quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Eu Matei Minha Mãe























Relação Edipiana

O primeiro longa-metragem Eu Matei Minha Mãe, de Xavier Dolan, foi realizado quando o diretor tinha apenas 17 anos, já demonstrando qualidades inegáveis de um promissor cineasta, detentor de um talento bem acima da média. Realizou posteriormente Os Amores Imaginários (2010), onde padeceu da falta de inspiração e se deixou levar pela propaganda gay, sem abordar com profundidade as relações homossexuais, caindo na análise descompromissada e folhetinesca, longe daquele diretor que mostrou subsídios relevantes na primeira amostragem.

Neste seu filme inaugural, Eu Matei Minha Mãe, demonstra firmeza e capacidade de manter um roteiro enxuto, uma direção precisa, com atuações do elenco em grande estilo, como da mãe (Anne Dorval), tendo uma fotografia estupenda e com o convite para pais e filhos verem juntos. O filme tem uma trama aparentemente simples, onde um rapaz de 17 anos não ama sua mãe, usa roupas bregas, briga por pequenos detalhes como a forma que ela come, contemplando-a com desprezo. Os mecanismos de manipulação e a culpabilização empregados por ela também não lhe passam despercebidos, tem um ódio fora do seu controle. Confuso, vaga por uma adolescência marginal e típica, repleta de descobertas artísticas, experiências ilícitas e se assume como homossexual, num tom autobiográfico.

Seria apenas um jovem rebelde conflitado com a mãe? Mas temos as agressões verbais e algumas escaramuças físicas bem preocupantes. Não há harmonia na convivência e a situação torna-se insustentável e explode, quando a mãe descobre o relacionamento do filho com um amigo, através da mãe deste, com dois meses de affair amoroso. Entretanto, Eu Matei Minha Mãe vai esmiuçando aquele intrincado e desastrado impasse familiar, até que entra o pai em cena e a história se complica para o garoto, pois é mandado para um internato. As cobranças começam e a separação dos pais é questionada pelo garoto, diante da incapacidade ilimitada do genitor em resolver situações tensas e complicadas, diante da complexidade emotiva dos fatos que se avolumam. É cobrado por ter abandonado a esposa, estando o filho com 10 anos, e ter desaparecido do cenário e do microcosmo da família.

A relação de amor e ódio de mãe e filho chega ao extremo e os questionamentos e as intermináveis comparações com a genitora do amigo, tendo em vista ser esta uma mulher liberal sexualmente, como também no uso de drogas. Tudo é colocado em xeque de forma arrasadora. O filme atinge um clímax angustiante e o debate se eleva, quando começa a disputa pelo espaço e pela libertação, conduzindo a película para uma análise profunda dos preconceitos sexuais e os limites impostas como sendo regras excessivas ou apenas necessárias, como visto na recente obra-prima francesa Entre os Muros das Escola (2008), Laurent Cantet.

Mas as cenas finais são reveladoras e perturbadoras, diante da expectativa não frustrada de um epílogo contundente e soberbo, como daquele jovem que se mostra forte e determinado, não passa de um ser frágil, carente e dependente do carinho materno especialmente, que tanto clamou e suplicou até aquela cena do reencontro nas rochas, no local definido por ele como o paraíso, após fugir do inferno construído da repulsa ao internato. Também a do diretor que fala na presença masculina e paterna, numa mostra clara e reflexiva da ausência do pai que não sabe e nem entende o clamor daquela criança carente. Outra cena marcante por estar novamente funcionando como reveladora é a do filho em posição fetal na banheira, como se estivesse voltando ao paraíso, mas que metaforicamente é a volta ao útero da mãe, antecipando com magistral condução a cena final. É o brado da falta de carinho, amor e compreensão de uma criatura que anda de um lado para outro, como se fosse um zumbi perdido e agonizante no universo.

Um filme magnífico e digno da qualidade e da atmosfera que foi criado em seu entorno, com um notável diretor prodígio, que roteirizou e atuou como personagem principal, está apto a realizações e saltos ainda maiores, mexendo com dogmas e preconceitos nas turvas relações familiares. Deixa sua marca indelével, como a do relacionamento edipiano evidenciado, quando em sonho materializa a mãe vestida de noiva correndo pelos campos e o filho tentando alcançá-la, fica registrado para antologia do cinema.

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