sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Minha Irmã

Luta pela Vida

Indicado pela Suíça para competir no Oscar deste ano, o drama familiar Minha Irmã é uma agradável surpresa neste início de 2021, com direção e roteiro de Véronique Reymond e Stéphanie Chuat, que já representaram seu país na mesma competição em 2011, com o longa ficcional The Little Bedroom (2010). Um autêntico mergulho na vida de dois irmãos e o sentimento construtivo que requer grande sacrifício de um em prol do outro. Sven (Lars Eidinger) teve piorada sua saúde pela progressão de um câncer de leucemia e a trajetória crepuscular vai se acentuando cada vez mais. A irmã gêmea, Lisa (Nina Hoss- de estupenda atuação, carrega o filme nas costas), decide que ele deve retornar às suas raízes em Berlim e conviver com a mãe, também atriz, Kathy (Marthe Keller), de difícil relacionamento, o que faz com intensidade e um certo êxito. No entanto, ela terá adversidades e consequências significativas no relacionamento com seu marido, Martin (Jens Albinus), que quer voltar para a gelada Suíça com suas nevascas constantes, e levar os filhos do casal, onde administra uma escola particular de dança.

A dupla de cineastas retrata com sensibilidade o fim de uma existência e toda sua decomposição aviltante, decorrente do agravamento da doença e sua decrepitude com o passar do tempo. Lisa foi uma dramaturga renomada, mas não estava mais escrevendo, já faz algum tempo que desistira de suas ambições, pois havia se mudado para os alpes suíços com os filhos menores e o marido. Seus pensamentos continuam na capital alemã, onde se encontra Sven, um famoso ator de teatro que ensaiava Hamlet, de William Shakespeare, mas vê seu projeto frustrado pelas péssimas condições de saúde. O companheiro dele o abandona, o teatrólogo desiste da peça por falta de recursos financeiros associado à moléstia do intérprete protagonista. Mas a irmã demonstra amor e garra ao enfrentar com obstinação quase que obsessiva pelo restabelecimento da vida do irmão. No meio deste turbilhão que surgiu inesperadamente diante da doença terminal, ainda terá de digladiar como uma leoa pelas crianças que o marido tenta raptar, após tê-la abandonada, diante da suposta negligência da manutenção do casamento. Faz de tudo, o possível e o impossível, para levar Sven de volta aos palcos, com o propósito único de dar alguma esperança como motivação para que continue a lutar pela vida.

Um filme denso e instigante sobre as relações humanas e o grande elo familiar advindo da complicada situação que acaba por refletir em anseios mais profundos no despertar da personagem central e o desejo de voltar a criar e se sentir viva novamente. Embora haja um painel caótico, este soa como uma inspiração pela lucidez mantida, que irá se refletir ao reescrever João e Maria, dos irmãos Grimm, de forma arrebatadora, ao transportar o conto de fadas infantil para uma alegoria adulta e sensível. A dor lancinante mexe com o espectador e suas emoções, mesmo sem ser um drama de grandiloquência, mas que se estende com sutileza pelos caminhos transversos que conduzem para a finitude. Dentro de um clímax sombrio, embora exista uma minguada luz de esperança, apenas entrecortado pela bela cena do desfecho do quarto compartilhado entre os dois, como que ela estivesse a homenagear o irmão e a vida com a escrita do monólogo criado com denodo e devoção para que ele atue de maneira derradeira no palco. É uma batalha contra o tempo e sozinha sente o mundo desmoronando, mas que não impedirá de deixar sua contribuição e seu amor fraternal como prova de resistência, dignidade e um humanismo na essência.

A trama é conduzida com um roteiro enxuto pelas realizadoras, sem arroubos ou manifestações de pieguismos baratos pelas armadilhas do melodrama, como já antecipa o prólogo. Num cenário registrado por alguns planos-sequência com os demais em contraplanos que individualizam e marcam a dor dos personagens, diante da aproximação da iminência da morte batendo à porta. Já a mãe vive solitária e indiferente num mundo egoísta e com certo desprezo ao filho homossexual. Não são usados subterfúgios, mas sim um estilo direto e objetivo de dirigir, em uma abordagem da doença de forma nua e crua, sem recursos alegóricos. As amarras do sofrimento angustiante decorrente da moléstia devastadora e implacável que deixa sequelas e marcas profundas terão uma poética licença lírica de uma relação fraterna no epílogo do cotidiano implacável no qual o grande vínculo familiar se mostra indissolúvel.

Temas como a morte, solidão e doença já foram explorados com méritos inegáveis pelo genial Ingmar Bergman em Morangos Silvestres (1957), e na incomparável e inigualável obra-prima Gritos e Sussurros (1972); ou ainda em Viver (1952), de Akira Kurosawa; bem como em Amor (2012), de Michael Haneke. Porém, há se ressaltar em Minha Irmã um naturalismo exposto como vísceras de uma dacadência humana sendo intensa, embora bergmaniano na abordagem proposta, tem na forma da crueza direta e em nada comparável com a estética criativa e metafórica dos mestres inspiradores citados. Uma jornada emocional que invoca uma profunda reflexão sobre a morte, a existência e o amor abundante e infinito, que tem na vida um final que dilacera, embora haja uma reconstrução de outra vida, num contexto de grande amor e amizade como duradouros e eternos. Um drama magnífico sobre o relacionamento de dois gêmeos, que pelo destino traiçoeiro deixará marcas boas e uma saudade imensa a quem fica. Reflete sobre os métodos de carinho, ternura, sintonia, sentimentos, parceria e a defesa incondicional do fraterno amor familiar no confronto entre vida e morte e suas emoções existenciais do progressivo fim do ser humano.

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