quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Afterimage


Arte e Política

Afterimage é o derradeiro filme do longevo cineasta polonês Andrzev Wajda, morto ano passado, aos 90 anos, em 9 de outubro, logo após o lançamento no Festival de Toronto, no Canadá, em 10 de setembro de 2016. Considerado um dos maiores diretores de todos os tempos, começou a estudar cinema depois da Segunda Guerra Mundial, na qual participou lutando com a Resistência Francesa, em 1942. Deixou um legado histórico e significativo para a sétima arte, com realizações abrangentes e muitas reflexões na construção de uma filmografia poderosa de humanismo e crítica contumaz da política repressora pela subserviência de seu país. Conquistou a Palma de Ouro em Cannes com O Homem de Ferro (1981), dirigiu os inesquecíveis Cinzas e Diamantes (1958), Terra Prometida (1974), O Homem de Mármore (1976), Danton- O Processo da Revolução (1982) e Katyn (2007). Pela trajetória de participação com quatro longas na disputa de melhor filme estrangeiro, ganhou em 2000 um Oscar honorário pelo conjunto da obra.

Sua despedida se deu em alto nível e novamente marca presença positiva com este drama biográfico, uma narrativa sem subterfúgios e com profundidade sobre a vida do pintor vanguardista Wladyslaw Strzeminski (1893-1952), nascido na Bielorrússia, mas cidadão polonês, com a estupenda interpretação de Boguslaw Linda. O cenário temporal da magnífica reconstituição de época vai de 1948 a 1952, num retrato das dificuldades físicas pela deficiência da falta de uma perna e um braço do artista, que sofre com o ódio, a crueldade e a indiferença das autoridades da Polônia, por ter batido de frente contra o cerceamento político e cultural às suas pinturas pelos soviéticos depois da II Guerra Mundial. Porém, apesar de toda a censura e castigo, torna-se um dos mais aclamados e renomados criadores do século XX.

Wajda mostra com realismo a dor e a amargura dos quadros sendo destruídos e apagados da memória de uma sociedade sufocada. O biografado sofre humilhações públicas por não conseguir emprego em lugar algum, diante de sua desobediência em aderir ao regime totalitário imposto pela extinta URSS, além da perseguição à filha (Bronislawa Zamachowska), com quem tem uma relação conturbada desde a separação da ex-esposa, também há ameaças e hostilidades diretas aos fiéis alunos da arte em seu local de trabalho. O prólogo do drama já dá indícios e evidenciam dificuldades que teria, na bela alegoria dos entraves físicos, quando rola como uma bola por um barranco abaixo para receber uma nova aluna que se juntará com o grupo de estudantes no campo da Escola Belas Artes de Lodz. Nas aulas, o seleto grupo fica atento à explicação do mestre sobre o sentido da imagem residual que permanece na visão após a versão original ser observada, dando novas cores e formas, que dá título ao longa-metragem da expressão Powidoki.

O cultuado cineasta Aleksandr Sokurov já havia retratado esta temática instigante sobre a opressão e o poder da arte em Francofonia- Louvre Sob Ocupação (2015), ao flutuar de uma simples narrativa para mesclar um docudrama, rompendo padrões clássicos na abordagem com desenvoltura e iluminar estas relações com a força dos usurpadores, através da sedução pela bela caminhada no Museu do Louvre, o singular templo edificante da civilização na preservação da história. Wajda denuncia para sugerir a interação e a aproximação, estreitando as distâncias no conjunto de aspectos peculiares, artísticos, morais e materiais de épocas dos países e das sociedades em seus falsos picos revolucionistas. Renova e não deixa margem para dúvidas no seu libelo contra os desmandos ditatoriais com um visual arrebatador da manutenção e da exaltação à arte como forma de sair da escuridão pelos caminhos mostrados como irreversíveis da resistência. Um período obscuro refletido no cinza captado nas imagens da fabulosa fotografia que dá uma conotação de uma visão dos tempos duros de imposição ferrenha aos amigos solidários, além dos alunos seguidores do artista que são jogados no ostracismo por serem resistentes à ética da preservação de um ideal sonhado.

Afterimage é um filme exemplar pela singularidade em seu contexto para celebrar o ocaso de um gênio da criação e da essência cinematográfica. Um retrato fidedigno da abrupta ocupação nazista em conluio com a Rússia que sustentou com toda a potência tirana pelo poderio bélico, subjugando seu país para o comunismo, sem deixar opção para outro regime. Strzeminski foi um dos fundadores do primeiro museu de arte da Polônia e um dos principais da Europa, mas mesmo assim não foi relevado, pois seu crime fora imperdoável, tendo em vista que as acusações se deveram pelo não engajamento cultural doutrinário para implantar o realismo preconizado pelo socialismo que alijaria o rigor estético formal sem ideologias de cunho político. O artista repelia terminantemente qualquer tipo de fusão, defendia a liberdade de expressão pela pureza da arte inspirada, refutando ideias e dogmas ditados por generais de plantão com o intuito de atrair o povo polonês para um sistema por decreto, através da burocracia dominante comandada por um vil ministro da Cultura simpático à intervenção. Uma narrativa com fôlego exemplar que foge da obviedade e amplia a universalidade do tema, que encontra sustentação no roteiro enxuto e direto de uma atmosfera que vem à tona com lucidez humanista, bem alicerçada neste vigoroso drama que encerrou a carreira com dignidade de Andrzev Wajda.

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