Vidas Entediadas
Vem da Noruega o sensível drama A Human Position, título que pode ser traduzido literalmente como “A Posição Humana”, disponível no MUBI. Escrito e dirigido por Anders Emblem, que estreou no cinema dirigindo Hurry Slowly (2018), com pouco mais de uma hora. Abordava um casal de irmãos durante alguns meses de verão que mudaram suas vidas na costa oeste norueguesa, onde ela fazia malabarismos com os cuidados dele que trabalhava na balsa local e tinha uma predileção pela música, com interesse em fazer carreira. A característica do jovem diretor é realizar filmes de pequena duração, como neste seu último longa do ano passado, que tem 78minutos. Dedica-se a fustigar os meandros sociais e políticos de seu país escandinavo de montanhas, geleiras e fiordes litorâneos profundos. Famoso pela pesca e a indústria de bacalhau é uma das mais famosas do mundo, e que dá o mote para a trama bem alicerçada no roteiro.
A cidade portuária de Ålesund é o palco do lindo cenário captado nas imagens fascinantes pela lente do fotógrafo Michael Mark Lanham, com navios singrando lentamente pelo mar. O local é caracterizado por intermináveis noites modorrentas de verão, com águas de uma tonalidade azul turquesa deslumbrante. O ponto de partida é a reportagem da jornalista Asta (Amalie Ibsen Jensen), que investiga uma história enigmática de um intrincado caso de deportação forçada, decorrente de um refugiado que ingressou ilegalmente no solo da Noruega, e acabou por ter seu visto negado definitivamente. Outros casos poderiam também ter tido o mesmo destino, como sugere o rumo da apuração de novos fatos e dados. Ela está sempre acompanhada do fotógrafo (Lars Halvor Andreassen) que vai obtendo algumas fotos para tentar elucidar o caso. O panorama é repleto de sutilezas para mostrar um choque de realidade dentro de sonhos idealizados por seus habitantes, mas com nuances de perdas e conquistas.
O realizador é um adepto do cinema de contemplação para retratar o vazio da condição humana e seus complexos valores intrínsecos e extrínsecos dos personagens centrais. A jornalista tem um serelepe gato preto com detalhes alaranjados, que acaba roubando as cenas em que aparece. Ela vive com Live (Maria Agwumaro), a companheira, de todas as horas e momentos importantes de sua vida numa antiga casa com proximidade do mar, é uma designer de interiores apaixonada por restaurar cadeiras. Com relação aos sentimentos das personagens e da relação, pouco se sabe, diante do enredo pontuado por uma recorrente tristeza marcante de lembranças e divagações, inclusive a recordação pouco agradável para Asta de uma cicatriz que carrega no ventre e preconiza uma cesariana.
O filme traz a história sem muitos detalhamentos que irão se desenrolar como um novelo no enredo de um roteiro enxuto, mas que esclarece aos poucos os enigmas apresentados no seu contexto com marcas sintomáticas de amor, tédio e solidão para ser digerido a cada cena. Vai desde o ponto de partida até o epílogo num ritmo melancólico que tanto cala, afasta e aproxima os seres humanos sedentos de ternura, e acerta para quem já está aborrecido de tanta violência explícita. A história é contemporânea e atual mesclada com imaginações de um tempo tedioso com situações que acontecem da expulsão de refugiados sem a mínima chance de defesa, pois o processo todo corre sob sigilo absoluto. Embora a repórter tente por várias maneiras obter informações, nada vaza, exceto algumas deduções de palavras soltas desconexas, mas que terá algum valor como subsídio para a investigação jornalística.
Uma realização hábil que mostra sentimentos com elementos humanos dignos, através de delicados quadros de cenas mostradas em longos planos-sequência com uma câmera estática, sem qualquer movimento, para captar o silêncio, a vida do cotidiano, a poesia do lugar cercado por um bosque de frondosas árvores dentro de um cenário diário eivado de melancolia. Sem didatismo ou apelação para lágrimas fáceis, afastando-se completamente de pieguismos. Méritos para o cineasta que conduz com boa criatividade o espectador a acompanhar sem lamentar ou fazer objeções do destino das personagens. Acaba por fisgar na essência cinematográfica contemplativa os admiradores do ritmo lento para reflexão sobre a solidão do ser humano e o sentido de sua existência na busca de um objetivo. As colocações, sutilmente, estão no prazer para atenuar a dor que remói e desvendar elementos do passado, também do presente, que serão aos poucos descortinados por dedução, como a satisfação harmoniosa do aroma da vida.
O longa busca alternativas pragmáticas para lidar com as dificuldades advindas do dia a dia prosaico, através de opções apresentadas como fórmula do bálsamo da convivência civilizada, como a cadeira trazida de presente pela personagem central para seu grande amor. Não cai na mesmice de roteiros complexos e confusos vistos em muitas realizações estéreis, mas dá vazão para um mergulho no imaginário do espectador. Uma construção de personagens sofridos na vida e em situações em que nem tudo está perdido, nem tudo é só pessimismo e só desesperança, há poesia contrapondo com o tédio visceral no contexto amargurado. Porém, o pessimismo sombrio dá uma brecha para se continuar na busca da dignidade humana. É dado o tom certo do clímax que desencadeará no desfecho que trará luz para o futuro, nesta obra de valores interessantes numa atmosfera de amor e desalento de uma realidade tão presente de personagens de alma e coração num cotidiano que gravita no painel construído por ações do tempo através de um cenário que corta o silêncio dolorido. Só as imagens falam com um toque de classe neste admirável drama existencial através de uma narrativa linear e emblemática inserida na linguagem do cinema em toda sua extensão.
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