis é muito pouco e indigno. Em momento algum se afastam do clássico e bom faroeste, filmado no tradicional cenário do Velho Oeste, não se afastam do tom e da dinâmica cinematográfica que embalou muitos anos aficionados do cinema de bangue-bangue. Cada detalhe, movimento da câmera, luz, fotografia, as tabernas, os julgamentos e as execuções sumárias comandadas pelo xerife, e o figurino estão harmonicamente distribuídos com primazia e colocados em seus lugares exatos, pontuais e com fidelidade.

A trama é visceralmente conduzida pela ótica da garota determinada Mattie Ross de 14 anos (Hailee Steinfeld, de surpreendente e maravilhosa interpretação), que busca vingança da morte de seu pai pelo bandoleiro famoso Tom Chaney (Josh Brolin), procurado por outro caçador de bandidos, desta feita o policial texano LaBoeuf (Matt Damon), que aparece sempre nos momentos próprios e impróprios, levando sua tentativa de uma paz forçada ou interesseira. Fica evidente o Complexo de Electra na relação filha e pai, desenvolvida com sutileza até o epílogo.

O desenrolar do western é sem tiroteios forçados ou balas perdidas por tudo quanto é canto e lugares inimagináveis. Segue o melhor estilo dos grandes clássicos, lembra em muito o inesquecível Os Imperdoáveis (1992), de e com Clint Eastwood, onde encontramos uma gama de mocinhos velhos, decadentes, sendo que um deles com apenas um olho, também tendo que cumprir a última missão. Também remete para Rio Vermelho (1948), de Howard Hawks e Arthur Rosson; como não poderia deixar de ter referências em Rastros de Ódio (1956) e No Tempo das Diligências (1939), ambos do genial John Ford, com construções fantásticas de personagens; mas como esquecer Meu Ódio Será Sua Herança (1969), de Sam Peckinpah, ou ainda Os Brutos Também Amam (1953), de George Stevens.

Bravura Indômita tem por finalidade nesta sua nova versão adaptada ao estilo dos Coen, tentar fugir dos velhos clichês da filmagem anterior, bem como esquecer o fantasma de John Wayne, um ator calejado e mito dos faroestes americanos. E consegue com sobras, tendo vida e luz própria, diante do iluminismo e da irreverência, mesmo que contida, dos Irmãos Coen, que sabiam do que lhes aguardavam, e que haveria a inevitável comparação.

Há na música de uma trilha sonora maravilhosa, sendo executada com perfeição, a mola mestra e condutora do longa, ditando o clímax das cenas finais. Os cenários são grandiosos e caracterizadores do Velho Oeste, onde os cavalos estão sincronizados pelas frondosas árvores e de um pôr do sol esplêndido e por vezes revelador de um novo dia, embora tenha no desabafo de Cogburn sobre a velhice que está chegando e se apoderando cada vez mais do seu corpo cansado.

Mas nem tudo é bonito e belo oriundo do espetacular cenário, há a cena do cavalo que corre loucamente pelos campos carregando o anti-herói que busca salvar a garota picada pela cobra peçonhenta. Estabelece-se uma luta feroz contra o tempo e o desabamento do equino é o símbolo do sacrifício e da morte iminente que se avizinha. Na cena final de Mattie Ross envelhecida e procurando Cogburn, contratado por ela como o caçador do algoz do pai; e a revelação do epílogo daquelas pessoas desconhecidas sobre seu destino, faz com que também sinta o tempo passar rapidamente, como bem fica gizado na sua última frase na tela.

A morte é reverenciada com certa ternura no campo santo, tendo na sua condição de solteira sem um futuro definido, vendo o tempo se escoando, conduz para a reflexão no final, como decorrência da dor do desaparecimento e os percalços da vida que a fizeram nem notar como tudo passa rápido, ficando um outro mundo, porém de reminiscências e uma melancolia enternecedora, num grande final com emoção e digno de um clássico do faroeste.


3 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Que texto bom esse, meu camarada! Encantado! Assiti esse filme e tudo o que voce disse é simplesmente verdadeiro e muito observador!

Roni Figueiró disse...

Obrigado pelo elogio. Continues me prestigiando.