Ascensão de um Gênio
Empolgante com muito frenesi e emoção à flor da pele, politicamente incorreto, assim é o recorte de 1961 a 1967 da cinebiografia Um Completo Desconhecido, que conta a vida e a carreira artística do singular cantor, compositor, pianista, escritor, ator, pintor e artista visual Bob Dylan. Interpretado por Timothée Chalamet (conhecido por Duna, Duna 2, Wonka, e Me Chame Pelo Meu Nome), ganhador do prêmio SAG Awards, entrega uma impressionante atuação com amadurecimento, mostrando-se um ator versátil em mais de um tipo de gênero. Encarna incrivelmente os maneirismos do astro, reproduzidos de maneira notável ao segurar o violão no palco com o uso constante de cigarros sempre fazendo a inseparável companhia nas apresentações performáticas. Dá vida e força ao seu personagem carismático que ecoa nos shows e na atribulada vida, tanto pessoal como profissional. Demonstra invejável vigor físico e psicológico para uma construção despojada que atinge a exuberância com sua voz rouca, os trejeitos, o olhar hipnotizante, a afinação, sem tentar imitar, com o gestual e o visual característicos do biografado. Não poderia ser outro o intérprete para uma desenvoltura melhor no papel que se dedicou com fibra. Teve de aprender a cantar, tocar violão e principalmente manusear a icônica gaitinha de boca para evocar o inconfundível músico no cenário folk e rock.
Nascido em Minnesota em 1941, nos EUA, neto de imigrantes judeus russos, influenciou diretamente grandes nomes do rock americano e britânico dos anos de 1960 e 1970. Já na adolescência aprendeu sozinho piano e guitarra. Dylan explodiu com as canções Blowin’in the Wind (1963) e The Times They Are a Changin (1964), que se tornaram verdadeiros hinos dos movimentos pelos direitos civis. Ferrenho crítico da Guerra do Vietnã, com letras que incorporaram uma ampla gama de natureza política, social, filosófica e literária. Desafiou as convenções das regradas música pop através da contracultura onde o folk era majoritário, no auge de popularidade nas décadas de 50 e 60. Abraçou a causa das tensões dessa época na busca da liberdade contrastando com a indústria e seus próprios fãs. O filme mostra o astro e toda sua admiração pelos ídolos roqueiros Johnny Cash (Boyd Holbrook), Little Richard e Buddy Holly. Também admirava o pioneiro da música de protesto Pete Seeger (Edward Norton), e expressa uma idolatria pelo lendário cantor folk Woody Guthrie (Scoot McNairy), a quem foi visitar no hospital em Nova Iorque, já com a saúde debilitada.
Um Completo Desconhecido merecia ter melhor sorte na premiação das oito indicações ao Oscar, tendo saído injustamente de mãos vazias. O diretor e roteirista James Mangold traz em sua filmografia Garota Interrompida (1999), Johnny e June (2005), Os Indomáveis (2007) e Logan (2017). Acerta ao realizar a cinebiografia num recorte dos anos de 1960 com o jovem promissor de apenas 19 anos, que desembarca de um ônibus em Nova Iorque em busca da ascensão e do estrelato. Transita entre pontos de relevância ainda desconhecidos do passado. Mostra a importância da musa inspiradora e namorada Sylvie Russo, inspirada em Suze Rotolo (Elle Fanning). Ela amargura cenas de ciúmes na dificuldade de lidar com a renomada cantora Joan Baez (Monica Barbaro, conhecida pelos papéis em Top Gun: Maverick, At Midnight e The Cathedral). A atriz está magnífica na pele da cantora com o magnetismo de seu olhar, mostrou talento e carisma da personagem que foi companheira pessoal e profissional, embora com uma relação de forma atribulada na carreira do biografado. Dividiu com Sylvie a vida amorosa de Dylan com seus vacilos e hesitações do cotidiano no triângulo, mas que não o impediram de partir para o topo das paradas. O enredo foca a trajetória dos pequenos bares, salas de concertos, culminando na inovação com o rock and roll elétrico no Festival Folclórico de Newport em 1965, mesmo com a controvertida apresentação, foi um dos cruciais momentos transformadores da música do século XX.
Eleito em 2004 pela revista Rolling Stone o sétimo maior cantor e o segundo melhor artista da música de todos os tempos, ficou atrás somente dos Beatles. A canção Like a Rolling Stones (1965) foi escolhida como a melhor de todos os tempos de um dos maiores fenômenos da história da música. Vendeu mais de 125 milhões de álbuns, recebendo, em 2012, a mais alta honraria civil dos EUA, a Medalha Presidencial da Liberdade. Primeiro e único artista na história a ganhar o Nobel da Literatura em 2016, o Pulitzer, o Oscar, o Grammy e o Globo de Ouro. Não é uma cinebiografia definitiva, sequer dá toda esta riqueza de detalhes e fatos mencionados. É para sorver as canções fascinantes de Dylan, e também degustar as canções de Baez, especialmente quando a dupla canta It Ain’t Me Babe (1964). O resultado não poderia ser melhor para deleite do espectador, fã ou não, nesta imersão que beira ao sensorial nos 140 minutos que passam voando. Há uma reflexão daquele período turbulento nos EUA, com os assassinatos do presidente John Kennedy, em 1963, e do líder ativista e pacifista Martin Luther King, em 1968, na defesa dos direitos civis e da causa dos negros, na qual as canções são mostradas dentro de um contexto social conflitado.
O epílogo não apresenta grandes surpresas pirotécnicas, mas tem um desfecho digno de um comovente filme com cenas marcantes de diálogos significativos que não se deixa levar por pieguismos baratos. Tem um clímax que funciona muito bem através de um elenco coeso e com atuações encantadoras, em especial, da dupla central, com um alto nível de refinamento que solidificam as atuações como admiráveis, e sem reparos. Um filme para todas as gerações, que humaniza a posição do protagonista numa época difícil. Há uma árdua superação que resulta no profundo desabrochar pela metamorfose rumo à fama. Sem os estereótipos dos grandes ídolos vistos em várias realizações, sendo outro ponto importante a ser destacado. Outro ingrediente meritório está no cardápio apresentado de belos hits e algumas figuras folclóricas apresentadas. Advindas das inquietações constantes, há uma quebra de paradigmas de comportamentos, cultura, subversão e evolução neste registro histórico da sincronia importante do legado do artista. Um passeio pela trajetória de fatos que marcaram a existência de um gênio entre prós e contras, alegrias e dissabores, mas sem aquele ranço viciado de simplesmente contar uma história recheada de futilidades das celebridades numa narrativa intensa e arrebatadora.
4 comentários:
"Um Completo Desconhecido" é uma declaração de amor para um dos maiores artistas que surgiram no século vinte e cuja sua obra serviu de influência para muitos até hoje.
O filme é espetacular. Segue uma linha tênue entre a intuição visionária do poeta, cantor e músico. Chalamet, como já é de costume, performa de forma brilhante a personagem de Bob Dylan. O roteiro apresenta histórias que eu desconhecia. Elenco e direção de alto nível. E a cereja do bolo é a trilha musical e poética. Um filme de alto nível e sem perfil de blockbuster. ⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️
Concordo em tudo.
Concordo com sua posição.
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