Riso Tristonho
Encerrada a grandiosa 35ª. Mostra de Cinema de São Paulo, com ótimos e inesquecíveis filmes já analisados, voltamos à realidade porto-alegrense. Para começar já temos O Palhaço, segundo longa-metragem de Selton Mello que mostrou todo seu talento e sua criatividade na excelente estreia com Feliz Natal (2008), em que se debruçava sobre as relações familiares corroídas pelo tempo e o balanço da vida do personagem principal, na busca de reencontrar-se para o mundo.
Mello agora entra no drama circense de personagens que buscam pelo interior do Brasil suas glórias e a maneira de sobreviver. Seu estilo é muito semelhante na forma buscada na galeria de figuras bizarras e a peregrinação pelas estradas poeirentas, como vistas no notável Bye Bye Brasil (1979), de Cacá Diegues, que tinha no roteiro três artistas mambembes cruzando o país, fazendo espetáculos para o setor mais humilde da população brasileira e que ainda não tem acesso à televisão. Recentemente vimos um filme que tratava sobre o circo, oriundo da Espanha o irregular Balada do Amor e do Ódio (Balada Triste de Trompeta- título original-2010), de Álex de la Iglesia, uma comédia que abordava o período do franquismo, sob a ótica conflitada de dois palhaços.
O Palhaço é uma película que aborda os bastidores dos personagens no circo e a difícil arte de fazer rir, através de Benjamin, que usa o codinome Pangaré (Selton Mello- em irrepreensível atuação), numa bonita homenagem ao palhaço negro Benjamin de Oliveira, falecido em 1954. O relacionamento é marcante entre o filho Pangaré com o pai (Paulo José- em ótima performance), dono do circo, que vai levando sua trupe mambembe para o interiorzão brasileiro e descobrindo algumas caricaturas humanas. Há algumas criações de personagens bem interessantes como os irmãos mecânicos (Tonico Pereira) nas suas idiossincrasias familiares; o delegado Justo (Moacyr Franco) na verdade um corrupto mais apaixonado pelo seu gato do que qualquer outra coisa; o prefeito que força a entrada do filho no circo para declamar versinhos decorados em sua ridícula homenagem; a moça do Aldo Auto Peças que apronta para o coitado do palhacinho; o fazendeiro Juca Bigode (Jackson Antunes) que fica celebrizado com sua frase de efeito: “O gato bebe leite, o rato come queijo e eu faço o que sei”, adaptado depois por Pangaré para “…e eu sou palhaço”; também marcaram passagens de personagens esquisitos com seus maneirismos típicos criados por Ferrugem, Thogun e Jorge Loredo.
O filme tem fartos subsídios, mas peca pela falta de uma eloquência mais inventiva, fica um gosto déjà vu, como da obra inspiradora de A Estrada da Vida (1954), de Federico Fellini, pois Mello não consegue se libertar para impor e obter o mesmo clímax e forma estrutural de filmagem como atingiu no elogiado Feliz Natal. Não lhe falta comando de direção, muito antes pelo contrário, há um digno bom roteiro com fidelidade ao drama, mas não deslancha, pois é truncado, como pelos constantes olhares de Pangaré para o distante horizonte, muitas vezes perdidos e procurando algo filosófico para se ancorar. Por vezes deixa se levar por um ritmo inadequado, com sequências vazias de conteúdo. O Palhaço é a tentativa de buscar o riso no circo A Esperança, nome bem sugestivo desta caravana de atores circenses de uma produção mambembe, de poucos recursos que ainda sofre furtos de uma colega de trabalho, o assédio de um policial para obter ingressos gratuitos, diante da falta do alvará de licença e o desgaste do cansaço imposto pela rotina.
É um filme que tem um ar melancólico e saudosista dos velhos palhaços. Há os sorrisos marotos das plateias por onde passa aquele grupo de comediantes, quase que constrangedor e tristonhos em algumas situações. Poderia ter alcançado, assim mesmo, um padrão melhor, tendo obtido apenas um resultado razoável, embora tivesse tudo para arrasar. Faltou alguma coisa, o algo mais dos palhaços fellinianos ou de Chaplin, embora a homenagem aos artistas circenses desiludidos fosse relevante e interessante sob o ponto de vista emocional.
Um comentário:
Você descreveu algo que havia me ocorrido no momento em que assistia o filme. Há muita ligação com A Estrada da Vida do Fellini. O texto está ótimo!
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