terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Estados Unidos Pelo Amor


Solidão Feminina

No apagar da luzes de 2016, eis que surge da Polônia em coprodução com a Suécia Estados Unidos Pelo Amor, terceiro longa-metragem do promissor diretor e roteirista Tomasz Wasilewski, de 36 anos. Uma fabulosa mescla de crítica social com drama intimista sobre os destinos de quatro mulheres que querem mudar radicalmente para buscar a felicidade, por isto darão asas para seus futuros. Elas estão inseridas no meio do histórico fato da queda do Muro de Berlim, em 1990, o que leva os poloneses a vivenciarem um momento de euforia e liberdade, mas paradoxalmente ao mesmo tempo as incertezas rondam fortemente suas aspirações profissionais, como indica o prólogo da reunião familiar durante um aprazível jantar. Foi laureado como o vencedor do Urso de Prata de melhor roteiro no Festival de Berlim do ano passado e levou o Prêmio José Carlos Avellar de experimentação da linguagem no BIFF- Festival Internacional de Cinema de Brasília. O cineasta tem em filmografia os anteriores In a Bedroom (2012) e Um Mergulho no Espaço (2013).

A história é muito bem construída com subsídios exemplares num cenário propício de dias esperançosos nesse contexto. Agata (Julia Kijowska) é uma jovem mãe em um casamento sem amor, infeliz e turbulento, que mergulha no imaginário platônico de um relacionamento impossível ao sonhar com um padre da comunidade, evita o repulsivo toque do marido. Renata (Dorota Kolak) é uma idosa professora de literatura russa, convive em seu apartamento na companhia de vários pássaros, é apaixonada pela solitária vizinha Marzena (Marta Nieradkiewicz), uma ex-miss casada com um alemão que trabalha no exterior, é professora de educação física e se envolve fortuitamente com um fotógrafo maníaco. Já Iza (Magdalena Cielecka), irmã de Marzena, é diretora do colégio em que Renata leciona, torna-se amante de um médico casado e pai de um dos seus alunos, por quem ama loucamente, faz de tudo para conquistá-lo em definitivo quando ele fica viúvo.

Estados Unidos Pelo Amor faz um resgate das fantasias contidas naquele universo restrito e busca desenterrar a felicidade, ao colocar em xeque o papel da Polônia sobre os novos rumos do mundo, além da reunificação da Alemanha e da extinção iminente da União Soviética, como pano de fundo para uma narrativa densa, silenciosa e melancólica daquele quarteto de mulheres frustradas pelos seus problemas psicológicos que afloram com abundância as inquietudes adormecidas. Há uma derrocada pessoal, através dos devaneios e verossimilhanças de amores malogrados e partidos pelo tempo. Abafa-se a explosão catártica individual de emoções para impedir o coletivo flagrantemente, embora desmistificadora nas almas femininas que pululam e clamam para serem entendidas, tendo em vista que elas estão cobrando uma posição e um comportamento de reconhecimento das lacunas pelas doloridas fendas abertas que continuam sufocadas.

O epílogo sombrio remete para a obra-prima Gritos e Sussurros (1972), de Ingmar Bergman, diante da profunda imersão em suas próprias dores psíquicas que as personagens passam, beirando situações autodestrutivas no consolo e na empatia solidária entre elas. Um filme que aprofunda questões com imagens contundentes repletas de mistério na recriação de época, num cenário realçado e propício para um clímax em tons pastéis esmaecidos quase preto e branco, com locações num enorme condomínio suburbano com ênfase na frieza dos relacionamentos, pelo competente fotógrafo da República da Moldávia Oleg Mutu, que deu show visual em 4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias (2007), do romeno Cristian Mungiu e Na Neblina (2012), do russo Sergei Loznitsa. A narrativa visceral é um ótimo exemplo de um enredo bem construído de bons diálogos, numa trama com ingredientes de dramaticidade dos personagens bem condensadas num roteiro eficiente e de muita sutileza sobre a temática sem estereótipos, em situações alucinantes para a reflexão das dúvidas amorosas e a liberalidade sexual, como as descobertas e os sonhos prazerosos nas cenas picantes de sexo intenso e com realismo.

O longa é uma daquelas realizações marcantes e dignas de constar na galeria das obras que mergulham na alma e no âmago de seres humanos perturbados por fatores diversos da plena consciência. Um painel de relatos que impressiona e instiga pela ousadia na mescla de temáticas, principalmente pela maneira como são colocados os fatos em consonância com as dores das personagens bem focados numa angustiante monotonia. A tensão aumenta e o fio do nó irá se desatando, com as revelações e as carências afetivas sendo literalmente expostas como vísceras, num clima que vai se construindo com todas as gradações de nuances do cotidiano tedioso. Um mergulho no sofrimento e na tristeza das perdas amorosas e a solidão que se escancara como resultado final, mas no seu contexto reflexivo há muito mais, como as remoções para os primeiros passos até atingis a liberdade e suas opções livres, como encaminha Wasilewski dentro de uma proposta madura, afastando os preconceitos das amarras repressivas, neste espetacular drama sensível polonês contemporâneo com significativo erotismo e suas abordagens sobre seus espaços num universo de igualdades, mesmo que desemboque em rupturas estruturais na sociedade.

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