Encurralados
O filme Dunkirk- a
versão nacional mantém o título em inglês-
foi inspirado na história verídica da Operação Dínamo, na qual houve o
resgate histórico realizado no início da Segunda Guerra Mundial, para salvar cerca
de 400 mil homens das tropas aliadas da Inglaterra, França, Bélgica e Escócia.
Foram literalmente encurralados contra o Canal da Mancha pelas forças do
exército e aeronáutica nazistas de Adolf Hitler na Praia de Dunquerque, no
Norte do território francês, numa batalha feroz sem limites e de proporções
gigantescas. O local é raso e só na ponta do molhe que avança mar adentro
haveria alguma possibilidade de atracar os destróieres que tentam
desesperadamente recolher as filas enormes dos soldados acuados e sem uma
perspectiva de fugir daquele lugar inóspito, um buraco sem saída, com a morte
rondando a cada minuto.
O longa-metragem dirigido com habilidade pelo britânico
Christopher Nolan, o mesmo do suspense Amnésia
(2000), o drama O Grande Truque
(2006), a ficção científica A Origem
(2010), o super-herói Batman- O
Cavaleiro das Trevas (2008), e Interestelar
(2014). Um cineasta adequado para a combinação de suspense e entretenimento
para o cinema-espetáculo. Realiza com bastante fôlego esta superprodução de
guerra, numa abordagem de muito realismo e dificuldades extremas para a missão
do resgate de milhares de combatentes durante o intenso bombardeiro aéreo,
problemas com a maré baixa para os navios ancorarem. O governo britânico
através de seu primeiro-ministro, Winston Churchill faz um discurso eufórico ao
pedir ajuda aos civis ingleses para que, solidariamente, em seus barcos
particulares de pesca, iates de passeios, botes e traineiras ajudem e façam
quase que uma missão impossível na praia francesa, ou seja, trazer de volta
para casa os compatriotas prioritariamente, como se vê nas cenas dramáticas de
sobrevivência, deixando em segundo plano os coitados dos aliados.
A história é contada em três momentos distintos e
entrelaçada, no fim de maio de 1940: explora a experiência nas batalhas por
terra; foca com precisão os pilotos rasgando o céu em combates e perseguições a
aviões caças alemães pelos ingleses; e dá uma entonação de intensidade com
muito frenesi em alto-mar, no confronto de gigantes das forças aéreas
despejando bombas sobre as cabeças dos soldados da força resistente aliada, bem
como a tentativa dramática de socorrer os sobreviventes dos destroços dos
navios em chamas afundando. Acompanha o piloto Farrier (Tom Hardy) que precisa
destruir um avião inimigo; mostra o conterrâneo civil britânico Dawson (Mark
Rylance) levando seu barco de passeio para ajudar a resgatar o exército de seu
país; além do jovem soldado Tommy (Fionn Whitehead) como símbolo do medo da
morte e sua luta para escapar de qualquer maneira. Porém está bem aquém do inesquecível
prólogo do notável O Resgate do Soldado
Ryan (1998), de Steven Spielberg.
O épico faz um retrato da falta de provisões e de água potável,
das dificuldades de recuperação dos feridos, a estratégia errada do local para
os combates, além da preferência pela retirada dos militares britânicos, com
algumas pitadas leves de crítica social aos governos da época, exceto um
personagem que questiona superficialmente sobre os filhos que morrem no front por culpa de quem os empurra para
lá, bem distante do arrebatador discurso feito em tom de protesto no admirável
drama Frantz (2016), de François Ozon.
Dunkirk está mais para um tributo
respeitoso ao império britânico derrotado do que uma homenagem reverencial às
vítimas das forças aliadas, ou ainda um libelo antibelicista. Embora a dor das
perdas e a derrota estejam estampadas nos rostos dos heróis sobreviventes, o
cineasta não deixa de dar uma patriotada no desfecho, que evidencia as
pretensões da obra e seu cunho de parcialidade, com didatismo de valores da
tradição e da família, como visto em Argo
(2012), pelo produtor, diretor e ator Ben Affleck. Eis um filme de guerra para
ser visto em tela grande, de preferência em Imax, tendo vista que foi rodado em
70 milímetros ,
é desaconselhável ser assistido em plataformas de streaming, que perderia em muito a qualidade do som e na grandiloquência
das cenas pirotécnicas de bombardeiros por terra, mar e ar.
Demora um pouco, mas logo os personagens se cruzam em suas
sagas de luta num roteiro flexível e complexo pelo clímax neurotizante sem
tempo para muitas delongas, deixando o fervor do cenário se diversificar. Há
poucos diálogos, muitas bombas quase que ininterruptas explodindo e corpos
boiando como reflexo de uma carnificina doentia pela estupidez humana, mas com
uma reflexão pálida e sem um aprofundamento das causas e com raros questionamentos.
Os efeitos se sobressaem para dar um tom de cinemão para aquele espectador
menos exigente com teorias e satisfeito com o resultado aterrador imposto aos seus
olhos de testemunha dos fatos, sem se preocupar com as redundâncias do realizador
pelo extravagante som dos ruídos dos motores confundido com a trilha sonora de um
melodrama lacrimejante e da imagem repetitiva captada no meio do turbilhão. A
fotografia oscila entre cores radiantes para um saturamento de uma tomada em
Tecnicolor completamente ultrapassada. Uma obra com o viés politicamente correto,
que quase funciona quando retrata as individualidades, mas derrapa ao negligenciar
as causas políticas e econômicas que
pairam da loucura dos conflitos coletivos da chacina dos mortos pela
irracionalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário