Terapia Sexual
Lars von Trier apostou no marketing com cartazes de apelos
sexuais em rostos de atores simulando orgasmos e a promessa de um filme forte
para Ninfomaníaca- Volume 1. Afastou-se
do erotismo puro, para abordar a sexualidade sem prazer, com a perversão sendo apontada
como a causa e a culpa um ingrediente de uma resposta à vida de Joe (Charlotte
Gainsborg) que faz um relato a Seligman (Stellan Skarsgard), um homem com jeito
de pastor, uma espécie de terapeuta momentâneo que busca na matemática e na
música polifônica as respostas para os desatinos da jovem que encontrou
desmaiada no meio da rua. Há uma construção com vigor numa narrativa em
flashbacks, desde os 02 anos de idade, passando pela fase da juventude, após o
encontro casual, com revelações e explicações para uma situação atípica.
Em Ninfomaníaca-
Volume 2 há mais densidade dramática e menos sexo, sendo dividido em
capítulos, tais como: As Igrejas Oriental e Ocidental (O Pato Silencioso), O
Espelho e A Arma, que formam nos dois volumes oito capítulos, para um desfecho
inusitado com uma surpreendente cena sem imagem e com prevalência do som entre
a protagonista e seu interlocutor. Ele tudo ouve e tenta fazer com que a sua
eventual hóspede expulse os fantasmas sexuais do passado, para que as feridas
abertas entrem num processo de cicatrização, numa narrativa que mantém a mesma
dinâmica entre os dois personagens. Um conta suas experiências com vários
homens, relembra as passagens com o pai e a indicação da árvore da vida demonstrada
com ênfase e que todos devem escolher em suas trajetórias; o outro ouve,
aconselha e expõe sua assexualidade. O cineasta faz uma espécie de jogo de
xadrez com o espectador e em várias cenas são expostas as fragilidades de Joe,
que é instigada por Seligman que a compara com Messalina, mulher do imperador
romano Cláudio, como se estivesse num divã em uma sessão de terapia.
Diante da contundência de algumas cenas cruas, faz com que
muitos dos espectadores abandonem a sala como um ato de protesto, tendo em
vista que nem todos estão preparados para o ensaio sexual de Von Trier, ao
apresentar em sequência as mazelas de sua protagonista com requintes perversos.
O filme não pode ser visto como uma ode ao sadomasoquismo em cenas não
esperadas pela plateia. Tudo faz parte de uma grande encenação na busca do
resultado final, como das 40 chibatadas– uma a mais que Cristo levou na cruz- é
a perseguição consciente daquela mulher pela libertação de sua sexualidade para
atingir o clímax do prazer, bem como as bofetadas no rosto e a livre escolha
por dois africanos para um ménage à trois.
São cenas que não podem ser vistas como requintes de crueldade, como no recente drama épico “12 Anos de
Escravidão”, de Steve McQueen, onde os negros eram açoitados pelo senhor
branco como forma de punir e reprimir barbaramente pela ótica do racismo, em situações
de desespero para criar o inferno na terra e toda a angústia em planos
detalhados, aproximando a câmera dos corpos esfolados.
Neste segundo volume, Von Trier tem por objetivo ir ao
encontro da explicação para a falta da satisfação e do deleite, onde o vício é
abordado como uma doença séria e leva a protagonista a torna-se uma escrava do
sexo, tendo no masoquismo a passagem tortuosa que serve de ligação para tornar
sua vida mais prazerosa e menos dependente, brilhantemente interpretada por
Gainsborg, a atriz-fetiche do diretor. Tudo é feito para encontrar na razão o caminho
da causa, embora o efeito seja devastador para ela, pois perde o marido Jerôme
(Shia LaBeouf) e o filho que vão embora, a própria enteada P (Mia Goth) que
também é usada na engrenagem com o profissional L (Willem Dafoe) e o metódico
chicoteador K (Jamie Bell). O perigo e o sofrimento estão presentes novamente, como vistos em O Anticristo (2009), em ambos os longas do cineasta uma criança se dirige para o abismo e a protagonista sofre e pratica mutilações. Sua abordagem é diametralmente oposta de Steve
McQueen em Shame (2011), onde um nova-iorquino
bem-sucedido que não gostava de manter vínculos afetivos com as mulheres,
praticava o sexo compulsivo na busca de resolver problemas e frustrações, num ensaio
sobre os doentes sexuais.
Ninfomaníaca- Volume 2 retrata
o prazer físico como o condutor da história, porém o emocional é aprofundado
com nitidez e absorve o contexto da trama com harmonia e equilíbrio demonstrado
pelo cineasta, o que o torna menos artificial do que o primeiro volume. A
mulher que apanha sem dó e nem piedade do açoitador causa impacto e
consternação na plateia, porém ao deixar as emoções de lado e refutar os
panfletos feministas, o diretor vai fundo e se aproxima do realismo cênico
distante do grotesco e próximo da busca de soluções sem hipocrisia, mandando o
politicamente correto para bem longe, embora a conduta arrojada possa ser vista
de forma deturpada, mas as questões cruciais são lançadas para que haja
realmente debate com muita polêmica.
O drama erótico sobre a sexualidade e a doença de Joe,
admitida por ela mesma, são elementos de reflexão e discussão, como Von Trier
gosta e não foge da controvérsia, aproxima-se muito de Pasolini em Decameron (1970) e Saló (1975), ao não passar sem ser discutido com fervor. Ainda que
o marketing tenha sugerido para uma pornografia, logo se vê que não é, após a
conclusão da obra neste segundo volume. Há uma incursão nos desejos obscuros e
enigmáticos, sem ser moralista ou conservador, dando uma estupenda contribuição
na abordagem do calvário da protagonista e sua libido insatisfeita, sangrando
algumas vezes, e em outras há a blasfema como o orgasmo e sua mística, num
cinema perturbador pela proposta grandiloquente.
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