segunda-feira, 13 de julho de 2009

Stella


















Contrastes da Infância

Mais um drama francês, tendo no papel principal uma simpática menina de 11 anos, faz o sucesso merecido de Stella (2008), com direção e roteiro de Sylvie Verheyde, lembra em muito A Culpa é do Fidel, dirigido com brilho por Julie Gavras, que se tornou um cult no ano passado. Léora Barbara está encantadora na personagem que dá o título deste comovente filme que se debruça sobre a precocidade adulta na infância e a ausência contumaz dos pais. Também foi explorada esta temática em dois filmes recentes da França, essencialmente sobre a adolescência e a rotina colegial, tais como: Entre os Muros da Escola e A Bela Junnie.

Stella não é mais um filme que fala sobre crianças na escola e problemas com os pais. É muito mais do que isto. Este tema que nunca se esgota trata do universo infantil atropelado pelo dos adultos. Fica evidente a queima de etapas na fase pré-adolescente desta menina que vive com os controvertidos pais na periferia de Paris em 1977, que estão em permanente estado de confronto diário. O pai (Benjamin Biolay) -filho de uma ex-prostituta- é traído pela mãe (Karole Rocher) com seu melhor amigo, bebe, fuma e joga no seu bar dançante, uma espelunca de promiscuidade, com música alta e som que impede as noites bem dormidas da filha que pela sua janela observa um corpo sangrando na sarjeta expulso do interior daquele inferno que vive ela, pai e mãe, em mais uma daquelas noitadas que não consegue sequer ter o direito de dormir com dignidade, nem tanto pelo volume musical, mas pelo barulho e gritaria ensurdecedores. Tem em seu quarto acanhado e desarrumado as fotos de ídolos contrastando com o cenário do ambiente da nova amiga com suntuosos prédios residenciais e comerciais. Ao conhecer a amiguinha da escola de classe média alta Gladys (Mélissa Rodriguez), filha de um psiquiatra judeu, que numa cena lança com sarcasmo que na Argentina tem o mesmo número de pacientes como de sua especialidade médica. Stella conhece outro universo, toma novos horizontes com rumos para o amor e a leitura. Começa a descobrir um mundo novo com a filha do intelectual que lhe questiona seus conhecimentos de autores franceses, como Cocteau e Balzac.

Temos a avó que conhece todos os frequentadores do malfadado bar, pois sua condição do passado a deixa muito próxima dos que ali pululam, como Alain (Guillaume Depardieu- filho de Gerard Depardieu) que mantém um amor platônico pela menininha doce e charmosa, a protege de situações difíceis. Há o Bubu, um pedófilo que tenta abusar sexualmente de Stella, que logo em seguida apanha uma espingarda para matar o amante de sua mãe, com a intervenção precisa do pai com o coração despedaçado pela perda do amor da mulher que ama com seu dito amigo do peito.

A passagem de férias pelo interior da França, lembra em muito o longa brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (Cao Hamburger na direção, ano de 2006) e o argentino Kamchatka (diretor Marcelo Piñeyro, ano de 2002). Fica evidente o conflito de civilização: interior com capital, claramente na voz forte e ressentida do pai da amiga de infância Geneviéve (Laëtitia Guerard) chamando-a de forma hostil de parisiense. Seu relacionamento com os garotinhos interioranos e a descoberta do beijo são frustrantes, diante das diferenças de conceitos e valores. As cenas do conselho de classe, com a participação da colega Gladys, lembra o outro longa francês Entre os Muros da Escola, com ríspidas discussões e conflitos entre alunos e professores, principalmente as humilhações protagonizadas na sala de aula.

A diretora apanha muito bem a cena em que Stella liga para a mãe para lhe dar a notícia que passara de ano, seu pai ao receber a notícia apenas balbucia "vamos comemorar" e segue bebendo absorto no vazio de sua existência. Já se percebe a ausência dos pais no início da filmagem, quando a garota apanha na escola e seus genitores simplesmente ignoram. Logo passa de agredida para agressora de uma outra coleguinha por uma banalidade. Em outra cena comovente desabafa que sabe tudo sobre jogo de cartas, bebidas alcoólicas e como se faz um filho, mas desconhece o resto.

O filme conduz com belas canções envolventes num clima frio e hostil, com a extensão de um precoce amadurecimento, ficando a infância num plano secundário, mas a descoberta do amor pelo jovem cabeludo e o incentivo moral e intelectual de Gladys a levam a superar as dificuldades e vencer a batalha árdua da admissão e o desabrochar para a vida, apesar de sua idade tenra de 11 anos. O universo infantil é um tema que nunca se esgota e o lirismo da cena final dá uma esperança de que o mundo adulto não irá tragar uma trajetória juvenil salpicada de tropeços e decepções. Eis um filme para ser visto com o coração e a alma.

Um comentário:

Cristina Figueiró disse...

Gosto de filmes que mostram a visão da criança sobre o papel de seus pais nas transformações políticas ocorridas no seu tempo. "Contrastes da Infância" é um filme parecido com "A culpa é do Fidel".