terça-feira, 8 de agosto de 2017

O Filme da Minha Vida


Pai e Filho

O escritor chileno Antonio Skármeta é uma inesgotável fonte de inspiração para os cineastas e roteiristas atentos. Michael Redford levou para a telona o best-seller O Carteiro e o Poeta (1994); Fernando Trueba realizou A Dançarina e o Ladrão (2009) com base no romance O Baile da Vitória; já o conterrâneo Pablo Larraín adaptou para o cinema uma peça inédita El Plebiscito e consagrou-se com No (2012), indicado pelo seu país ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O mineiro Selton Mello, por uma daquelas felizes coincidências da vida num encontro casual, teve sugerido pelo próprio romancista que lhe deu a ideia para adaptar seu livro Um Pai de Cinema. Era o que faltava para materializar seu terceiro longa-metragem, rebatizado de O Filme da Minha Vida, transpondo a história do interior do Chile dos anos de 1950 para a serra gaúcha, com locações nos municípios de Bento Gonçalves e Garibaldi (RS), na década de 1960, com a colaboração do roteirista Marcelo Vindicatto.

Um enredo que tem por tema a recorrente relação do núcleo familiar e o vínculo afetivo entre pai e filho, com um cenário estonteante de paisagens e brumas captadas pelas lentes do renomado diretor de fotografia Walter Carvalho. Selton segue sua trajetória intimista, como já o fizera na excelente estreia com o denso drama Feliz Natal (2008), ao abordar os vínculos de família corroídos pelo tempo e o balanço da vida do personagem principal, nas busca de reencontrar-se com o mundo. Na realização anterior, O Palhaço (2011) foi visto por mais de 1,5 milhão de pessoas, com sucesso de público e aclamado pela crítica, demonstrou todo seu talento no mergulho circense de personagens que buscam pelo interior do Brasil suas glórias e a maneira de sobreviver em um retrato fiel dos bastidores e a difícil arte de fazer rir, com ar melancólico e saudosista dos velhos palhaços. Um estilo muito semelhante na forma encontrada naquela galeria de figuras bizarras e a peregrinação pelas estradas poeirentas no paradigmático Bye Bye Brasil (1979), de Cacá Diegues, que tinha no roteiro três artistas mambembes cruzando o país, fazendo espetáculos para o setor mais humilde da população que ainda não tinham acesso à televisão.

O Filme da Minha Vida é uma trama intimista numa viagem ao passado, quando Tony Terranova (Johnny Massaro- de impecável desempenho), um jovem professor de 20 anos volta dos estudos da Capital para sua cidade natal, a fictícia Remanso, é surpreendido com a notícia de que seu pai, Nicolas (o consagrado ator francês Vincent Cassel) havia retornado para a França, seu país de origem, sob alegação de sentir falta dos amigos. Surge uma nova realidade, logo começa a lecionar para uma turma de adolescentes que, como ele, lidam com os conflitos e as inexperiências juvenis. O recém-chegado rapaz está diante da ausência daquele homem que lhe ensinou a andar de bicicleta, dar bons conselhos e, principalmente, amar o cinema acima de tudo, falando sempre de como gostar de bons filmes. As lembranças são doloridas e a saudade é imensurável e, além de tudo, observa a mãe (Ondina Clais) sofrendo em silêncio e sem dar maiores explicações sobre o abandono do marido.

Como Leon Tolstoi que ensinava: ao falar de sua aldeia estará falando do mundo, Selton desenvolve um painel romântico e enfatiza as vicissitudes da vida, a beleza de seu lugar com aparência de certa ingenuidade dos habitantes dali e as mazelas decorrentes das ocorrências naturais do cotidiano e pertinentes do ser humano. Aproxima-se de Luna (Bruna Linzmeyer), uma bela garota com quem pretende namorar, mas apenas flerta de longe na fase inicial, e que tem na estranha irmã (Beatriz Arantes), a chave do enigma que irá se desvendar no epílogo, além do vizinho e suposto amigo Paco (Selton Mello), um esquisito criador de porcos que nutre uma paixão velada pela sua mãe. É com ele que irá até o prostíbulo na cidade vizinha Fronteira para alguns fugazes momentos de prazer, onde aparece em rápidas cenas Skármeta como proprietário do bordel, ao melhor estilo Hitchcock, marcando presença. Completa o elenco o maquinista (Rolando Boldrin) e sua filosofia sobre a pressa em dar partida ao trem Maria Fumaça, com o olhar de testemunha dos fatos que pairam naquele lugar de poucos acontecimentos. Apesar de invasiva em algumas cenas, a trilha sonora é da melhor qualidade, com canções francesas primorosas, em especial, Charles Aznavour com Hier Encore e sua peculiar interpretação retratando os vinte anos; passando por Coração de Papel, com Sérgio Reis, uma antiga música que fez sucesso no início da carreira do cantor, que depois se desviou para o sertanejo.

Um filme que se debruça sobre as reminiscências e a angústia do tempo que custa a passar, com um tom nostálgico das lembranças do passado que se confundem com o presente, através de memórias e alguns flashbacks entre o pai e o filho na infância alegre, que direciona para o encontro inusitado na saída da sessão, na qual Tony assistia O Rio Vermelho (1948), o clássico faroeste do mestre Howard Hawks com o mocinho interpretado pelo lendário John Wayne. Embora esteja aquém das obras anteriores, sem uma pretensão maior como consistência de uma reflexão aprofundada, O Filme da Minha Vida é o mais disperso dos três, ainda que haja uma poética narrativa, com um elenco homogêneo em que ninguém chega a destoar, com uma fotografia esplendorosa e uma trilha que embala com deliciosas melodias. Um passeio ao passado sem pieguismos, com muitas imagens e uma visão onírica bem centrada numa fantasia de muito humanismo, doçura e um desfecho bem aos moldes dos velhos romances nostálgicos entrelaçados, sem perder a ternura para os incômodos conflitos que se sucedem, com a assinatura deste realizador que segue fazendo carreira como ator e conquista bons subsídios para uma promissora jornada por trás das câmeras com o olhar sutil para as delicadezas do microcosmo familiar.

2 comentários:

Marcelo Tchelos disse...

Muito bom, quero ver esse filme, me motivou, adoro Selton, valeuuuuu

Roni Figueiró disse...

Um bom filme, Marcelo. Não é o melhor do Selton.