O Apartamento
Um outro filme aguardado que correspondeu a expectativa
depositada é o agradável O Apartamento,
do cultuado cineasta iraniano Asghar Farhadi, que também assinou o enxuto roteiro,
emprestando credibilidade para a calorosa recepção de público e crítica na 40ª.
Mostra de Cinema de São Paulo. Venceu os prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Ator
no Festival de Cannes. O realizador dirigiu importantes títulos, tais como: Linda Cidade (2004, 28ª Mostra), o frenético
e acolhedor À Procura de Elly (2009,
33ª Mostra), vencedor do Urso de Prata de Melhor Diretor no Festival de Berlim;
o magnífico, talvez o melhor filme do diretor, A Separação (2011), primeiro iraniano a ganhar um Oscar estrangeiro,
Globo de Ouro e Urso de Ouro em Berlim; e O
Passado (2013), realizado na França.
A trama retrata um casal de atores que se vê obrigado a sair
do apartamento com rachaduras onde vivem por causa de obras inadiáveis que deverão fazer, tendo em vista as escavações no terreno vizinho que comprometeram seu prédio. Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) se mudam para
um novo flat no centro de Teerã. Mas a vida deles dá uma guinada com um suposto
assalto com tentativa de morte que sofre a mulher, ao deixar a porta aberta,
depois de tocar o interfone, por achar que era o companheiro que estava vindo
para casa. Porém os fatos irão clareando do incidente, por estar ligado à
antiga moradora que era prostituta. O cotidiano do povo iraniano é abordado
novamente, através de uma história simples e complexa na essência, ao adquirir
grande amplitude no desenrolar da trama.
O drama intimista dos personagens em foco é esmiuçado pelo
diretor em dois momentos distintos pela importância da história no contexto. A
vida real e a encenação no teatro, no qual os dois fazem parte como
protagonistas da peça montada, transformando ficção e realidade como exponenciais
alegóricos para o desenvolvimento bem urdido do roteiro proposto. O ataque
violento à vitima por um desconhecido no banheiro é uma síntese alegórica da
falta de justiça e da submissão das mulheres. Emad não se conforma com o
ocorrido e faz uma meticulosa investigação por conta própria, com a finalidade
de descobrir o malfeitor que atacou covardemente Rana.
No longa O Passado
havia uma decorrência de A Separação
com muitos personagens em
comum. Não visava mostrar inocentes neste painel de erros,
culpas e arrependimentos, onde todos estavam interligados numa babel de
confrontos e acusações. Todavia, nem mesmo o que há como elementos fortes de
ligação justificam as atitudes que ficam à deriva como consequência de um
regime totalitário implantado como forma de subtrair ideias e manifestações
livres e com os anseios que os acompanham. A temática é consistente aos planos
intimistas do cineasta que se detém na abordagem moral familiar neste confronto
de questões. Assim, como também nos filmes anteriores que desenvolviam um
argumento que dava importância às palavras nos diálogos numa forma bem
estruturada. Nesta última realização se repete este aspecto pelo olhar realista
para um país de conceitos éticos duvidosos para uma justiça plena, inexistindo atitudes
certas ou erradas, bem longe do maniqueísmo de alguns realizadores, mas que
mantém com brilho significativo o conteúdo contextualizado.
O Apartamento toma
contornos de um clímax com direcionamento para o suspense até descobrir quem é
o verdadeiro culpado. Deveria ser uma ação do Estado a ser feita pela sua
competência no âmbito investigatório, mas a sugestiva temática abordada se
depara com elementos de culpa em consonância com a vingança, decorrente de uma
justiça arcaica, inoperante e machista. Ou seja, a polícia não é acionada pela
descrença na instituição falha, descompromissada e sem nenhum crédito dos
cidadãos de bem. A vida imita a ficção artística e as situações se complementam
e se fundem num regime totalitário, que aparentemente dá mostras de uma certa
evolução, diante de alguma liberalidade teatral, embora sempre haja o medo dos
homens do governo em fechar as portas da casa de espetáculos, como é bem
enfatizado pela segura direção.
O desfecho com as luzes sendo apagadas, com as cadeiras
frente a frente são símbolos de um resquício frequente da inquirição sem a
ampla defesa nos tribunais e nos julgamentos no Irã de uma quase inexistente
justiça. Tanto no aspecto legal sem a sustentação dos pilares básicos da
legitimidade dos parâmetros de uma boa defesa para uma condenação justa, se for
o caso. É o que se observa pela metáfora lançada na tela. O escuro e o silêncio
são elementos indispensáveis que contribuem para o drama e as angústias de
imenso sofrimento que ainda restam como sombras permanentes da tortura ainda
viva para todos, neste ótimo filme de Farhadi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário