Negacionismo do Ocaso
Adam McKay, 53 anos, é um diretor de méritos minguados em sua filmografia despontada com comédias insignificantes como O Âncora (2004) e Quase Irmãos (2008). Deu uma guinada na carreira para abordar assuntos com mais seriedade, tais como economia e política, através de uma narrativa com ritmo alucinado e ao mesmo tempo didático por demais. Fez sucesso com A Grande Aposta, eleito pela Associação dos Produtores de Hollywood como o melhor filme de 2015, além de cinco indicações ao Oscar, com uma descrição linear da história de investidores financeiros que tiraram vantagem do colapso da economia mundial de 2008, levando à bancarrota bancos, instituições financeiras e diversos empreendimentos imobiliários nos EUA e na Europa. A temática seguiu na esteira do ótimo O Lobo de Wall Street (2013), de Martin Scorsese, que contou a autobiografia de um canastrão e sedutor jovem aspirante a corretor da bolsa de Nova Iorque, O Capital (2012), de Costa-Gavras, e o feroz ataque ao capitalismo de David Cronenberg em Cosmópolis (2012). Depois veio Vice (2018), sobre a biografia do controverso Dick Cheney, vice-presidente dos EUA entre 2001 e 2009, recebendo oito indicações ao Oscar. Ultimamente esteve envolvido com a produção e a direção do primeiro episódio da série Succession (2018), sobre uma sucessão de um conglomerado da mídia que acabou ganhando nove Emmys.
No apagar das luzes de 2021, a Netflix lançou a polêmica comédia satírica de ficção científica Não Olhe Para Cima, que despertou muitos debates e discussões acirradas nas redes sociais desde seu lançamento em dezembro passado, através de memes e postagens numa clara alegoria com a pandemia da Covid-19. Conta a história improvável de Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), dois astrônomos que fazem uma descoberta inusitada e preocupante, com a ajuda prestimosa do doutor Oglethorpe (Rob Morgan), de um cometa que está em órbita dentro do sistema solar e em iminente rota de colisão com a Terra. Seria o fim do mundo, mas ninguém dá muito crédito para a revelação bombástica dos cientistas desta ameaça apocalíptica que amedronta a humanidade e sua extinção. Os protagonistas vão até um famoso programa de televisão comandado por dois jornalistas (Cate Blanchett e Tyler Perry) para alertar a população de que em apenas seis meses haverá a tragédia anunciada. Tentam de maneira frustrada ganhar a atenção do público obcecado pelas mídias sociais antes que seja irremediável. Os espectadores estão mais interessados no término do namoro entre uma cantora (Ariana Grande) e um rapper (Kid Cudi). Acabam, por sorte ou azar, sendo recebidos pela presidente Orlean (Meryl Streep- numa clara alusão ao presidente Donald Trump, até o bonezinho é igual) e de seu filho, Jason (Jonah Hill), que também não se comovem com o fato surreal.
O filme se esforça para mostrar, mas falta talento ao realizador, embora haja muita sátira e cenas tragicômicas, de como os governos são controlados e amarrados aos globalistas de plantão nas políticas de influência das mídias que por sua vez fazem da população refém do que interessa. Um dos méritos da obra é o interessante espelhamento da sociedade satirizada no exercício da troca do cometa pelo aquecimento global ou pela Covid-19, facilmente identificáveis nos grandes movimentos do negacionismo, obscurantismo, terraplanismo e outros inverossímeis “ismos” que pululam no conservadorismo universal reinante de nosso planeta tão descuidado e massacrado. A cegueira é manifesta e se faz presente em nome dos interesses econômicos evidentes que visam impedir a lucidez atrofiada, como no caso do proprietário de uma rede de telefonia buscando lucros e interesses financeiros próprios. Ou o herói americano que vai para o espaço e retorna, mas afirma com sua arma em punho de forma quixotesca que não será apanhado vivo, para demonstrar sua sordidez em prol de uma nação que se acha imbatível em todos os aspectos, até mesmo pela força da natureza. É a mediocridade derrotando as cabeças lúcidas pensantes que defendem a ciência desmoralizada pelo ostentoso espetáculo dantesco de um governo que prima pelo negacionismo sob a batuta de um narcisista no poder.
