Correndo Para o Céu
Vem do Quirguistão o perturbador e sensível drama familiar Correndo Para o Céu em exibição on-line na 44ª. Mostra de Cinema de São Paulo. Vencedor do Prêmio da Crítica do Festival Internacional de Busan, realizado anualmente em Haeundae-gu, Coreia do Sul, é um dos festivais de cinema mais significativos da Ásia. A direção é de Mirlan Abdykalykov, em seu segundo longa-metragem, que também assina o enxuto roteiro em parceria com Ernest Abdyjaparov. O jovem diretor de 38 anos teve experiência como ator no protagonismo de três filmes dirigidos pelo pai, Aktan Arym Kubat: The Swing (1993), O Filho Adotivo (1998, exibido na 22ª. Mostra de SP) e O Chimpanzé (2001, presente na 25ª. Mostra de SP). Tem em sua filmografia o curta-metragem Pencil Against Ants (2010), tendo estreado em longa com Nômade Celestial (2015, esteve na 39ª. Mostra).
A trama é uma realização instigante sobre a interação do
núcleo familiar desconstruído para a contextualização com a vizinhança e seu
cotidiano inerente. Explora as fraquezas sem limites do ser humano, o prazer
pela aventura com as digressões amorosas pelos destemperos de uma mãe que foge
e vai embora com outro companheiro, além do sofrimento cruel do marido, Erkin (Ruslan
Orozakunov), que se lastima diante da separação e se entrega ao vício do
alcoolismo sem controle. O trabalho de tratorista puxando um arado acoplado no
campo para a plantação remete para uma economia
O mote do enredo está na figura angelical do solitário garotinho de 12 anos Jekshen (Temirlan Asankadyrov), residente em um povoado encravado no belo cenário de montanhas, com lindas imagens do fotógrafo Talant Akynbekov, tem o apoio da namoradinha da escola e de alguns adultos da vizinhança. Ele é visto e celebrado por muitos daqueles homens e sua professora de educação física como um corredor excepcional. Eles o encorajam a participar da tradicional grande corrida, um certame que pode mudar sua vida para melhor, sendo o prêmio máximo um potro puro sangue estimado em três mil dólares. Uma disputa que lembra momentos tensos do cultuado filme Carruagens de Fogo (1981), de Hugh Hudson, sobre dois corredores: um filho de imigrantes judeus e o outro um protestante de origem escocesa, que defendem a Inglaterra nas Olimpíadas de 1924, que decidem competir para superar desafios pessoais.
O menino vive com o pai alcoólatra, jogado em qualquer lugar da casa dormindo ou na rua, raramente está lúcido, e um galo de estimação, um fiel escudeiro, que simboliza o lado pitoresco daquele lugarejo rural escondido do mundo, através de uma alegoria de coragem e perseverança da brava criança que sofre bullying dos coleguinhas na escola por não ter dinheiro para honrar com a mensalidade destinada para as despesas e manutenção do estabelecimento de ensino. Ouve gracejos de que o pai gasta tudo com bebida, por isto ele é inadimplente, inclusive com a anuência do áspero professor. A esperança de chegar ao estrelato começa numa primeira corrida, em que um menininho de tenra idade da região terá cortado os grilhões atados aos pés, uma simbólica láurea de estímulo e libertação como metáfora da vida e que faz parte do folclore do povoado através de um cerimonial. Os pesadelos à noite, o pai distante do esforço do filho e entregue à bebida, e o retorno da mãe que não o convence a ir embora com ela, irão dar contornos dramáticos bem equilibrados na narrativa verossímil do cineasta, que busca na andorinha solitária sobrevoando elementos de garra e persistência.
Uma obra que aborda de forma clara e inequívoca o vício, a
traição, o bullying, a disputa e as
contradições de uma aldeia que refletem uma sociedade
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