A Viagem
O diretor dinamarquês Bille August em nada lembra seu
conterrâneo Lars von Trier, sempre envolvido em uma boa polêmica, com filmes
instigantes e arrebatadores. Prefere as tramas açucaradas e sem contundência,
com início, meio e fim. Está bem longe de grandes arroubos ou incursões por
movimentos de vanguarda como o Dogma 95, criado por Von Trier em parceria com
Thomas Vinterberg, no mês de março de 1995, na Dinamarca. A filmografia de
August é recheada de filmes razoáveis e poucos expressivos, como vemos em Mistério na Neve (1996), Os Miseráveis (1998), Mandela- A Luta pela Liberdade (2007),
sendo o mais conhecido e de melhor repercussão A Casa dos Espíritos (1993), numa abordagem rasa da história do
Chile da década de 20 aos anos 70, contada através da saga familiar dos Trueba,
que começa pela união de um homem simples que fica rico, com uma jovem paranormal.
Esta família é atingida pela revolução, que no início da década de 70 derrubou
o presidente Salvador Allende.
O último filme de August é Trem Noturno para Lisboa, numa trama envolta de mistérios e recheada
de reminiscências do passado, contada em flashbacks a trajetória do pacato
professor suíço de latim de ensino médio Raimund Gregorius (Jeremy Irons- de
boa performance), que abandona suas palestras e sua vida conservadora para
embarcar numa aventura de trem que o levará a uma jornada cansativa de Berna
até Lisboa e concluída na Espanha, com pouca inspiração e muita repetição de
cenas. É uma coprodução alemã, suíça e portuguesa, falada em inglês, com
locações em Portugal e um roteiro burocrático assinado por Greg Latter e Ulrich
Herrmann.
O drama é uma adaptação do best-seller homônimo de Pascal
Mercier, partindo do encontro inusitado do protagonista com uma jovem de casaco
vermelho que pretende jogar-se da ponte de Kirchenfeld. É salva e levada por
ele para a sala de aula, mas lá foge e deixa como pista um livro escrito pelo
médico Amadeu de Prado (Jack Huston) e uma passagem de trem. Raimund larga
tudo, inclusive seus alunos em plena aula, e vai atrás do autor do misterioso e
filosófico romance deixado para trás, como uma forma de renascer para a vida. Ao
chegar na capital portuguesa, descobre por Adriana (Charlotte Rampling), irmã
de Amadeu, que há muitos enigmas a serem decifrados e que o livro faz menções a
situações relacionadas com a resistência ao fascismo implantado por Salazar em
Portugal, de 1889 a
1970.
O filme não avança com solidez ou determinação de um foco
profundo. Enfatiza um professor cansado da vida em seu país, que se
autodenomina de chato, tendo em vista que a ex-mulher o largou pela sua rotina
desgastada, pois gosta mesmo é de jogar xadrez e dar aulas, como suas únicas
atividades. Nas andanças por Lisboa descobre que o médico escritor é uma pessoa
humanista e revolucionária, envolvido num triângulo amoroso no grupo de resistência ao salazarismo, que se apaixona por Estefânia (a bela Mélanie
Laurent quando jovem e Lena Olin já mais velha), sendo ela a namorada do líder
Jorge (August Diehl jovem e Bruno Ganz velho). Tudo é contado por João (Tom
Courtenay), amigo dos personagens envolvidos no romance, que tem como sobrinha
Mariana (Martina Gedeck), que está muito interessada no professor e o leva de
um lado para outro. Dentro desta miscelânea do roteiro, surge novamente na
história a suicida e seu parentesco com Mendes, O Carniceiro de Lisboa. As
revelações não causam impacto e sequer grandes surpresas, diante de um cenário
de confissões aguardadas e repletas de estereótipos manjados como recursos para
fisgar o espectador pela simploriedade das armações arranjadas, com diálogos pasteurizados
e dignos de um típico novelão.
Trem Noturno para
Lisboa carece de consistência e há uma mesmice enfadonha para uma boa
construção psicológica, esboroando-se por uma trama sem força, com ausência de
autenticidade para Amadeu e os demais personagens. O longa perde o glamour
inicial e descamba para uma narrativa sonolenta, que se torna óbvia e
previsível. O protagonista tenta salvar o tedioso enredo com sua obstinação pela
busca do passado na viagem para elucidar o misterioso livro e fio condutor da
trama genérica e de pouca profundidade, mas também não resiste e sucumbe na adocicada
adaptação de August com pouca inspiração. Deixa escapar um bom tema de reflexão
sobre os anos tensos da ditadura salazarista em Portugal, insistindo numa
abordagem de utopias de derrotas e confrontos pessoais no ciclo de amigos e pouco
esclarecedoras. Sobrou um esmaecimento fragilizado de uma situação que existiu,
mas que cai na abordagem tênue de um idealismo questionado com resultados
minguados e pouco satisfatórios pela irregularidade da obra.
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