quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Manhã Transfigurada


















Manhã Póstuma

O primeiro longa gaúcho totalmente produzido no interior do Rio Grande do Sul, na cidade de Santa Maria, vale mesmo pelo esforço da equipe técnica e da produção. Seu diretor Sérgio de Assis Brasil faleceu em 2007, antes de terminar a obra, que levou mais de 10 anos para ser concluída. Coube ao produtor Álvaro de Carvalho Neto terminar bravamente Manhã Transfigurada, lançado agora em Porto Alegre e nas principais capitais brasileiras, entre as quais Rio de Janeiro e São Paulo. Antes houvera uma sessão especial no Festival de Gramado de 2008 e uma pré-estreia na cidade que fora produzido e rodado.

O longa foi adaptado do livro do festejado escritor Luiz Antônio de Assis Brasil, primo do diretor, que pretendia realizar primeiramente uma minissérie, mas ao obter verbas por patrocínios, incentivos legais, optou pelo cinema, com uma tenacidade elogiável na busca de recursos e apoios da iniciativa privada. Gustavo Assis Brasil, filho do cineasta, criou e gravou a trilha sonora em 2004. Percebe-se claramente os diálogos serem dublados e o artificialismo puro das cenas mais dramáticas, tendo em vista as dificuldades com o som direto, diante dos problemas de áudio. É inegável que Sérgio foi um incansável desbravador pela paixão que nutria pela sétima arte. Esta óbra póstuma deve ser prestigiada, pelas dificuldades sabidas de se elaborar, produzir e colocar no mercado uma película sem apelos comerciais e afastado de uma mídia poderosa como a da rede global que enaltece e arrasta multidões para assistir os intragáveis Os Normais, Se Eu Fosse Você 1 e 2, filmes da Xuxa e da Turma dos Trapalhões, subprodutos da televisão.

Os desacertos são muitos na produção, entre os quais o forte sotaque do interior gaúcho, dando uma conotação muito regional para o filme. Obstaculiza desta maneira uma trajetória que poderia ser alvissareira, inviabiliza portanto uma comercialização nacional e um público mais eclético. Peca fundamentalmente pelo simplorismo do roteiro, onde uma moça é ofertada pelo pai para cobrir as dívidas de sua fazenda, no final do século XIX, porém o marido descobre não ser virgem sua esposa na noite de núpcias, buscando a anulação do casamento, deixando-a trancada em casa com sua governanta. Também o final é por demais previsível, numa tentativa forçada de tragédia grega, onde estão envolvidos os sacristão apaixonado e o padre como fruto da nova paixão da jovem estigmatizada pelo esposo, um estancieiro rico mas de uma grossura imensurável.

Os valores como religião, moral e família poderiam ser mais aprofundados. A superficialidade é reinante e a história segue seu périplo sem qualquer contestação, embora haja um conflito bem nítido como da carne e do espírito, provocados Camila, tanto no padre com seus sonhos e devaneios, como no seu ajudante de ordem que chegou as vias de fato, apaixonando-se loucamente pela mulher mais hostilizada da paróquia.

O longa gaúcho segue uma narrativa complicada, pois o roteiro tem uma predileção por novelas de época das 6 da tarde da Rede Globo, como Sinhá Moça, Escrava Isaura, Paraíso, Cabocla, entre outras. A fotografia é alentadora no emaranhado do filme. Quem se salva mesmo é a bela atriz Manuela do Monte, de 17 anos à época, com seus cabelos cacheados, de rosto fulgurante, sedução nos olhos e inocência da fala e corpo esguio, no papel da pseudoexilada Camila, que hoje brilha na novela Paraíso como Tonha. Outro erro é o elenco, exceto a atriz referida, pois o tom teatral em forma de jogral leva as representações a sucumbirem irremediavelmente, diante da farsa dos atos com caricatos diálogos.

Manhã Transfigurada segue uma linha convencional linear, afastando qualquer tipo de surpresa, do início até o final. É notória a sensação do déjà vu. Até o filme Concerto Campestre que passou há alguns anos, também retirado do livro do escritor Luiz Antônio Assis Brasil, dá um resultado bem melhor, com algumas semelhanças e proximidades de roteiro, abordando de forma mais clara e contundente os costumes do interior do Rio Grande do Sul. Fica o esforço comovedor da produção, porém o resultado é decepcionante, restando a semente deste diretor e pioneiro do interior gaúcho.

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