Vidas Solitárias
A gaúcha Ana Luiza Azevedo estreou com o longa-metragem Antes Que o Mundo Acabe (2009), uma produção da Casa de Cinema de Porto Alegre, onde a diretora foi fundadora. Obteve os prêmios de Melhor Direção de Ficção, Figurino, Trilha Sonora, Direção de Arte e Fotografia no II Festival de Paulínia, em 2009. Em uma trama aparentemente simples, embora houvesse complexidade, retratou as dúvidas e os caminhos que os adolescentes procuram em suas vidas futuras. Havia similitude em seu conteúdo de questionamento da infância com outras belas obras, tais como: Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), de Esmir Filho e o magnífico As Melhores Coisas do Mundo (2010), de Laís Bodanzky. Inspirou-se na disputa de uma garota pelos dois amigos que se apaixonam pela mesma mulher em Jules e Jim- Uma Mulher para Dois (1962), de François Truffaut. Tem em sua filmografia o curta Dona Cristina Perdeu a Memória (2002), tendo dividido a direção com Jorge Furtado no telefilme Doce Mãe (2012) e o badalado curta Barbosa (1988).
Dez anos depois, a cineasta está de volta com o comovente Aos Olhos de Ernesto, em que divide o
roteiro com Furtado, sendo produzido novamente pela Casa de Cinema de Porto
Alegre. Foi lançado recentemente nas plataformas da Net Now, Oi Play, Vivo Play
e Looke. Recebeu o prêmio da crítica na Mostra de Cinema de São Paulo no ano
passado e foi laureado pelo público no Festival de Punta del Este, no Uruguai.
O drama acompanha o fotógrafo viúvo uruguaio radicado
Ana Luiza coloca os traumas das perdas e dissabores do envelhecimento com muita sutileza e sensibilidade para uma profunda reflexão. O personagem central não é uma pessoa ressentida, pois tem no vizinho amigo, Javier (Jorge d’Elia), um bom suporte para continuar vivendo, diante das leituras do jornal impresso diariamente pela manhã, mesmo sendo incomodado pela fumaça do charuto. O filho Ramiro (Júlio Andrade) é um recém-separado que vai embora para dar continuidade em sua vida, mas presta ajuda financeira ao pai. A diarista está sempre atenta aos desmandos do patrão e, às vezes, se torna inconveniente pelo seu negativismo. Ele quer viver de forma independente porque tem em mente que ainda pode se divertir e comprar roupas para rejuvenescer, fazer novas amizades e deixar fluir sua paixão de outrora, o que nos remete para o romance O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez, lançado em 1985, que depois foi levado para o cinema pelo diretor Mike Newell, em 2007, protagonizado Javier Bardem.
O ritmo cadenciado e suave da canção de Caetano Veloso
remete para o epílogo das sonatas dos violoncelos de Bach, com imagens das ruas
da Capital gaúcha, especialmente a Alberto Torres, onde mora o protagonista num
apartamento escuro rodeado de livros e lembranças do passado. Há uma madura
direção que demonstra controle sobre a narrativa e sobram méritos por não deixar
cair em pieguismos ou exageros sentimentais pela eficiência da condução equilibrada
dos diálogos ásperos ou ternos entre a jovem e o seu velho protetor que a trata
como uma neta. As diferenças gigantescas de suas faixas etárias marcam as
conversas e seus duelos de ideias distintas, entrecortadas pelo divertimento
que encontram nas poucas saídas pelas ruas, como na manifestação
Eis um mergulho nos confrontos e adversidades da chamada
ironicamente "melhor idade" e o espectro da solidão melancólica. A
cineasta retrata com dignidade e até com algum otimismo a temática do
envelhecimento, assim como já o fizera Daniel Burman
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