sexta-feira, 4 de junho de 2010
O Escritor Fantasma
Campo Minado da Política
O diretor polonês Roman Polansky é um dos mais maduros e competentes em atividade, embora sua conturbada vida pessoal atrapalhe em muito seu destino no território dos EUA. Seus problemas pessoais e sua suposta dívida para com a justiça não impedem e nem devem servir de obstáculo para atenuar os efeitos de sua meritória obra cinematográfica, como fez uma articulista de uma conceituada revista de grande circulação nacional, se detendo mais na ficha policial do cineasta do que analisar, para tecer uma crítica fundamentada, ou dar alguns tênues elogios ao seu último trabalho, o excelente longa-metragem O Escritor Fantasma, que rendeu o prêmio de melhor diretor no Festival de Berlim.
O filme foi adaptado do romance do jornalista e escritor Robert Harris e trata de um ex-ministro inglês chamado ficticiamente de Adam Lang (Pierce Brosman), casado com Ruth (Olivia Williams), vivendo em semi-exílio numa ilha do estado de Maine, nos Estados Unidos, que na realidade nada mais é que as memórias do primeiro-ministro britânico Tony Blair e suas incursões desastradas e subservientes ao governo americano de George W. Bush.
Lang é criticado asperamente por uma imprensa livre, por ter autorizado a prisão e tortura de suspeitos de terrorismo, em conluio com o governo americano, exatamente como aconteceu entre Blair e Bush. Paralelamente, Lang trabalha sua autobiografia, pela qual recebeu US$ 10 milhões antes de escrevê-la. Contratado pela editora como ghost writer, McCrea morre misteriosamente. Logo tem seu substituto (Ewan McGregor), passando então a realizar suas pesquisas para terminar o livro de memórias de Lang/Blair.
A política é mostrada como uma imensa sujeira e os polos se atraem quando há interesses comuns em jogo. Lang está no meio de um verdadeiro fogo cruzado de acusações da imprensa investigativa e da comunidade inglesa. O substituto ao tentar concluir o livro começa a descobrir as falcatruas e as podridões, bem como o envolvimento de agentes da CIA, como o personagem misterioso que aparece como revelador no final (Tom Wilkinson), e as tramoias contra o Oriente Médio, com armações espúrias para sustentar governos; as ingerências para as guerras, tendo uma imensa teia de aranha que aos poucos vai se dissipando no ótimo e envolvente roteiro do suspense psicológico de O Escritor Fantasma.
Polansky realiza este filme num tom gris de tonalidade claro-escuro, buscando um frio noir que se notabilizou no magnífico Chinatown (1974), gênero bem explorado com toda elegância e frieza neste policial marcante e que deixou belos ensinamentos de uma realização notável e com fôlego até o último minuto da película, criando uma atmosfera exemplar para um final inusitado. O diretor também busca subsídios no excelente longa A Rainha (2006), de Stephen Freas, onde a figura de Blair emerge do cenário inglês para o mundial, no episódio da morte da princesa Daiana, em 1997, mostrando os bastidores da realeza logo após o acidente fatal, tendo como presença destacada o primeiro-ministro da época nos intrincados e rumorosos boatos que quase acabaram com a o governo inglês.
Em O Escritor Fantasma também se pode buscar a alinhar algumas similitudes com o belo filme nacional Budapeste (2009), baseado na obra de Chico Buarque de Holanda, onde um homem separado por dois continentes e dividido por duas mulheres, tem na fascinante viagem a descoberta da capital da Hungria, com suas peculiaridades e as situações políticas controversas e ricas de um passado sempre presente de ditadores como estátuas descendo dentro de um barco enferrujado e decadente, pelo Rio Danúbio, numa metáfora do ocaso do comunismo, contadas por um ghost writer.
Blair é mostrado no personagem de Lang, por Polansky, como um legítimo capacho subserviente, ao colocar o governo inglês à disposição e à mercê dos interesses dos poderosos fabricantes armamentistas dos EUA. O longa tem no seu estofo um suspense com pitadas bem dosadas de emoção, repletas de reviravoltas e tensões oriundas de um roteiro refinado e inteligente, numa direção precisa que segura com dignidade os desdobramentos de figuras proeminentes que se avolumam e entram em contradição no epílogo, demonstrando as diversas facetas de caráter, muitas delas por inexistirem.
O quebra-cabeças que vai sendo montado pelo ghost writer, aos poucos se dissipa numa maré de hipocrisias e interesses governamentais, bem urdido e jogado ao espectador de forma clara por Polansky, demonstrando toda sua revolta, questionando a confiança entre estes pares que têm no dinheiro e no prestígio seus passaportes, como ingredientes de poder, fama e perigo, acobertando um crime para que as situações fáticas não viessem a público. Fica a reflexão nesta retórica da política embasada no suspense, tendo o brilho eficaz e a certeza que o bom cinema voltou com este diretor fabuloso.
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