sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Nada de Novo no Front

 

Encurralados

Indicado ao Oscar pela Alemanha e considerado um dos favoritos para abocanhar a estatueta de Melhor Filme Internacional, Nada de Novo no Front, em cartaz na Netflix, conta uma impressionante história da saga do protagonista Paul Bäumer (Felix Kammerer, de atuação comovente), que falsifica a autorização dos pais para embarcar e lutar com seus amigos. Eles se alistam voluntariamente no Exército “pelo Kaiser, por Deus e pela pátria”, diante de uma fervorosa onda patriótica, que logo faz com que os futuros anti-heróis caiam na realidade brutal de uma guerra que nada tem de glamourosa, sequer leva para os caminhos da glória. Os preconceitos sobre os ditos inimigos e os acertos e erros do conflito se desequilibram, no entanto, em meio à contagem regressiva da desejada volta. Paul continua lutando até o fim para satisfazer os generais do alto escalão com discursos fáceis e palavras bonitas, convencem os rapazes a arriscarem suas vidas por ideais para tentar acabar com a batalha, na tão sonhada ofensiva vitoriosa alemã contra a resistência francesa. O cenário patético nada mais é do que as insalubres trincheiras lamacentas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

A direção é do alemão Edward Berger, que também resgata o roteiro original de um best-seller da literatura, o livro homônimo escrito em 1929, das lembranças do soldado Erich Maria Remarque, imediatamente celebrado pelo seu olhar pacifista para retratar as experiências de jovens trucidados pela perspectiva do confronto sem limites, através de uma narrativa de vários personagens que estavam a serviço de uma sentença de morte injustificável. Foi adaptado no ano seguinte para o cinema e lançado no Brasil com o nome de Sem Novidade no Front. Uma mistura de épico com ação que foi considerado um marco da sétima arte, tornando Lewis Milestone um dos principais diretores de sua geração, à época, pela visão antibelicista. Venceu naquele ano os Oscars de Melhor Filme e Melhor Diretor, além de ter sido indicado para Melhor Fotografia e Roteiro Adaptado. Berger segue a surrada inclusão de lugares-comuns na construção dos velhos clichês do gênero no longa-metragem atual. Inspirado no clássico de 1930, esta é terceira versão, que tem um cuidado técnico bem apurado, tanto na bela fotografia, como na fascinante trilha sonora, embora haja muita repetição de cenas, ainda assim faz os espectadores repensarem os motivos verdadeiros e as mentiras da Primeira Guerra Mundial.

O drama de guerra faz um retrato interessante da falta de provisões e de água potável, das dificuldades de recuperação dos feridos, a estratégia errada do local para os combates, além da preferência pela retirada pseudoestratégica dos militares alemães, com algumas pitadas fortes de crítica social aos governos da época, tanto da Alemanha como da França. Questiona sobre os filhos que morrem no front por culpa de quem os empurra para lá, ainda que bem distante do arrebatador discurso feito em tom de protesto na excelente realização Frantz (2016), de François Ozon. Um país derrotado solenemente em terras estrangeiras com um saldo gigantesco de vítimas dos dois lados soa como uma proposta objetiva de um libelo contra o armamentismo e seu espírito belicoso. Estampa-se a dor das perdas e a derrota nos rostos dos sobreviventes na máxima: “A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam, por decisões de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam.”

Embora o filme dê uma sensação de déjà vu à trama, há o encadeamento dos dramas pessoais como estratégia para a construção de um discurso pacifista. O protagonista representa a essência da tragédia de uma guerra ensandecida pelos homens. Como fio condutor, revela outras realidades e expectativas frustradas semelhantes às suas fantasias ao contrariar a celebração dos heróis para continuar alimentando a máquina das armas e dos conflitos bélicos. Remete para outras obras similares como Dunkirk (2017), do britânico Christopher Nolan, inspirado na história verídica da Operação Dínamo, na qual houve o resgate histórico no início da Segunda Guerra Mundial, para salvar cerca de 400 mil homens das tropas aliadas. Acabam encurralados contra o Canal da Mancha pelas forças do Exército e Aeronáutica nazistas de Hitler na Praia de Dunquerque, no Norte do território francês. Também há analogia com o drama humano da Segunda Guerra Mundial retratado no dinamismo de Steven Spielberg em O Resgate do Soldado Ryan (1998), que segue a fonte de inspiração da abordagem pela paz. Também há uma aproximação com Glória Feita de Sangue (1957), de Stanley Kubrick, quando em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, um general francês ordena um ataque suicida. Porém, nem todos os seus soldados cumprem a decisão insana do militar. Então ele exige que sua artilharia ataque as próprias trincheiras. O pedido absurdo não é obedecido, por isto resolve pedir o julgamento e a execução de todo regimento por se comportar covardemente no campo de batalha e assim justificar o fracasso de sua estratégia.

Nada de Novo no Front tem alguns méritos pela eloquência e boa verossimilhança narrativa ao retratar soldados acuados e sem uma perspectiva de fugir daquele lugar inóspito, um buraco sem saída, com a morte rondando a cada minuto. Reitera a ideia do absurdo de mandar inocentes morrerem como animais de pouca importância, decorrente de caprichos dos militares com suas estratégias. A origem é a ambição geopolítica das nações com suas fragilidades e os atropelos exercidos pelas arbitrariedades dos comandantes com vidas alheias vistas como joguetes descartáveis. Enquanto os jovens extasiados pelos sonhos vendidos a eles passam fome e se alimentam com restos de comida, frio dilacerante e bebem água fétida para saciar a sede, os altas patentes, distante do front, participam de banquetes regados com os melhores vinhos e sobremesas suculentas, e ainda reclamam da qualidade que não está no ápice para seus paladares apurados. Uma ignomia recorrente, com uma triste mistura de lodo, sangue, bombas, punhais, tiros, mortes, discursos militaristas e arranjos nos gabinetes. Demora um pouco, mas logo os personagens se cruzam em suas peripécias de luta num roteiro flexível e complexo pelo clímax neurotizante sem tempo para delongas, deixando o fervor do cenário se diversificar. A reflexão fica estampada na carnificina doentia pela estupidez humana com resultado aterrador imposto ao olhos das testemunha dos fatos. Uma obra admirável que funciona quando retrata as individualidades e nas causas políticas e econômicas que pairam da loucura dos conflitos coletivos da chacina pela irracionalidade.

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