Relações Ambíguas
Vem do consagrado cineasta sul-coreano Park Chan-wook o
bonito drama erótico de época A Criada,
exibido pela primeira vez no Festival de Cannes de 2016. O realizador e também autor
do roteiro adaptou de forma livre do livro Falsas
Aparências, que serviu de inspiração para uma minissérie na BBC de Londres,
em 2005, em uma locação típica da Inglaterra na era vitoriana. No longa, a
ambientação é na Coreia do Sul, nos duros anos de 1930, durante a ocupação
japonesa no país vizinho, quando a jovem vigarista Sookee (Kim Tae-ri) é
contratada pelo falso conde Fujiwara (Ha Jung-woo) para trabalhar como serviçal
na casa de uma herdeira nipônica, Lady Hideko (Kim Min-hee), que leva uma vida pacata
e sem graça ao lado do autoritário tio Kouzuki (Cho Jing-woong). Há um plano macabro
para seduzir a ricaça ingênua, roubar sua fortuna e trancafiá-la em um
sanatório, que serve como mote para a trama, porém há motivações guardadas em
segredo que aos poucos se revelam.
O habilidoso diretor opta por um filme em três atos, em que é
contada a mesma história de forma diferente, porém somente no epílogo se saberá
qual a verdadeira identidade do enredo. A narrativa é complexa e não se afasta
do rigor formal peculiar das obras anteriores de Chan-wook, quase sempre em
cumplicidade com a plateia, tais como: Mr.
Vingança (2002), Oldboy (2003), Lady Vingança (2005) e Sede de Sangue (2009). Desta feita,
cria-se um clímax de suspense e o espectador fica na dúvida para entender o que
está acontecendo realmente. Os personagens, como se fossem colocados
ardilosamente num tabuleiro de xadrez, estão sempre aprontando e enganando
propositalmente a atenta plateia como numa mágica de engenharia
cinematográfica. Às vezes, cansa pelas repetições e diálogos enfadonhos, mas
logo dá um salto no roteiro eclético e segue a trajetória transitando entre o
Japão e a Coreia.
O drama é bem formatado esteticamente, com uma
fotografia deslumbrante numa construção invejável. Mas falta alma para a
realização, que por vezes desliza em situações rasas, porém é criado um
imaginário bem intenso pelo movimento da câmera para conseguir resultados
apreciáveis ao explorar o estilo gótico, numa combinação singular de adereços
com a instigante trilha sonora. Há uma mescla de erotismo das amantes fazendo
sexo explícito com o iminente perigo em várias cenas. Tudo é verdadeiro num ato
como poderá ser desmanchado no outro. O prazer sexual na essência é apresentado
como aparência refinada, mas emerge a dúvida, a raiva, o ódio e a vingança. Há
uma mistura em cenas tórridas eróticas filmadas como se fosse um poema
inesgotável de sutilezas e sensibilidade à flor da pele. Eis uma aventura empírica
num jogo perigoso para um mergulho numa imersão de luxúria proposta com algum
fôlego.
O filme é uma relação conturbada e ambígua entre os
personagens no seu cotidiano de uma bem arquitetada tramoia para roubar joias,
roupas e uma fortuna imensurável. Mas como todo crime que nunca é perfeito,
haverá o enfeitiçamento da empregada transgressora pela patroa bela e sedutora.
Num primeiro momento pensa em protegê-la do conde de araque, fica penalizada
com a triste saga da jovem herdeira que é obrigada a ler livros pornográficos falsificados
pelo tio devasso para homens sedentos de lascividade, devidamente trajada como
uma dama da sociedade. O plano começa a se esboroar com a aproximação e o
vínculo estreito entre as mulheres envolvidas emocionalmente, acirrando os
ânimos ao extremo com o cenário romântico. Soa como uma libertação para ambas,
um corte das amarras do preconceito enraizado numa sociedade aristocrática com
suas futilidades inerentes daqueles tempos. A felicidade aparente de sorrisos e
olhares reveladores está inserida num mundo imaginário de desilusões de vidas
fracassadas por um conceito residual estereotipado no gesto autêntico da
escolha ousada. Basicamente, é a difícil realidade de dois seres humanos que
optaram por uma relação proibida na sociedade conservadora. A solução
encontrada para dar guarida e prosseguimento ao idílio é a camuflagem dos
encontros.
Um parâmetro da temática de relacionamento homossexual feminino
é o drama familiar Carol (2015), de Todd
Haynes, embora pegue leve nas cenas de sexo, flutua pelos caminhos da sugestão
e as carícias sutis das preliminares; outro seria o longa Flores Raras (2013), de Bruno Barreto, numa abordagem sobre uma
relação intrincada no Rio de Janeiro, em 1956. Não tem o fervor do polêmico
drama francês Azul é a Cor Mais Quente (2013),
de Abdellatif Kechiche, que impactou com uma cena tórrida de sexo num plano-sequência
de intensidade e realismo em seis minutos, que causou furor e escandalizou
críticos e o púbico mais conservador em Cannes. Já o realizador sul-coreano lança um olhar
feminista sobre A Criada, embora
esteja mais contido no banho de sangue, deixa para o desfecho o violento acerto
de contas com mãos e dedos decepados. Seu longa carrega no erotismo, no qual se
sai muito bem e surpreende pela ousadia. Não se trata de uma obra sobre duas
mulheres que transam o tempo todo, porque não é um filme panfletário, ainda que
a voltagem seja alta. Há um bom mecanismo psicológico das personagens que é
apresentado com imparcialidade as fragilidades reveladas. Não se acena com
facilidades demagógicas para resolver problemas complexos, mas ainda que um
tanto repetitivo, é um interessante filme de pequenos detalhes pela lente da
ternura.
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