segunda-feira, 20 de abril de 2015

Dívida de Honra


Melancolia Feminina

Tommy Lee Jones já apresentava qualidades significativas ao empolgar no seu longa-metragem de estreia, Três Enterros (2005), mas agora com Dívida de Honra, seu último trabalho, mostra-se consistente como diretor. Além de ser um dos melhores intérpretes do cinema atual pelo carisma a virtude rara de dramaticidade, às vezes comunicando-se só pelo olhar daquele rosto sulcado, que tem nele também um dos roteiristas e como produtor o cineasta francês Luc Besson. Embora seja o protagonista no papel do marginal e desrespeitado George Briggs, divide bem o estrelato com a boa atriz Hilary Swank, vivendo a solteirona Mary Bee Cudy, com fama de mandona e à procura de um marido para ter filhos. O filme não se propõe para a exibição de estrelas, muito pelo contrário, está voltado para revigorar momentos expressivos do faroeste pela perspectiva feminina de suas personagens sofridas por uma dor sem limites.

O longa é baseado na novela de Glendon Swart Hout que retrata a rudeza masculina contrapondo com as dificuldades femininas e seu olhar dolorido pela melancolia, no qual emerge a violência do primitivismo nas belas imagens do fotógrafo Rodrigo Prieto, embalados pela música de uma trilha sonora harmônica de Marco Beltrami, sendo executada perfeitamente como a mola mestra condutora que dita o clímax das cenas daqueles seres humanos pela natureza e seus futuros incertos na conturbada viagem até o destino religioso que esperam as três mulheres tachadas de loucas e condenadas, diante da recusa involuntária de gerar filhos. Ao contrário da personagem central, elas são aterrorizadas pelos próprios maridos medievais que abusam do poder machista e inoculador de ódio e destemperos de uma época em que não havia direitos igualitários, gerando feras enjauladas que são mandadas para bem longe dali, Iowa, expulsas de Nebraska como forma de punição.

O western foi um dos gêneros mais cultuados pelo cinema americano e aos poucos foi deixado de lado, vez por outra cineastas importantes revivem com nova energia a magia do Velho Oeste, como no remake Bravura Indômita (2010), dos irmãos Ethan e Joel Coen), filme em que John Wayne obteve seu único Oscar como melhor ator, na versão original de 1969, dirigido pelo mestre Henry Hathaway. Dívida de Honra é marcado por ser sem tiroteios forçados ou balas perdidas por tudo quanto é canto e lugares inimagináveis, seguindo na mesma esteira do melhor estilo dos grandes clássicos, por isto é enriquecedor seu tema e remete para o inesquecível Os Imperdoáveis (1992), de e com Clint Eastwood, no qual o mocinho é velho e decadente, tendo que cumprir a última missão. Também reporta para Rio Vermelho (1948), de Howard Hawks e Arthur Rosson; como não poderia deixar de ter referências em Rastros de Ódio (1956) e No Tempo das Diligências (1939), ambos do genial John Ford, com construções fantásticas de personagens; mas como esquecer Meu Ódio Será Sua Herança (1969), de Sam Peckinpah, ou ainda Os Brutos Também Amam (1953), de George Stevens.

Lee Jones tem tudo para fazer parte desta categoria de realizadores consagrados neste gênero que não vai morrer nunca, ainda que passe por transformações estruturais de impulsos para no futuro ser expressivo como requer a essência do cinema, sem abdicar do cenário grandioso e caracterizador do Velho Oeste, no qual os cavalos estão sincronizados pelas frondosas árvores e de um pôr do sol esplêndido e por vezes revelador de um novo dia. O tema da humilhação no sofrimento da mulher, que terá a vingança do protagonista nitidamente mercenário, mas com sentimentos e vínculos éticos, que se revolta e explode como na cena do hotel voltado para a elite endinheirada. Eis um magnífico faroeste que acompanha a trajetória e o caminhar humano destroçado, tendo como objetivo a busca do esclarecimento para lançar luzes sobre o poder feminino enfraquecido, nesta sensível mescla perfeita pela narrativa contundente sobre as perdas da dignidade no cenário sem leis, traz à baila um mocinho que rosna em vez de falar, sujo e rústico como poucos. Uma apreciável revisão sobre os temas principais do gênero inovado pelas mulheres como personagens em foco para desmistificar o velho caubói e fugir dos recorrentes clichês.

O filme demonstra que o gênero não se esgotou diante da renovação proposta, sem se afastar do clássico e bom faroeste, filmado no tradicional cenário de mocinhos e bandidos que embalou os aficionados do cinema de bangue-bangue. Cada detalhe, movimento da câmera, luz, fotografia, as tabernas, o julgamento com a execução sumária e o figurino estão harmonicamente distribuídos com primazia e colocados em seus lugares exatos, pontuais e com fidelidade. O epílogo daquelas mulheres levadas para o agasalho religioso luterano de uma pastora metodista (Meryl Streep) sobre seus destinos, faz com que o tempo passe lentamente pela dura jornada que as levou para um local acolhedor e com o auxílio inesperado de um homem marginalizado dos ditos valores civilizatórios.

Dívida de Honra é marcante pela sordidez e violência latente nas belas imagens daquele cenário provocante de índios em pé de guerra com os brancos, bem como a cena do cavalo que corre loucamente pelos campos carregando a personagem feminina central antes do idílio com o anti-herói, que tem na sua condição de solteira e sem um futuro definido, percebe o tempo se escoando e conduz para uma reflexão. A decorrência da dor pela opção encontrada tem nos percalços da vida que a fizeram nem notar como tudo passa rápido, deixa para trás um outro mundo de reminiscências brutais e uma melancolia enternecedora que encontrará guarida na frustrada homenagem da lápide jogada sutilmente para o rio de dentro da barca que leva de volta o justiceiro carregando com ele uma culpa pela morte trágica e inexplicável, num grande final com emoção digna de um clássico do faroeste.

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