quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Festival Varilux Cinema Francês (1874, O Nascimento do Impressionismo)

 

Movimento Revolucionário

O movimento impressionista francês na pintura sempre rendeu boas realizações no cinema, atraindo a atenção dos aficionados das artes plásticas. Uma delas foi o comovente drama Renoir (2012), que teve na direção o experiente Gilles Bourdos, conhecido por Disparus (1998), Inquiétudes (2003), e o badalado Depois de Partir (2008). Abordou o final da vida do célebre pintor Pierre-Auguste Renoir (Michel Bouquet), tendo como cenário a Côte d’Azur, em 1915. O mestre das tintas que veio a falecer em 1919, passou por um período de graves problemas pessoais, atormentado pela morte de sua mulher, lancinantes dores por uma artrite reumática degenerativa e, como desgraça pouca é bobagem, foi informado da triste notícia que seu filho Jean- ele mesmo, o cineasta Jean Renoir- fora ferido em combate na guerra e estava retornando manco de uma perna. A trama foi conduzida com elegância e charme, para mostrar na vida do velho pintor a linda jovem Andrée, tornando-se sua última modelo e fonte de inspiração e rejuvenescimento, decorrente daquela beleza radiante que lhe soa como um bálsamo para continuar vivendo. Mas nem tudo é felicidade, logo voltou o filho ao convívio familiar, para recuperar-se dos ferimentos, que fica fascinado com a moça e sofre uma forte oposição do pai para o romance. Não era somente um filme sobre o final da vida do notável pintor e seus quadros, mas sua relação amistosa e tímida com os quatro filhos, entre os quais a única mulher, que busca longe do lar sua trajetória pessoal.

Novamente, a arte cinematográfica retrata o movimento revolucionário impressionista, sendo uma das boas surpresas do Festival Varilux de Cinema Francês deste ano. Um misto de documentário com drama, 1874, O Nascimento do Impressionismo, dirigido pela dupla Julien Johan e Hugues Nancy. A mescla tem uma sintonia mais convencional com o ficcional, na qual o tom documental fica em segundo plano, dando mais protagonismo aos personagens dentro de uma história aparentemente verdadeira, mas que acaba sendo utilizados elementos de uma admirável representação visual pela maneira de pintar dos artistas com seus problemas pessoais e suas idiossincrasias. Todavia, traz uma boa dose daqueles filmes feitos especialmente para canais especializados em arte, principalmente quando uma voz feminina em off, de forma didática para iniciantes monopoliza a narrativa. Não apresenta variação do estilo descritivo rápido sem alterar o tom, sempre na mesma toada nos 95 minutos de duração, o que é totalmente desnecessário e redundante, por causar cansaço no espectador.

A trama tem nomes de peso do mundo da arte, como Claude Monet, Edgar Degas, Pierre-Auguste Renoir, Paul Cezanne, Camille Pissarro, e a inclusão de Berthe Morisot, única presença feminina dentro do movimento, apesar de ser pouco conhecida, e outros demais colegas que organizaram sua primeira exposição coletiva de forma independente. Contrariaram as normas vigentes, exceto Édouard Manet que não aderiu e preferiu continuar se submetendo aos ditames oficiais. A realização, embora seus equívocos técnicos, revive a história desses jovens pintores que se rebelaram contra o academismo de sua época, traçando o surgimento de uma revolução que impactou e se consagrou definitivamente com o passar dos anos. O longa ressuscita uma gama de célebres pintores que se uniram para iniciar uma nova onda inovadora, com um elenco de atores cuidadosamente selecionados, onde os diálogos são meticulosamente elaborados com base em documentos de arquivos, testemunhos da época e, principalmente, as correspondências guardadas como documentos históricos. Tinha como principais características: O Subjetivismo: pintores acreditavam que a realidade era subjetiva e que cada pessoa percebia o mundo de forma diferente. Paisagens: As obras retratam horizontes comuns e cenas do cotidiano. Cores: utilizavam as vivas e as claras, em tons neutros, para expressar os efeitos de luz. Pinceladas: eram rápidas e sutis, e os traços imprecisos. Espaço aberto: preferiam pintar ao ar livre, como parques e jardins.

A dupla de diretores mostra em algumas cenas os pintores esboçando uma representação textual e as inspirações, tanto na pintura realizada ao ar livre em contato direto com a natureza, mas em outras sequências há os estúdios e pincéis sendo manipulados com as cores vivas para a elaboração, até chegar ao resultado final. As imagens ficcionais tentam dar uma leveza de realismo no desenrolar da trama, mas em muitas situações o artificialismo se sobrepõe no filme. Os conteúdos teóricos são relatados à exaustão com predominância de um enredo muito amarrado na cronologia dos fatos. Não são mencionados fontes do texto em desenvolvimento, o que remete, provavelmente, para notícias vinculadas na imprensa daquele período, tudo dito didaticamente na narrativa. A batalha contra o academicismo em nome de um novo estilo, tema central do movimento, indica as dificuldades daqueles jovens rebeldes contra os concursos artísticos de salões, onde as novas formas eram refutadas e execradas pela sociedade conservadora e aristocrática de 1874.

Os vários quadros dos artistas que surgem no enredo é um dos pontos altos do documentário, bem como as relações deles com as guerras do final do século XIX, entre as quais estão as tropas do governo provisório que invadiram a capital francesa e destituíram a Comuna de Paris, que impactou a vida dos pintores, mexendo com a criação de episódios que levaram para o surgimento de um novo estilo. Entre eles, está Renoir, que nunca deixou de dar importância à forma, como na série As Banhistas. Marcante pela sua pincelada enérgica com motivos que lembram o mestre Jean Auguste Ingres. A sua obra de maior impacto é Le Moulin de la Galette, em que conseguiu elaborar uma atmosfera de vivacidade e alegria à sombra refrescante de frondosas árvores, com intensidades azuis. A luz solar aparecia como elemento predominante na sua pintura e o resultado foi uma série de obras-primas ao melhor estilo de seu mestre italiano Ticiano Vecellio e outros pintores reverenciados, como Jean-Honoré Fragonard e François Boucher. Os realizadores concentraram sua projeção nos fracassos e resiliências do ser humano, pois esta não é somente uma obra de endeusamento de mestres como uma poesia lírica. É antes de tudo um interessante relato crítico de uma aristocracia com seus problemas familiares, os efeitos nefastos das guerras, de uma união resistente contra o poder sufocante e sem diálogos com a classe artística. Uma rebeldia consistente contra influências externas num ambiente carregado por tabus e preconceitos, que dão consistência a este apreciável filme sobre a escola do Impressionismo.

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