Melancolia Feminina
Tommy Lee Jones já apresentava qualidades significativas ao
empolgar no seu longa-metragem de estreia, Três
Enterros (2005), mas agora com Dívida
de Honra, seu último trabalho, mostra-se consistente como diretor. Além de
ser um dos melhores intérpretes do cinema atual pelo carisma a virtude rara de
dramaticidade, às vezes comunicando-se só pelo olhar daquele rosto sulcado, que
tem nele também um dos roteiristas e como produtor o cineasta francês Luc
Besson. Embora seja o protagonista no papel do marginal e desrespeitado George
Briggs, divide bem o estrelato com a boa atriz Hilary Swank, vivendo a
solteirona Mary Bee Cudy, com fama de mandona e à procura de um marido para ter
filhos. O filme não se propõe para a exibição de estrelas, muito pelo
contrário, está voltado para revigorar momentos expressivos do faroeste pela
perspectiva feminina de suas personagens sofridas por uma dor sem limites.
O longa é baseado na novela de Glendon Swart Hout que retrata
a rudeza masculina contrapondo com as dificuldades femininas e seu olhar dolorido
pela melancolia, no qual emerge a violência do primitivismo nas belas imagens
do fotógrafo Rodrigo Prieto, embalados pela música de uma trilha sonora
harmônica de Marco Beltrami, sendo executada perfeitamente como a mola mestra
condutora que dita o clímax das cenas daqueles seres humanos pela natureza e seus
futuros incertos na conturbada viagem até o destino religioso que esperam as
três mulheres tachadas de loucas e condenadas, diante da recusa involuntária de
gerar filhos. Ao contrário da personagem central, elas são aterrorizadas pelos
próprios maridos medievais que abusam do poder machista e inoculador de ódio e
destemperos de uma época em que não havia direitos igualitários, gerando feras
enjauladas que são mandadas para bem longe dali, Iowa, expulsas de Nebraska
como forma de punição.
O western foi um dos gêneros mais cultuados pelo cinema
americano e aos poucos foi deixado de lado, vez por outra cineastas importantes
revivem com nova energia a magia do Velho Oeste, como no remake Bravura Indômita (2010),
dos irmãos Ethan e Joel Coen), filme em que John Wayne
obteve seu único Oscar como melhor ator, na versão original de 1969, dirigido
pelo mestre Henry Hathaway. Dívida de
Honra é marcado por ser sem tiroteios forçados ou balas perdidas por tudo
quanto é canto e lugares inimagináveis, seguindo na mesma esteira do melhor
estilo dos grandes clássicos, por isto é enriquecedor seu tema e remete para o
inesquecível Os Imperdoáveis (1992),
de e com Clint Eastwood, no qual o mocinho é velho e decadente, tendo que
cumprir a última missão. Também reporta para Rio Vermelho (1948), de Howard Hawks e Arthur Rosson; como não
poderia deixar de ter referências em Rastros
de Ódio (1956) e No Tempo das Diligências
(1939), ambos do genial John Ford, com construções fantásticas de
personagens; mas como esquecer Meu Ódio
Será Sua Herança (1969), de Sam Peckinpah, ou ainda Os Brutos Também Amam (1953), de George Stevens.
Lee Jones tem tudo para fazer parte desta categoria de
realizadores consagrados neste gênero que não vai morrer nunca, ainda que passe
por transformações estruturais de impulsos para no futuro ser expressivo como
requer a essência do cinema, sem abdicar do cenário grandioso e caracterizador
do Velho Oeste, no qual os cavalos estão sincronizados pelas frondosas árvores
e de um pôr do sol esplêndido e por vezes revelador de um novo dia. O tema da
humilhação no sofrimento da mulher, que terá a vingança do protagonista
nitidamente mercenário, mas com sentimentos e vínculos éticos, que se revolta e
explode como na cena do hotel voltado para a elite endinheirada. Eis um
magnífico faroeste que acompanha a trajetória e o caminhar humano destroçado,
tendo como objetivo a busca do esclarecimento para lançar luzes sobre o poder
feminino enfraquecido, nesta sensível mescla perfeita pela narrativa
contundente sobre as perdas da dignidade no cenário sem leis, traz à baila um
mocinho que rosna em vez de falar, sujo e rústico como poucos. Uma apreciável revisão
sobre os temas principais do gênero inovado pelas mulheres como personagens em
foco para desmistificar o velho caubói e fugir dos recorrentes clichês.
O filme demonstra que o gênero não se esgotou diante da
renovação proposta, sem se afastar do clássico e bom faroeste, filmado no tradicional
cenário de mocinhos e bandidos que embalou os aficionados do cinema de
bangue-bangue. Cada detalhe, movimento da câmera, luz, fotografia, as tabernas,
o julgamento com a execução sumária e o figurino estão harmonicamente
distribuídos com primazia e colocados em seus lugares exatos, pontuais e com
fidelidade. O epílogo daquelas mulheres levadas para o agasalho religioso
luterano de uma pastora metodista (Meryl Streep) sobre seus destinos, faz com que o tempo passe
lentamente pela dura jornada que as levou para um local acolhedor e com o
auxílio inesperado de um homem marginalizado dos ditos valores civilizatórios.
Dívida de Honra é
marcante pela sordidez e violência latente nas belas imagens daquele cenário
provocante de índios em pé de guerra com os brancos, bem como a cena do cavalo
que corre loucamente pelos campos carregando a personagem feminina central antes
do idílio com o anti-herói, que tem na sua condição de solteira e sem um futuro
definido, percebe o tempo se escoando e conduz para uma reflexão. A decorrência
da dor pela opção encontrada tem nos percalços da vida que a fizeram nem notar
como tudo passa rápido, deixa para trás um outro mundo de reminiscências brutais
e uma melancolia enternecedora que encontrará guarida na frustrada homenagem da
lápide jogada sutilmente para o rio de dentro da barca que leva de volta o
justiceiro carregando com ele uma culpa pela morte trágica e inexplicável, num
grande final com emoção digna de um clássico do faroeste.
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