terça-feira, 18 de março de 2014

Ninfomaníaca- Volume 2


Terapia Sexual

Lars von Trier apostou no marketing com cartazes de apelos sexuais em rostos de atores simulando orgasmos e a promessa de um filme forte para Ninfomaníaca- Volume 1. Afastou-se do erotismo puro, para abordar a sexualidade sem prazer, com a perversão sendo apontada como a causa e a culpa um ingrediente de uma resposta à vida de Joe (Charlotte Gainsborg) que faz um relato a Seligman (Stellan Skarsgard), um homem com jeito de pastor, uma espécie de terapeuta momentâneo que busca na matemática e na música polifônica as respostas para os desatinos da jovem que encontrou desmaiada no meio da rua. Há uma construção com vigor numa narrativa em flashbacks, desde os 02 anos de idade, passando pela fase da juventude, após o encontro casual, com revelações e explicações para uma situação atípica.

Em Ninfomaníaca- Volume 2 há mais densidade dramática e menos sexo, sendo dividido em capítulos, tais como: As Igrejas Oriental e Ocidental (O Pato Silencioso), O Espelho e A Arma, que formam nos dois volumes oito capítulos, para um desfecho inusitado com uma surpreendente cena sem imagem e com prevalência do som entre a protagonista e seu interlocutor. Ele tudo ouve e tenta fazer com que a sua eventual hóspede expulse os fantasmas sexuais do passado, para que as feridas abertas entrem num processo de cicatrização, numa narrativa que mantém a mesma dinâmica entre os dois personagens. Um conta suas experiências com vários homens, relembra as passagens com o pai e a indicação da árvore da vida demonstrada com ênfase e que todos devem escolher em suas trajetórias; o outro ouve, aconselha e expõe sua assexualidade. O cineasta faz uma espécie de jogo de xadrez com o espectador e em várias cenas são expostas as fragilidades de Joe, que é instigada por Seligman que a compara com Messalina, mulher do imperador romano Cláudio, como se estivesse num divã em uma sessão de terapia.

Diante da contundência de algumas cenas cruas, faz com que muitos dos espectadores abandonem a sala como um ato de protesto, tendo em vista que nem todos estão preparados para o ensaio sexual de Von Trier, ao apresentar em sequência as mazelas de sua protagonista com requintes perversos. O filme não pode ser visto como uma ode ao sadomasoquismo em cenas não esperadas pela plateia. Tudo faz parte de uma grande encenação na busca do resultado final, como das 40 chibatadas– uma a mais que Cristo levou na cruz- é a perseguição consciente daquela mulher pela libertação de sua sexualidade para atingir o clímax do prazer, bem como as bofetadas no rosto e a livre escolha por dois africanos para um ménage à trois. São cenas que não podem ser vistas como requintes de crueldade, como no recente drama épico “12 Anos de Escravidão”, de Steve McQueen, onde os negros eram açoitados pelo senhor branco como forma de punir e reprimir barbaramente pela ótica do racismo, em situações de desespero para criar o inferno na terra e toda a angústia em planos detalhados, aproximando a câmera dos corpos esfolados.

Neste segundo volume, Von Trier tem por objetivo ir ao encontro da explicação para a falta da satisfação e do deleite, onde o vício é abordado como uma doença séria e leva a protagonista a torna-se uma escrava do sexo, tendo no masoquismo a passagem tortuosa que serve de ligação para tornar sua vida mais prazerosa e menos dependente, brilhantemente interpretada por Gainsborg, a atriz-fetiche do diretor. Tudo é feito para encontrar na razão o caminho da causa, embora o efeito seja devastador para ela, pois perde o marido Jerôme (Shia LaBeouf) e o filho que vão embora, a própria enteada P (Mia Goth) que também é usada na engrenagem com o profissional L (Willem Dafoe) e o metódico chicoteador K (Jamie Bell). O perigo e o sofrimento estão presentes novamente, como vistos em O Anticristo (2009), em ambos os longas do cineasta uma criança se dirige para o abismo e a protagonista sofre e pratica mutilações. Sua abordagem é diametralmente oposta de Steve McQueen em Shame (2011), onde um nova-iorquino bem-sucedido que não gostava de manter vínculos afetivos com as mulheres, praticava o sexo compulsivo na busca de resolver problemas e frustrações, num ensaio sobre os doentes sexuais.

Ninfomaníaca- Volume 2 retrata o prazer físico como o condutor da história, porém o emocional é aprofundado com nitidez e absorve o contexto da trama com harmonia e equilíbrio demonstrado pelo cineasta, o que o torna menos artificial do que o primeiro volume. A mulher que apanha sem dó e nem piedade do açoitador causa impacto e consternação na plateia, porém ao deixar as emoções de lado e refutar os panfletos feministas, o diretor vai fundo e se aproxima do realismo cênico distante do grotesco e próximo da busca de soluções sem hipocrisia, mandando o politicamente correto para bem longe, embora a conduta arrojada possa ser vista de forma deturpada, mas as questões cruciais são lançadas para que haja realmente debate com muita polêmica.

O drama erótico sobre a sexualidade e a doença de Joe, admitida por ela mesma, são elementos de reflexão e discussão, como Von Trier gosta e não foge da controvérsia, aproxima-se muito de Pasolini em Decameron (1970) e Saló (1975), ao não passar sem ser discutido com fervor. Ainda que o marketing tenha sugerido para uma pornografia, logo se vê que não é, após a conclusão da obra neste segundo volume. Há uma incursão nos desejos obscuros e enigmáticos, sem ser moralista ou conservador, dando uma estupenda contribuição na abordagem do calvário da protagonista e sua libido insatisfeita, sangrando algumas vezes, e em outras há a blasfema como o orgasmo e sua mística, num cinema perturbador pela proposta grandiloquente.

Nenhum comentário: