quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Mostra de Cinema São Paulo (Terra Perdida)

 

Os Irmãos

Vem do Japão em coprodução com a Malásia, a França e a Alemanha o filme Terra Perdida, um surpreendente drama social sobre a imigração nesta 49ª. Mostra de Cinema de São Paulo, com a fascinante fotografia de belas imagens captadas pelas lentes do competente fotógrafo Yoshio Kitagawa. Venceu o Prêmio especial do júri da seção Horizontes em Veneza. A direção e o roteiro são do japonês Akio Fujimoto, formado em cinema na Visual Arts Academy em Osaka, onde nasceu. Sua realização mescla ficção e documentário com uma abordagem humanista ao retratar dois irmãos menores que viveram em um campo de refugiados e acabam entrando numa jornada rumo à Malásia na esperança de se reunirem à família. Frequentemente, o diretor trata da vida de pessoas que vivem à margem da sociedade. Tem em sua filmografia os longas-metragens Passage of Lif (2017), vencedor dos prêmios de melhor filme e direção na seção Asian Future do Festival de Tóquio, e Along the Sea (2020), apresentado no Festival de San Sebastián.

A trama gira em torno de Somira (Shomira Rias Uddin Muhammad), a irmã astuta de 9 anos e Shafi (Muhammad Shofik Rias Uddin), o simpático irmão de 4 anos. Depois de viverem em um campo de refugiados em Bangladesh, os inseparáveis irmãos são colocados num barco pela própria mãe rumo à Malásia com um grupo de outros refugiados rohingya, A crise deles é humanitária que começou com a intensificação da violência contra a minoria rohingya no pequeno país Mianmar em agosto de 2017, forçando mais de 750.000 pessoas a fugirem para Bangladesh. Na esperança de se reunirem com sua família, os manos passam dias intermináveis em um barco de contrabandistas superlotado, até que um incidente no mar os deixam sozinhos e perdidos na Tailândia. Mas existe alguma bondade em pessoas com o mesmo foco que encontram aleatoriamente pelo caminho, aliada ao seus espíritos resilientes, mostram que não estão sozinhos no mundo e a distância de casa pouco importa. O sonho de encontrar os parentes biológicos é mais forte, tendo em vista que foram separados pelas dificuldades por onde andaram. No entanto, jamais poderiam imaginar que o trajeto seria altamente perigoso pelas circunstâncias alheias.

O realizador em sua narrativa dramática retrata, de forma sutil e sensível, sem usar recursos de clichês recorrentes em realizadores incompetentes, mostra cenas dos imigrantes à procura de um lugar melhor para se estabelecerem, sem as apelações usuais. Conta a história das crianças e seus parceiros de ocasião que vira uma verdadeira epopeia entristecedora, como o confronto com a polícia costeira tailandesa; a tempestade em alto-mar que dizimou vários refugiados, entre eles, o rapaz sonhador que queria ser dono de uma escola e o jovem que desejava ser professor. As amarguras e contratempos são confrontadas com a esperança de uma solução pragmática em uma sociedade doente em ruínas. Fujimoto aproxima a câmera nos rostos dos personagens para dar mais nitidez e o espectador perceber com naturalidade as angústias que brotam e se espalham pelos olhares, como dos imigrantes dentro do atulhado barco quase à deriva em busca da liberdade e de um horizonte tênue. As crianças correm e se divertem ingenuamente numa comunidade logo após o acidente com a embarcação, logo se integram a um novo grupo que também procura o retorno para a Malásia. A cobrança de valores exagerados de agentes mesquinhos misturados a facções inescrupulosas sem pudor, sendo mal recebidos e extorquidos, fazem vítimas com alguns sendo executados como exemplo.

Tudo anda em compasso de espera até a abrupta separação dos irmãos pela brutalidade objetiva com ingredientes de um realismo cruel. O novo lar do menininho não o consola e seus sonhos com a irmã são reveladores para um destino de procura incessante da desaparecida. A dor, a lembrança e a esperança andam juntas, porque nada substitui o afeto e o vínculo rompido pela separação involuntária. Um relato triste e realista de uma situação da pobreza extrema na busca de novas perspectivas, que remete para o espetacular longa italiano Eu, Capitão (2023), do badalado cineasta Matteo Garrone. A similitude é muito próxima pela temática da desagregação familiar diante da separação pela imigração ao especular um mundo melhor. A crença religiosa em Alá, o Deus muçulmano em que acreditam para exprimir os sentimentos de confiança, alegria e vitória, no qual é venerado, intuindo que este nunca os abandonarão. Serve como um puro combustível potente para seguir a saga da fé e da resistência nesta luta dolorosa de pouca perspectiva. Enfrentam uma série de desafios para testar a própria dignidade humana nesta arriscada empreitada. Nada porá fim na esperança até a tragédia chegar com uma força devastadora e jogar em cada espectador, para sair da zona de conforto, a dura realidade da insensatez. Os caminhos são tortuosos e de muita hostilidade parar encontrar as fantasias de um futuro edificante de ilusões, apenas.

O contexto narrativo é fundamental para criar um clímax de medo da contumaz miséria e do terror psicológico pela barbárie das facções encontradas como entraves pelo caminho, torna a dramaticidade amplamente complexa na essência do cinema propriamente dito, em que os irmãos e a plateia se chocam com as circunstâncias adversas. Embora surpreendidos no epílogo como elementos distorcidos do resgate da dignidade ultrajada pela humilhação. Uma realização com amplitude maior na abordagem com eficácia nas relações constrangedoras dos fragmentos da dura ruptura social que desencadeiam em episódios violentos e perversos sobre as perdas acumuladas. Os elementos opressores obscuros são retratados pela realidade selvagem das dificuldades impostas como a corrupção, a violência e a solidão. Terra Perdida é um drama magnífico com um desfecho nada alentador, aflorando o pessimismo. Ainda que haja ausência total do gênero melodrama apelativo no enredo ao escapar das armadilhas do maniqueísmo, fica difícil segurar a lágrima que escorre pelo rosto. Uma história com subsídios fortes na sua essência, que revela diversos aspectos sobre os seres humanos que decidem sair da pobreza diante do caos para seguir em frente. Serve como reflexão sobre as irracionalidades bestiais neste painel arrebatador pela sobrevivência.

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