quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Digital













Corações Solitários

É da Argentina esta comédia romântica contemporânea Medianeras, com uma temática sobre a solidão na Buenos Aires na era do amor virtual, como bem sugere o subtítulo do primeiro longa-metragem dirigido por Gustavo Taretto, que abocanhou o prêmio de melhor filme latino, melhor diretor e prêmio do júri popular no 39º. Festival de Gramado deste ano, inserindo-se como um promissor cineasta, após deixar boa impressão na sua estreia atrás das câmeras.

Medianeras é um termo técnico usado na língua espanhola para definir a parte lateral de um prédio, sob o ponto de vista da arquitetura com seus pontos cegos sem aberturas. Este é o mote do filme que tem na trama Mariana (Pilar López Ayala- de bela interpretação) e Martin (Javier Drolas- pouco convincente), dois vizinhos que nunca se veem. Ambos estão sempre dedicados aos seus trabalhos e afazeres domésticos. Mariana é uma arquiteta que na realidade trabalha como vitrinista, na esperança de ser vista e observada como mulher e ser humano. Faz sexo com o manequim da loja; fuma muito; ingênua e sonhadora na busca do amor. Observa nos prédios de Buenos Aires muitos fios que acabam por isolá-la do mundo externo e da convivência com os seres terráqueos de forma paradoxal. Já Martin é um designer de sites na internet; sofre da doença do pânico e toma calmantes; pede tudo pela tele-entrega; se acha um Paulo Coelho depressivo; por ter um cão pequeno é confundido como gay.

Taretto busca na solidão de dois vizinhos que moram na mesma rua, mas não se conhecem, numa abordagem da solidão e do vazio existencial de duas criaturas jovens neste mundo da era virtual e moderna. A mesma solidão que tenta aproximar dois vizinhos pelo impasse da construção de uma janela, no longa argentino O Homem ao Lado (2009), de Mariano Cohn e Gastón Duprat, na reflexão magistral da privacidade e das relações em sociedade de duas famílias envolvidas pela complexidade dos seres humanos e pelo paradoxo da harmonia com o conflito e os valores das vidas e das amizades. Mariana ao fazer a abertura para a construção de uma janela em Medianeras, está na realidade é buscando a aproximação com o próximo, e especialmente com o mundo exterior.

A solidão também é muito bem abordada no comovente filme portenho Chuva (2008), de Paula Hernández. Outro longa que serve de inspiração ao cineasta argentino é o estupendo Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola, tendo dois personagens sozinhos o tempo todo, sofrendo com o fuso horário em Tóquio, não conseguem dormir e se encontram por acaso, no bar de um hotel de luxo, e em pouco tempo tornam-se grandes amigos. Mas nada se compara com o inesquecível filme sobre solidão no episódio Shaking Tokio, dentro do longa Tóquio (2008), dirigido pelo coreano Bong Joon-ho, num dos mais melancólicos e devastadores relatos de solidão humana contado no cinema, onde um rapaz está enclausurado em sua própria casa há mais de 10 anos, isolado do mundo e das pessoas, exceto quando recebe o entregador de pizzas. Conhece uma moça pela tele-entrega, num dia de terremoto que assola a cidade, que também ingressa no mundo claustrofóbico de distanciamento com o ser humano. A corrida louca do jovem pelas ruas completamente vazias se contrapõe com imagens coloridas e esquizofrênicas, ainda há tempo para um possível e enigmático relacionamento de uma paixão que por si só poderá romper com as amarras da doença contagiante das vidas solitárias e sem perspectivas numa cidade futurista e fria.

O cineasta segue com sua câmera filmando o contraponto do urbanismo com a intimidade solitária de seus seres, homenageando explicitamente Martin Handford, o criador britânico dos cartuns de Onde Está Wally?, que serve de cenário e de procura do ponto de partida de alguns personagens metaforicamente perdidos no universo da cidade cosmopolita e empresta o nome ao rapaz solitário da comédia. Nem Woody Allen fica de fora da homenagem velada às suas criaturas sofridas e sozinhas dentro do mundo.

O diretor observa atentamente o crescimento desordenado da sua cidade e da população de sua época, completamente envolvida num emaranhado de fios advindos do progresso, neste bom filme engraçado e dolorido que tem o encontro inusitado, como não poderia deixar de ser, acaba por parar no You Tube. Sem antes se debruçar no nadador compulsivo e na mocinha que carrega os cães para passearem, ou ainda no colega que convida Mariana para jantar no 20º. andar, vitimada pela fobia dos espaços fechados, numa reflexão dos indivíduos que estão bem próximos de cada um de nós.

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