Pai e Filho
O escritor chileno Antonio Skármeta é uma inesgotável fonte
de inspiração para os cineastas e roteiristas atentos. Michael Redford levou
para a telona o best-seller O Carteiro e o Poeta (1994); Fernando
Trueba realizou A Dançarina e o Ladrão
(2009) com base no romance O Baile da
Vitória; já o conterrâneo Pablo Larraín adaptou para o cinema uma peça
inédita El Plebiscito e consagrou-se
com No (2012), indicado pelo seu país
ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O mineiro Selton Mello, por uma daquelas
felizes coincidências da vida num encontro casual, teve sugerido pelo próprio
romancista que lhe deu a ideia para adaptar seu livro Um Pai de Cinema. Era o que faltava para materializar seu terceiro
longa-metragem, rebatizado de O Filme da
Minha Vida, transpondo a história do interior do Chile dos anos de 1950 para
a serra gaúcha, com locações nos municípios de Bento Gonçalves e Garibaldi (RS),
na década de 1960, com a colaboração do roteirista Marcelo Vindicatto.
Um enredo que tem por tema a recorrente relação do núcleo
familiar e o vínculo afetivo entre pai e filho, com um cenário estonteante de
paisagens e brumas captadas pelas lentes do renomado diretor de fotografia
Walter Carvalho. Selton segue sua trajetória intimista, como já o fizera
na excelente estreia com o denso drama Feliz Natal (2008), ao abordar os vínculos de família corroídos pelo tempo e
o balanço da vida do personagem principal, nas busca de reencontrar-se com o
mundo. Na realização anterior, O Palhaço
(2011) foi visto por mais de 1,5 milhão de pessoas, com sucesso de público e
aclamado pela crítica, demonstrou todo seu talento no mergulho circense de
personagens que buscam pelo interior do Brasil suas glórias e a maneira de
sobreviver em um retrato fiel dos bastidores e a difícil arte de fazer rir, com
ar melancólico e saudosista dos velhos palhaços. Um estilo muito semelhante na
forma encontrada naquela galeria de figuras bizarras e a peregrinação pelas
estradas poeirentas no paradigmático Bye
Bye Brasil (1979), de
Cacá Diegues, que tinha no roteiro três artistas mambembes cruzando o país, fazendo espetáculos para
o setor mais humilde da população que ainda não tinham acesso à televisão.
O Filme da Minha Vida
é uma trama intimista numa viagem ao passado, quando Tony Terranova (Johnny
Massaro- de impecável desempenho), um jovem professor de 20 anos volta dos
estudos da Capital para sua cidade natal, a fictícia Remanso, é surpreendido
com a notícia de que seu pai, Nicolas (o consagrado ator francês Vincent
Cassel) havia retornado para a França, seu país de origem, sob alegação de
sentir falta dos amigos. Surge uma nova realidade, logo começa a lecionar para
uma turma de adolescentes que, como ele, lidam com os conflitos e as inexperiências
juvenis. O recém-chegado rapaz está diante da ausência daquele homem que lhe
ensinou a andar de bicicleta, dar bons conselhos e, principalmente, amar o
cinema acima de tudo, falando sempre de como gostar de bons filmes. As
lembranças são doloridas e a saudade é imensurável e, além de tudo, observa a
mãe (Ondina Clais) sofrendo em silêncio e sem dar maiores explicações sobre o
abandono do marido.
Como Leon Tolstoi que ensinava: ao falar de sua aldeia
estará falando do mundo, Selton desenvolve um painel romântico e enfatiza as
vicissitudes da vida, a beleza de seu lugar com aparência de certa ingenuidade
dos habitantes dali e as mazelas decorrentes das ocorrências naturais do
cotidiano e pertinentes do ser humano. Aproxima-se de Luna (Bruna Linzmeyer),
uma bela garota com quem pretende namorar, mas apenas flerta de longe na fase
inicial, e que tem na estranha irmã (Beatriz Arantes), a chave do enigma que
irá se desvendar no epílogo, além do vizinho e suposto amigo Paco (Selton
Mello), um esquisito criador de porcos que nutre uma paixão velada pela sua
mãe. É com ele que irá até o prostíbulo na cidade vizinha Fronteira para alguns
fugazes momentos de prazer, onde aparece em rápidas cenas Skármeta como
proprietário do bordel, ao melhor estilo Hitchcock, marcando presença. Completa
o elenco o maquinista (Rolando Boldrin) e sua filosofia sobre a pressa em dar
partida ao trem Maria Fumaça, com o olhar de testemunha dos fatos que pairam
naquele lugar de poucos acontecimentos. Apesar de invasiva em algumas cenas, a
trilha sonora é da melhor qualidade, com canções francesas primorosas, em
especial, Charles Aznavour com Hier
Encore e sua peculiar interpretação retratando os vinte anos; passando por Coração de Papel, com Sérgio Reis, uma
antiga música que fez sucesso no início da carreira do cantor, que depois se desviou
para o sertanejo.
Um filme que se debruça sobre as reminiscências e a angústia
do tempo que custa a passar, com um tom nostálgico das lembranças do passado
que se confundem com o presente, através de memórias e alguns flashbacks entre o pai e o filho na
infância alegre, que direciona para o encontro inusitado na saída da sessão, na
qual Tony assistia O Rio Vermelho
(1948), o clássico faroeste do mestre Howard Hawks com o mocinho interpretado
pelo lendário John Wayne. Embora esteja aquém das obras anteriores, sem uma
pretensão maior como consistência de uma reflexão aprofundada, O Filme da Minha Vida é o mais disperso dos
três, ainda que haja uma poética narrativa, com um elenco homogêneo em que
ninguém chega a destoar, com uma fotografia esplendorosa e uma trilha que
embala com deliciosas melodias. Um passeio ao passado sem pieguismos, com muitas
imagens e uma visão onírica bem centrada numa fantasia de muito humanismo,
doçura e um desfecho bem aos moldes dos velhos romances nostálgicos
entrelaçados, sem perder a ternura para os incômodos conflitos que se sucedem,
com a assinatura deste realizador que segue fazendo carreira como ator e
conquista bons subsídios para uma promissora jornada por trás das câmeras com o
olhar sutil para as delicadezas do microcosmo familiar.
2 comentários:
Muito bom, quero ver esse filme, me motivou, adoro Selton, valeuuuuu
Um bom filme, Marcelo. Não é o melhor do Selton.
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