segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Gigante
Paixão Silenciosa
O cinema uruguaio está cada vez melhor e se continuar assim, logo encostará na melhor escola de América do Sul, que é indubitavelmente a Argentina. Teve um início meio tímido, mas em seguida engrenou com Coração de Fogo (2002) com direção de Diego Arsuaga, depois conquistou o público com Whisky (2004), de Juan Pablo Rebella- que se suicidou aos 32 anos, em 2006- e Pablo Stoll, para culminar com a pequena obra-prima O Banheiro do Papa (2007), dirigido por Henrique Fernández e César Charlone. Pablo Stoll dirigiu seu segundo longa Hiroshima (2009) que em breve será lançado no mercado nacional, promete ser outro estrondoso sucesso de junto aos apreciadores da sétima arte. Obtiveram grandes passagens por festivais, como Gramado, Berlim e Cannes.
Agora vem bater em nossas telas, oriundo do país vizinho, este pequeno grande filme Gigante, dirigido pelo estreante argentino radicado em Montevidéu, desde 2004, Adrián Biniez, que faz questão de enaltecer como produção uruguaia, pois escreveu o roteiro pensando nas coisas, pessoas e as ruas da capital do Mercosul. Galgou o Urso de Prata no Festival de Berlim (2009) e três Kikitos no Festival de Gramado (2009) de melhor ator, roteiro e prêmio da crítica, tendo injustamente perdido para A Teta Assustada, como melhor filme latino. Mesmo com um orçamento ínfimo de 600 mil dólares, com um ator estreante no papel principal de Jara, também conhecido como Jarita ou Gordo (Horácio Camandule, de 36 anos, 125 Kgs e seus 1m93cm), contracenando com Julia (Leonor Svarcas). Pequeno pelos seus 84 minutos que passam rapidamente, mas grande pela eloquência, num misto de criatividade com originalidade.
Jara é um segurança de supermercado que se apaixona silenciosamente pela faxineira sem graça, através da câmeras de monitoramento. Quase nunca fala, exceto raras vezes com seus colegas de trabalho e o sobrinho rechonchudo como ele, ao jogarem videogame. Poucas vezes fala, num filme onde o roteiro propositalmente remete para raros diálogos, onde as imagens demonstram sua grandiosidade e todo o esplendor pelos gestos de um homem gigantesco, apreciador de rock da pesada que adora fazer palavras cruzadas, na sua simplicidade de uma pessoa comum, mas de um coração enorme. Seu instinto quase que beira a irracionalidade conflitua com o ser amoroso e de baixa estima pela timidez inata.
Fica evidente a inversão de papéis como da humanização da besta ou do homem que se bestializa. Instala-se um jogo de gato e rato, com passagens fulgurantes de caçador e de caça. Do anjo da guarda passando para o ataque como uma fera incontrolável e não domesticada, bastando para tal, alguém colocar em risco sua protegida que dormita em seu coração. O longa é um poderoso drama da relações humanas, na vulnerabilidade de um homem com seus quase 2 metros de altura, torna-se impotente diante da amada platônica, magra, miúda, frágil, que o deixa transtornado, observando-a sistematicamente pelas câmeras no interior do ambiente. O clima tenso avança para o final, tornando-se iminente um desfecho que irá libertá-los das amarras de sua autocensura e do medo da rejeição.
O longa é denso e as vezes até cômico. Porém, há o clímax explosivo de raiva e ódio que irão transformar o pacato segurança num ser irracional, já prenunciado em cenas anteriores, como a do violento espancamento ao trucidar o motorista de táxi que ousou lançar farpas amorosas para Julia. Sua respiração arquejante, como de um animal selvagem acuado pelo amor, explode com a imposição da injustiça cometida pelo supervisor do supermercado, ao ser esmurrado junto com a demolição literal das gôndolas de alimentos. Há um duelo de poderes a serem decifrados entre o subalterno e o mandatário. Um filme com todos os subsídios psicológicos que levam do tom cômico para o drama magistral. O reflexo da violência implícita se exterioriza quando as evidências da negação da justiça se fazem presentes, refletindo na materialização.
Há evidentes influências de clássicos do cinema, como do célebre filme King Kong (1933), diante da desproporção entre Jarita e Julia, mas em ambos há a paixão fulminante pela fragilidade, como do gorila gigantesco que luta contra os dinossauros e a mocinha é jogada de um lado para outro, bem como no clássico infantil A Bela e a Fera dá conotações e seus ares de influência artística minimalista. Outra obra que o influenciou, mesmo sem ser clássico, é o ótimo drama O Guardião (2006), dirigido pelo argentino Rodrigo Moreno, abordando de maneira profunda a solidão e o silêncio de um guarda-costas de um ministro com a tolerância se esgotando dia a dia.
O final é quase que inusitado de Gigante, mas com todas as condições emblemáticas de uma harmonização do mar revolto precedido pela areia branca, assim como os diálogos cobertos pela mudez e indicadores de uma realidade prestes a se concretizar, mesmo que para tanto haja os contratempos naturais em vidas que se cruzam pelo acaso e se fundem pelo destino. Eis um filme para ser visto e não ouvido, diante da valorização da imagem em detrimento dos cansativos diálogos impostos por alguns cineastas descuidados.
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