terça-feira, 1 de agosto de 2017

Dunkirk


Encurralados

O filme Dunkirk- a versão nacional mantém o título em inglês- foi inspirado na história verídica da Operação Dínamo, na qual houve o resgate histórico realizado no início da Segunda Guerra Mundial, para salvar cerca de 400 mil homens das tropas aliadas da Inglaterra, França, Bélgica e Escócia. Foram literalmente encurralados contra o Canal da Mancha pelas forças do exército e aeronáutica nazistas de Adolf Hitler na Praia de Dunquerque, no Norte do território francês, numa batalha feroz sem limites e de proporções gigantescas. O local é raso e só na ponta do molhe que avança mar adentro haveria alguma possibilidade de atracar os destróieres que tentam desesperadamente recolher as filas enormes dos soldados acuados e sem uma perspectiva de fugir daquele lugar inóspito, um buraco sem saída, com a morte rondando a cada minuto.

O longa-metragem dirigido com habilidade pelo britânico Christopher Nolan, o mesmo do suspense Amnésia (2000), o drama O Grande Truque (2006), a ficção científica A Origem (2010), o super-herói Batman- O Cavaleiro das Trevas (2008), e Interestelar (2014). Um cineasta adequado para a combinação de suspense e entretenimento para o cinema-espetáculo. Realiza com bastante fôlego esta superprodução de guerra, numa abordagem de muito realismo e dificuldades extremas para a missão do resgate de milhares de combatentes durante o intenso bombardeiro aéreo, problemas com a maré baixa para os navios ancorarem. O governo britânico através de seu primeiro-ministro, Winston Churchill faz um discurso eufórico ao pedir ajuda aos civis ingleses para que, solidariamente, em seus barcos particulares de pesca, iates de passeios, botes e traineiras ajudem e façam quase que uma missão impossível na praia francesa, ou seja, trazer de volta para casa os compatriotas prioritariamente, como se vê nas cenas dramáticas de sobrevivência, deixando em segundo plano os coitados dos aliados.

A história é contada em três momentos distintos e entrelaçada, no fim de maio de 1940: explora a experiência nas batalhas por terra; foca com precisão os pilotos rasgando o céu em combates e perseguições a aviões caças alemães pelos ingleses; e dá uma entonação de intensidade com muito frenesi em alto-mar, no confronto de gigantes das forças aéreas despejando bombas sobre as cabeças dos soldados da força resistente aliada, bem como a tentativa dramática de socorrer os sobreviventes dos destroços dos navios em chamas afundando. Acompanha o piloto Farrier (Tom Hardy) que precisa destruir um avião inimigo; mostra o conterrâneo civil britânico Dawson (Mark Rylance) levando seu barco de passeio para ajudar a resgatar o exército de seu país; além do jovem soldado Tommy (Fionn Whitehead) como símbolo do medo da morte e sua luta para escapar de qualquer maneira. Porém está bem aquém do inesquecível prólogo do notável O Resgate do Soldado Ryan (1998), de Steven Spielberg.

O épico faz um retrato da falta de provisões e de água potável, das dificuldades de recuperação dos feridos, a estratégia errada do local para os combates, além da preferência pela retirada dos militares britânicos, com algumas pitadas leves de crítica social aos governos da época, exceto um personagem que questiona superficialmente sobre os filhos que morrem no front por culpa de quem os empurra para lá, bem distante do arrebatador discurso feito em tom de protesto no admirável drama Frantz (2016), de François Ozon. Dunkirk está mais para um tributo respeitoso ao império britânico derrotado do que uma homenagem reverencial às vítimas das forças aliadas, ou ainda um libelo antibelicista. Embora a dor das perdas e a derrota estejam estampadas nos rostos dos heróis sobreviventes, o cineasta não deixa de dar uma patriotada no desfecho, que evidencia as pretensões da obra e seu cunho de parcialidade, com didatismo de valores da tradição e da família, como visto em Argo (2012), pelo produtor, diretor e ator Ben Affleck. Eis um filme de guerra para ser visto em tela grande, de preferência em Imax, tendo vista que foi rodado em 70 milímetros, é desaconselhável ser assistido em plataformas de streaming, que perderia em muito a qualidade do som e na grandiloquência das cenas pirotécnicas de bombardeiros por terra, mar e ar.

Demora um pouco, mas logo os personagens se cruzam em suas sagas de luta num roteiro flexível e complexo pelo clímax neurotizante sem tempo para muitas delongas, deixando o fervor do cenário se diversificar. Há poucos diálogos, muitas bombas quase que ininterruptas explodindo e corpos boiando como reflexo de uma carnificina doentia pela estupidez humana, mas com uma reflexão pálida e sem um aprofundamento das causas e com raros questionamentos. Os efeitos se sobressaem para dar um tom de cinemão para aquele espectador menos exigente com teorias e satisfeito com o resultado aterrador imposto aos seus olhos de testemunha dos fatos, sem se preocupar com as redundâncias do realizador pelo extravagante som dos ruídos dos motores confundido com a trilha sonora de um melodrama lacrimejante e da imagem repetitiva captada no meio do turbilhão. A fotografia oscila entre cores radiantes para um saturamento de uma tomada em Tecnicolor completamente ultrapassada. Uma obra com o viés politicamente correto, que quase funciona quando retrata as individualidades, mas derrapa ao negligenciar as causas políticas e econômicas que pairam da loucura dos conflitos coletivos da chacina dos mortos pela irracionalidade.

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