segunda-feira, 24 de março de 2014

Trem Noturno para Lisboa


A Viagem

O diretor dinamarquês Bille August em nada lembra seu conterrâneo Lars von Trier, sempre envolvido em uma boa polêmica, com filmes instigantes e arrebatadores. Prefere as tramas açucaradas e sem contundência, com início, meio e fim. Está bem longe de grandes arroubos ou incursões por movimentos de vanguarda como o Dogma 95, criado por Von Trier em parceria com Thomas Vinterberg, no mês de março de 1995, na Dinamarca. A filmografia de August é recheada de filmes razoáveis e poucos expressivos, como vemos em Mistério na Neve (1996), Os Miseráveis (1998), Mandela- A Luta pela Liberdade (2007), sendo o mais conhecido e de melhor repercussão A Casa dos Espíritos (1993), numa abordagem rasa da história do Chile da década de 20 aos anos 70, contada através da saga familiar dos Trueba, que começa pela união de um homem simples que fica rico, com uma jovem paranormal. Esta família é atingida pela revolução, que no início da década de 70 derrubou o presidente Salvador Allende.

O último filme de August é Trem Noturno para Lisboa, numa trama envolta de mistérios e recheada de reminiscências do passado, contada em flashbacks a trajetória do pacato professor suíço de latim de ensino médio Raimund Gregorius (Jeremy Irons- de boa performance), que abandona suas palestras e sua vida conservadora para embarcar numa aventura de trem que o levará a uma jornada cansativa de Berna até Lisboa e concluída na Espanha, com pouca inspiração e muita repetição de cenas. É uma coprodução alemã, suíça e portuguesa, falada em inglês, com locações em Portugal e um roteiro burocrático assinado por Greg Latter e Ulrich Herrmann.

O drama é uma adaptação do best-seller homônimo de Pascal Mercier, partindo do encontro inusitado do protagonista com uma jovem de casaco vermelho que pretende jogar-se da ponte de Kirchenfeld. É salva e levada por ele para a sala de aula, mas lá foge e deixa como pista um livro escrito pelo médico Amadeu de Prado (Jack Huston) e uma passagem de trem. Raimund larga tudo, inclusive seus alunos em plena aula, e vai atrás do autor do misterioso e filosófico romance deixado para trás, como uma forma de renascer para a vida. Ao chegar na capital portuguesa, descobre por Adriana (Charlotte Rampling), irmã de Amadeu, que há muitos enigmas a serem decifrados e que o livro faz menções a situações relacionadas com a resistência ao fascismo implantado por Salazar em Portugal, de 1889 a 1970.

O filme não avança com solidez ou determinação de um foco profundo. Enfatiza um professor cansado da vida em seu país, que se autodenomina de chato, tendo em vista que a ex-mulher o largou pela sua rotina desgastada, pois gosta mesmo é de jogar xadrez e dar aulas, como suas únicas atividades. Nas andanças por Lisboa descobre que o médico escritor é uma pessoa humanista e revolucionária, envolvido num triângulo amoroso no grupo de resistência ao salazarismo, que se apaixona por Estefânia (a bela Mélanie Laurent quando jovem e Lena Olin já mais velha), sendo ela a namorada do líder Jorge (August Diehl jovem e Bruno Ganz velho). Tudo é contado por João (Tom Courtenay), amigo dos personagens envolvidos no romance, que tem como sobrinha Mariana (Martina Gedeck), que está muito interessada no professor e o leva de um lado para outro. Dentro desta miscelânea do roteiro, surge novamente na história a suicida e seu parentesco com Mendes, O Carniceiro de Lisboa. As revelações não causam impacto e sequer grandes surpresas, diante de um cenário de confissões aguardadas e repletas de estereótipos manjados como recursos para fisgar o espectador pela simploriedade das armações arranjadas, com diálogos pasteurizados e dignos de um típico novelão.

Trem Noturno para Lisboa carece de consistência e há uma mesmice enfadonha para uma boa construção psicológica, esboroando-se por uma trama sem força, com ausência de autenticidade para Amadeu e os demais personagens. O longa perde o glamour inicial e descamba para uma narrativa sonolenta, que se torna óbvia e previsível. O protagonista tenta salvar o tedioso enredo com sua obstinação pela busca do passado na viagem para elucidar o misterioso livro e fio condutor da trama genérica e de pouca profundidade, mas também não resiste e sucumbe na adocicada adaptação de August com pouca inspiração. Deixa escapar um bom tema de reflexão sobre os anos tensos da ditadura salazarista em Portugal, insistindo numa abordagem de utopias de derrotas e confrontos pessoais no ciclo de amigos e pouco esclarecedoras. Sobrou um esmaecimento fragilizado de uma situação que existiu, mas que cai na abordagem tênue de um idealismo questionado com resultados minguados e pouco satisfatórios pela irregularidade da obra.

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