segunda-feira, 9 de março de 2020

Dois Papas



Bastidores do Vaticano

Depois de Cidade de Deus (2002), O Jardineiro Fiel (2005), Ensaio Sobre a Cegueira (2008) e 360 (2012), o festejado cineasta brasileiro Fernando Meirelles está de volta com o drama Dois Papas, que irá fazer parte de sua respeitável filmografia. Um projeto ambicioso em uma coprodução do Reino Unido, Itália, Argentina e EUA, bancada pela Netflix. Não chega a causar temor no Vaticano, ao realizar uma obra sobre os bastidores da cúpula do Catolicismo, assim como ocorreu com Nanni Moretti no contundente Habemus Papam (2011), uma criação com ironia fina na eleição papal; ou na sátira à igreja através de um complicado padre da periferia de Roma em A Missa Acabou (1985). O roteiro dinâmico e abrangente de Anthony McCarten (de A Teoria de Tudo e O Destino de Uma Nação) tem respaldo na sua experiência para dar vida aos diálogos ferinos dos protagonistas, em tom sutil com refinada finesse de humor em situações tensas e difíceis sendo respaldadas por conversas e olhares reveladores do cardeal argentino Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce- excelente atuação e uma semelhança física incrível) com o papa Bento XVI (Anthony Hopkins- de atuação magistral e irretocável).

O longa-metragem retrata a insatisfação do jesuíta humilde Bergoglio, que viria a se tornar o papa pop Francisco que assovia Dancing Queen, do grupo musical Abba, mas antes estava decidido a pedir sua aposentadoria, devido a divergências sobre a forma como o litúrgico alemão Joseph Ratzinger - eleito em 2005 como Papa Bento XVI, após a morte de João Paulo II- vinha conduzindo a Igreja com extremo conservadorismo. Com a passagem já comprada para Roma, o argentino é surpreendido com o convite do próprio papa para visitá-lo. Em uma conversa pouco amistosa, iniciam um duelo áspero de pensamentos para debaterem não apenas os rumos do catolicismo, mas o passado e o presente que os envolvem para vislumbrarem novos horizontes que os fiéis tanto aguardam. Abordam algumas peculiaridades da personalidade de cada um, embora haja ausência no roteiro da polêmica participação na Juventude de Hitler durante a adolescência de Ratzinger. Porém, a juventude de Bertoglio em Buenos Aires foi dissecada, inclusive que estava prestes a se casar, tendo abandonado a noiva em nome da religião, bem como sua omissão no período da Ditadura Militar na Argentina, deixando alguns padres em maus lençóis e entregues aos governantes do período de anos de chumbo, acaba por fazer uma sincera autocrítica com direito ao arrependimento.

Além da abordagem que passa pelas eleições realizadas entre os cardeais, o drama foca os santos padres e suas hesitações em manifestarem-se para os fiéis que o esperam na Praça de São Pedro. Meirelles conduz com elegância as angústias e diferenças de ideias entre os dois e lança uma hipótese provocativa, ou seja, caso vacilassem e desistissem da missão de Deus de conduzirem os homens na terra, como seria o futuro e a fé dos cristãos? O filme retrata homens falíveis. Francisco demonstra ser uma pessoa angustiada com um novo desafio pela frente, pensa em abandonar a posição de cardeal e retornar para sua cidade natal, para refazer suas reflexões diante dos destinos que a Igreja adota, como não se aprofundar nas denúncias dos reiterados assédios e das repetidas acusações de pedofilia. Demonstra grande insatisfação com o escândalo dos documentos confidenciais vazados antes da estrondosa renúncia de Bento XVI. A aflição dogmática pela conjuntura da engrenagem no Vaticano deixa o intenso cardeal argentino preocupado com os destinos futuros do catolicismo. Em um dos diálogos faz críticas à própria Igreja ao alfinetar: “Nada é estático na natureza, nem mesmo Deus”. Também arremata em tom de desabafo ao indagar: “Jesus construiu muros?”

A leveza das discussões cômicas se justificam nos bastidores entre os protagonistas e soam como um período de transição para o comunicado da renúncia que viria impactar o mundo e em especial os católicos. Ao juntar-se com os mortais pelas ruas, Francisco demonstra sua proximidade com as comunidades carentes na periferia de Buenos Aires simbolizando a América Latina pobre contrapondo com a riqueza e a ostentação da Europa. Reflete a informalidade dos latinos pela acessibilidade, descontração e a paixão pelo tango e o futebol, identificado como torcedor fanático do clube argentino San Lourenzo de Almagro. Mas a crise estabelecida no Vaticano o leva para os caminhos que parecem encurtar e jogá-lo num labirinto de dúvidas e barreiras instransponíveis, que sequer imaginava, vem à tona e o coloca de frente com uma realidade obscura e complexa de um futuro incerto e cheio de antagonismos. Agora como Papa terá que enfrentar os fiéis, quando chegar a hora de falar e levar uma palavra de devoção e religiosidade àqueles que o esperam ansiosos, além da imprensa faminta por informações e sequiosa de uma publicação nas páginas dos jornais e revelar a identidade do eleito. Tudo é muito rápido na vida dele e o grande momento lhe aguarda. O mundo parou para vê-lo, a fumaça branca chegou nas chaminés, porém sua convicção pela modernidade será testada no posto máximo.

François Ozon, no arrebatador drama Graças a Deus (2019), muito bem demonstrou na corrosiva denúncia diante de uma suposta intransigência deturpadora e inverossímil entre os destinos do clero católico, onde as soluções pragmáticas são colocadas para mascarar escândalos como a estúpida pedofilia que paira nos subterrâneos das igrejas por conta da hipocrisia e o medo do escândalo religioso sobre a irracionalidade bestial. Meirelles opta pela sutileza em tom de humor cáustico sobre o encontro dos papas, para retratar a crença e a coragem como demonstrações que não podem faltar pelos aficionados cristãos. Apesar do final de enganosa aparência politicamente correta, aponta e fustiga as diferenças entre os dois personagens centrais retratados e simbolizados como o novo e o ultrapassado. São os compromissos e convicções pessoais que se chocam com as atitudes da simplicidade de um que é adepto à abertura do diálogo próspero indo de encontro à pompa autoritária em consonância com a política interna seguida pelo outro, que defende ardorosamente ideias conservadoras reveladas pela inaptidão e falta de habilidade para conduzir situações do cotidiano. Transparece ao espectador o conflito de ideologias pelo ideal da fé religiosa manifestada como demonstração fragilizada e decadente da Igreja Católica neste agradável drama humanista de princípios opostos.

Um comentário:

Anônimo disse...


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