Arte e Política
Afterimage é o
derradeiro filme do longevo cineasta polonês Andrzev Wajda, morto ano passado,
aos 90 anos, em 9 de outubro, logo após o lançamento no Festival de Toronto, no
Canadá, em 10 de setembro de 2016. Considerado um dos maiores diretores de todos
os tempos, começou a estudar cinema depois da Segunda Guerra Mundial, na qual
participou lutando com a Resistência Francesa, em 1942. Deixou um legado
histórico e significativo para a sétima arte, com realizações abrangentes e muitas
reflexões na construção de uma filmografia poderosa de humanismo e crítica
contumaz da política repressora pela subserviência de seu país. Conquistou a
Palma de Ouro em Cannes com O Homem de
Ferro (1981), dirigiu os inesquecíveis Cinzas
e Diamantes (1958), Terra Prometida
(1974), O Homem de Mármore (1976), Danton- O Processo da Revolução (1982) e
Katyn (2007). Pela trajetória de
participação com quatro longas na disputa de melhor filme estrangeiro, ganhou
em 2000 um Oscar honorário pelo conjunto da obra.
Sua despedida se deu em alto nível e novamente marca
presença positiva com este drama biográfico, uma narrativa sem subterfúgios e com
profundidade sobre a vida do pintor vanguardista Wladyslaw Strzeminski
(1893-1952), nascido na Bielorrússia, mas cidadão polonês, com a estupenda
interpretação de Boguslaw Linda. O cenário temporal da magnífica reconstituição
de época vai de 1948 a
1952, num retrato das dificuldades físicas pela deficiência da falta de uma
perna e um braço do artista, que sofre com o ódio, a crueldade e a indiferença
das autoridades da Polônia, por ter batido de frente contra o cerceamento
político e cultural às suas pinturas pelos soviéticos depois da II Guerra Mundial.
Porém, apesar de toda a censura e castigo, torna-se um dos mais aclamados e
renomados criadores do século XX.
Wajda mostra com realismo a dor e a amargura dos quadros
sendo destruídos e apagados da memória de uma sociedade sufocada. O biografado
sofre humilhações públicas por não conseguir emprego em lugar algum, diante de
sua desobediência em aderir ao regime totalitário imposto pela extinta URSS,
além da perseguição à filha (Bronislawa Zamachowska), com quem tem uma relação conturbada desde a separação da
ex-esposa, também há ameaças e hostilidades diretas aos fiéis alunos da arte em
seu local de trabalho. O prólogo do drama já dá indícios e evidenciam dificuldades
que teria, na bela alegoria dos entraves físicos, quando rola como uma bola por
um barranco abaixo para receber uma nova aluna que se juntará com o grupo de
estudantes no campo da Escola Belas Artes de Lodz. Nas aulas, o seleto grupo
fica atento à explicação do mestre sobre o sentido da imagem residual que
permanece na visão após a versão original ser observada, dando novas cores e
formas, que dá título ao longa-metragem da expressão Powidoki.
O cultuado cineasta Aleksandr Sokurov já havia retratado esta
temática instigante sobre a opressão e o poder da arte em Francofonia- Louvre Sob Ocupação (2015), ao flutuar de uma simples narrativa para mesclar
um docudrama, rompendo padrões clássicos na abordagem com desenvoltura e
iluminar estas relações com a força dos usurpadores, através da sedução pela
bela caminhada no Museu do Louvre, o singular templo edificante da civilização
na preservação da história. Wajda denuncia para sugerir a interação e a
aproximação, estreitando as distâncias no conjunto de aspectos peculiares,
artísticos, morais e materiais de épocas dos países e das sociedades em seus falsos
picos revolucionistas. Renova e não deixa margem para dúvidas no seu libelo
contra os desmandos ditatoriais com um visual arrebatador da manutenção e da
exaltação à arte como forma de sair da escuridão pelos caminhos mostrados como
irreversíveis da resistência. Um período obscuro refletido no cinza captado nas
imagens da fabulosa fotografia que dá uma conotação de uma visão dos tempos
duros de imposição ferrenha aos amigos solidários, além dos alunos seguidores
do artista que são jogados no ostracismo por serem resistentes à ética da
preservação de um ideal sonhado.
Afterimage é um
filme exemplar pela singularidade em seu contexto para celebrar o ocaso de um gênio
da criação e da essência cinematográfica. Um retrato fidedigno da abrupta
ocupação nazista em conluio com a Rússia que sustentou com toda a potência
tirana pelo poderio bélico, subjugando seu país para o comunismo, sem deixar
opção para outro regime. Strzeminski foi um dos fundadores do primeiro museu de
arte da Polônia e um dos principais da Europa, mas mesmo assim não foi
relevado, pois seu crime fora imperdoável, tendo em vista que as acusações se
deveram pelo não engajamento cultural doutrinário para implantar o realismo
preconizado pelo socialismo que alijaria o rigor estético formal sem ideologias
de cunho político. O artista repelia terminantemente qualquer tipo de fusão,
defendia a liberdade de expressão pela pureza da arte inspirada, refutando ideias
e dogmas ditados por generais de plantão com o intuito de atrair o povo polonês
para um sistema por decreto, através da burocracia dominante comandada por um
vil ministro da Cultura simpático à intervenção. Uma narrativa com fôlego exemplar
que foge da obviedade e amplia a universalidade do tema, que encontra
sustentação no roteiro enxuto e direto de uma atmosfera que vem à tona com
lucidez humanista, bem alicerçada neste vigoroso drama que encerrou a carreira com
dignidade de Andrzev Wajda.
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