O cineasta e David Sirota escreveram o roteiro original antes do surgimento da pandemia. Entretanto, durante o período da doença que tomou conta do universo, eles voltaram à trama para realizar modificações substanciais para torná-la mais próxima da realidade atual da tragédia iminente do desastre anunciado da destruição planetária. Faz uma analogia com a entrevista coletiva de Trump sugerindo uma injeção de desinfetante no combate da Covid-19. Vemos as previsões sendo concretizadas e um pequeno grupo privilegiado fugindo para outro planeta e o fracasso da missão liderada pela presidente dos EUA tendo um final inimaginável. McKay aponta o dedo ao disparar contra alguns empresários gananciosos e sem escrúpulos como Mark Zuckerberg e Elon Musk, mais preocupados no lançamento de aplicativos, além dos negócios de investimentos com a presidente do país mais importante do mundo, em uma das raras cenas a serem elogiadas. Peca pelo remexido enredo sem um clímax que beira ao artificialismo que tem um elenco avolumado, em que vão se encaixando personagens pouco convincentes, como do skatista de família evangélica de caráter duvidoso pela estupidez da falsa pregação do heroísmo.
Em um mundo distópico das vidas pela sua preservação estão
os anti-heróis astrônomos e o médico, frequentemente submetidos pelos todos
poderosos à lavagem cerebral com tentativas de suborno e corrupção. O cineasta
se deixa levar pelo catastrofismo barato, que beira a afetação trágica
planetária. A obra fica fragilizada, como por encantamento aos filmes
americanos A Estrada (2009), de John
Hillcoat; Gozdzilla (1998), 2012- O Fim do Mundo (2009), O Dia Depois de Amanhã (2004) e Independece Day (1996), todos do medíocre
diretor Roland Emmerich. Ficou bem distante do admirável Melancolia (2011), de Lars von Trier, que começava com um prólogo que
antecedia a história em dois atos que viriam no corpo da narrativa, com oito
minutos na trilha operística de Tristão e Isolda, de Wagner, deixando como
elipses no roteiro o clímax da explosão devastadora e apocalíptica.
4 comentários:
Uma crítica interessante, principalmente por utilizar um palavreado bem rebuscado e referências cinematográficas de outra época, talvez até para negar o que McKay busca expor em seu filme: a mediocridade reinante no mundo de hoje, estimulada em grande parte pela omissão e pelos interesses de uns poucos que sempre querem o poder a qualquer custo.O filme é, evidentemente, uma comédia de humor negro, uma crítica ácida dessa sociedade globalista em que vivemos hoje. Em outros tempos, os intelectuais veriam nele uma crítica ao sistema e à sociedade. Hoje, limitam-se a descrever cenas, criticar posturas de atores e minimizar o autor, como se seu passado irrelevante fosse o aval que todos precisamos para negar-lhe a crítica certeira e bem construída. Negacionismo também é isso e nós o construímos e reconstruímos em todos os momentos em que olhamos para todos os lados, menos para o lado que interessa, tal como fazem todos os personagens do filme. Ah, mas e a crítica à pandemia, a Trump, ao conservadorismo e, quem sabe, a Bolsonaro? Perde-se tempo olhando para o outro lado, enquanto o cometa se aproxima. O avião está caindo, sim, mas a poaisagem é uma beleza!
Bom não concordo com a visão do filme. Mas tudo bem pra mim foi um aterrorizante quadro do mundo atualmente. Mas não achei que tem esse chavão de esquerda. Acho que no filme se crítica ambos os lados pois não existe tanta relação assim, pois não existe uma uniformidade na vida real sobre quem poderia estar certo nas complexas e difíceis decisões sobre o mal da Covud, no filme essa decisão é mais clara e sensata, é um cometa chegando.
Bem interessanre as duas criticas acima. De um filme polêmico sempre cabe discussões com visões antagônicas.
Bem interessanre as duas criticas acima. De um filme polêmico sempre cabe discussões com visões antagônicas.
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