terça-feira, 21 de julho de 2009

Bem-Vindo

















A Xenofobia

O longa-metragem Bem-Vindo, de Philippe Lioret, aborda a política das imigrações, através de um garoto curdo de 17 anos (Firat Ayverdi), refugiado da guerra do Iraque. O mote é a busca incessante da namorada na Inglaterra, tendo se estabelecido temporária e ilegalmente em Calais, na França. Logo recebe ajuda do professor de natação Simon (Vincent Lindon), que o treina secretamente e logo mantém um estreito relacionamento de amizade, embora confundido por vizinhos e pela própria polícia francesa de imigração, como um "relacionamento especial". Eleito o melhor filme europeu da Mostra de 2009 do Festival de Berlim.

Simon que está separado de sua mulher Marion- voluntária de imigrantes ilegais-, a quem ama muito, ao dar cobertura e abrigo ao jovem, busca ao mesmo tempo reconquistar seu coração, o que o faz minuciosamente lírica e sutil. O garoto está obcecado pela busca da namorada que poderá casar com um primo, por decisão do pai. Pensa em ser jogador de futebol do time do coração inglês, o Manchester Leeds Unites, sendo fã ardoroso de Cristiano Ronaldo e de Beckham. Mas sua tarefa é praticamente impossível, pois quer cruzar o mar a nado, tendo em vista suas frustradas tentativas de se esconder no interior dos caminhões. Há uma frase reveladora de Simon à Marion numa mesa de bar: "Ele quer atravessar o Canal da Mancha para ver sua namorada e eu não atravessei a rua para te buscar de volta".

Este é um filme que causou muita polêmica na França, por tratar dos desdobramentos sociais e políticos, com explícita intolerância racial, evidenciado pelo choque cultural e a iminente violência, decorrentes da questão da imigração mal resolvida por dezenas de anos. Houve declarações públicas fortes do Ministro de Imigração, Eric Besson, acusando a proposta do diretor de "inaceitáveis" e que "cruzou a linha amarela", por ter comparado os clandestinos ilegais em território francês com os judeus na ocupação nazista. Lioret respondeu com classe e elegância em carta aberta à população: "Em todas as sociedades em situação de crise, face à injustiça, cada cidadão encontra-se um dia frente às suas responsabilidades".

O longa retrata com fidelidade a dolorosa saga dos imigrantes para um novo horizonte, mesmo que refugiados de um país que vive numa carnificina total de uma guerra sem limites, como a do Iraque com os EUA. Sofrem com todo o tipo de intolerância e preconceito, não podendo sequer tomar um banho diariamente por serem ilegais. Vivem em albergues em péssimas condições humanas, como se fossem prisioneiros da pior espécie, comem e dormem muito mal, sofrendo a ojeriza de uma casta que lhes viram as costas, fruto da xenofobia racial. Há o vizinho de porta do professor que o denuncia às autoridades, acusando-o de infrator e relacionamento homossexual, por abrigar na clandestinidade pessoas não nativas, com a paradoxal frase em seu capacho de porta "Bem-Vindo". Já no filme O Visitante (Tom McCarthy), a situação da imigração e sua ilegalidade também se questionava a política xenofóbica aplicada institucionalmente nos EUA, derivando daí o ódio racial.

O professor demonstra todo seu afeto, compaixão e discernimento como pessoa superior ao "adotá-lo como filho". O resgate da polícia inglesa costeira, distante 800 metros da costa, evidenciam a transgressão por um suposto crime e o castigo dos homens mantenedores da ordem. O anel de safira com diamante levado à namorada e a devolução da joia mostra a dignidade, com clara manifestação de revolta e sinceridade, numa metáfora alusiva ao amor e à vida, em uma das cenas mais realistas e grandiosas. Outra cena comovedora é a de Simon em Londres, assistindo um gol de um dos ídolos do garoto curdo.

Restabelecido das agruras, sente a impotência dos mortais e o lampejo da derrota que faísca de seus olhos tristonhos logo o encorajam para um futuro talvez promissor e menos discriminatório. Mesmo com sonhos desfeitos numa realidade dolorosa, fica o manifesto e a crítica neste libelo contra a intransigência dos povos ditos de primeiro mundo.

Eis um filme a ser assistido pelo brado de resistência, ainda que tenha na mentira do seu personagem principal a forma ilícita para salvar a pele de sua ex-mulher, protegendo-a da sanha irascível de uma política de imigração abominável que deve ser questionada à exaustão, mesmo que seus governantes maiores, como o ministro francês se oponha ameaçadoramente.

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