Solidão Feminina
No apagar da luzes de 2016, eis que surge da Polônia em
coprodução com a Suécia Estados Unidos
Pelo Amor, terceiro longa-metragem do promissor diretor e roteirista Tomasz
Wasilewski, de 36 anos. Uma fabulosa mescla de crítica social com drama
intimista sobre os destinos de quatro mulheres que querem mudar radicalmente
para buscar a felicidade, por isto darão asas para seus futuros. Elas estão
inseridas no meio do histórico fato da queda do Muro de Berlim, em 1990, o que leva os poloneses a vivenciarem um momento de euforia e liberdade, mas paradoxalmente
ao mesmo tempo as incertezas rondam fortemente suas aspirações profissionais,
como indica o prólogo da reunião familiar durante um aprazível jantar. Foi
laureado como o vencedor do Urso de Prata de melhor roteiro no Festival de
Berlim do ano passado e levou o Prêmio José Carlos Avellar de experimentação da
linguagem no BIFF- Festival Internacional de Cinema de Brasília. O cineasta tem
em filmografia os anteriores In a Bedroom
(2012) e Um Mergulho no Espaço
(2013).
A história é muito bem construída com subsídios exemplares
num cenário propício de dias esperançosos nesse contexto. Agata (Julia
Kijowska) é uma jovem mãe em um casamento sem amor, infeliz e turbulento, que mergulha
no imaginário platônico de um relacionamento impossível ao sonhar com um padre
da comunidade, evita o repulsivo toque do marido. Renata (Dorota Kolak) é uma idosa
professora de literatura russa, convive em seu apartamento na companhia de vários
pássaros, é apaixonada pela solitária vizinha Marzena (Marta Nieradkiewicz),
uma ex-miss casada com um alemão que trabalha no exterior, é professora de
educação física e se envolve fortuitamente com um fotógrafo maníaco. Já Iza
(Magdalena Cielecka), irmã de Marzena, é diretora do colégio em que Renata leciona, torna-se
amante de um médico casado e pai de um dos seus alunos, por quem ama loucamente,
faz de tudo para conquistá-lo em definitivo quando ele fica viúvo.
Estados Unidos Pelo
Amor faz um resgate das fantasias contidas naquele universo restrito e
busca desenterrar a felicidade, ao colocar em xeque o papel da Polônia sobre os
novos rumos do mundo, além da reunificação da Alemanha e da extinção iminente
da União Soviética, como pano de fundo para uma narrativa densa, silenciosa e
melancólica daquele quarteto de mulheres frustradas pelos seus problemas
psicológicos que afloram com abundância as inquietudes adormecidas. Há uma
derrocada pessoal, através dos devaneios e verossimilhanças de amores malogrados
e partidos pelo tempo. Abafa-se a explosão catártica individual de emoções para
impedir o coletivo flagrantemente, embora desmistificadora nas almas femininas
que pululam e clamam para serem entendidas, tendo em vista que elas estão
cobrando uma posição e um comportamento de reconhecimento das lacunas pelas doloridas
fendas abertas que continuam sufocadas.
O epílogo sombrio remete para a obra-prima Gritos e Sussurros (1972), de Ingmar
Bergman, diante
da profunda imersão em suas próprias dores psíquicas que as personagens passam,
beirando situações autodestrutivas no consolo e na empatia solidária entre
elas. Um filme que aprofunda questões com imagens contundentes repletas de
mistério na recriação de época, num cenário realçado e propício para um clímax em
tons pastéis esmaecidos quase preto e branco, com locações num enorme
condomínio suburbano com ênfase na frieza dos relacionamentos, pelo competente
fotógrafo da República da Moldávia Oleg Mutu, que deu show visual em 4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias (2007), do
romeno Cristian Mungiu e Na Neblina
(2012), do russo Sergei Loznitsa. A narrativa visceral é um ótimo exemplo de um
enredo bem construído de bons diálogos, numa trama com ingredientes de dramaticidade
dos personagens bem condensadas num roteiro eficiente e de muita sutileza sobre
a temática sem estereótipos, em situações alucinantes para a reflexão das
dúvidas amorosas e a liberalidade sexual, como as descobertas e os sonhos
prazerosos nas cenas picantes de sexo intenso e com realismo.
O longa é uma daquelas realizações marcantes e dignas de
constar na galeria das obras que mergulham na alma e no âmago de seres humanos
perturbados por fatores diversos da plena consciência. Um painel de relatos que
impressiona e instiga pela ousadia na mescla de temáticas, principalmente pela maneira
como são colocados os fatos em consonância com as dores das personagens bem
focados numa angustiante monotonia. A tensão aumenta e o fio do nó irá se
desatando, com as revelações e as carências afetivas sendo literalmente expostas
como vísceras, num clima que vai se construindo com todas as gradações de
nuances do cotidiano tedioso. Um mergulho no sofrimento e na tristeza das
perdas amorosas e a solidão que se escancara como resultado final, mas no seu
contexto reflexivo há muito mais, como as remoções para os primeiros passos até
atingis a liberdade e suas opções livres, como encaminha Wasilewski dentro de
uma proposta madura, afastando os preconceitos das amarras repressivas, neste
espetacular drama sensível polonês contemporâneo com significativo erotismo e
suas abordagens sobre seus espaços num universo de igualdades, mesmo que
desemboque em rupturas estruturais na sociedade.
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