terça-feira, 15 de maio de 2018

Os Fantasmas de Ismael



Triângulo Amoroso

O drama psicológico Os Fantasmas de Ismael é uma realização que tem como principal atração o festejado trio de intérpretes da primeira linha do cinema francês: Mathieu Amalric, Marion Cotillard e Charlotte Gainsbourg. Na direção, está Arnaud Desplechin que tem uma trajetória razoável e nunca chegou a despontar como um cineasta inquestionável, sem marcar com uma obra arrebatadora, diante de sua diversidade de temas e subtemas dentro de seus filmes. Raramente se aprofunda, razão pela qual não empolga sua filmografia de resultados apenas discretos. É conhecido do público cinéfilo pelas obras Reis e Rainhas (2004), Um Conto de Natal (2008), Terapia Intensiva (2013) e Três Lembranças de Minha Juventude (2014).

O longa atual do realizador é mais um destes condensados que mistura ficção com realidade, com um filme dentro do outro, ausência de coesão, com uma sugestão de uma metalinguagem rasa, que pouco atrai a atenção do espectador mais exigente e atento à proposta principal. A narrativa é inconsistente, tanto para o que se vê na tela como uma suposta inovação, bem como para o que está sendo filmado dentro do drama proposto propriamente dito das relações conturbadas dos personagens em conflitos amorosos e existenciais. O enredo segue uma ciranda de amores rompidos bruscamente, reaparições do nada e o envolvimento de uma terceira pessoa que fica no olho do furacão, mas que apesar da paciência, cansa, vai embora, e retorna no vaivém segmentado de forma artificial pelo resultado de um roteiro com oscilações de altos e baixos, assinado pelo diretor em parceria com Léa Mysius e Julie Peyr.

Desplechin cria um clássico romance dividido num amor a três. O cineasta Ismael (Mathieu Amalric) está traumatizado pelo desaparecimento abrupto da ex-mulher, Carlotta (Marion Cotillard), com quem se casou quando ela tinha 20 anos. Simplesmente a mulher sumiu, teve uma vida promíscua e por último um relacionamento sério finalizado na Índia. Retorna ao lar num belo dia, após 21 anos, 8 meses e 6 dias, tempo este contabilizado com exatidão pelo marido abandonado. Ela encontra o ex-parceiro numa relação aparentemente duradoura e fortalecida com a astrofísica Sylvia (Charlotte Gainsbourg), uma pessoa que pensa no infinito e em ter filhos com ele. Entretanto, a repentina reaparição irá causar fissuras com uma flagrante desestabilização do casal apaixonado que acarretará num conflito psicológico de abalos sísmicos que tomam conta daquele radiante cenário da região costeira litorânea, captado pelas lentes da bela fotografia de Irina Lubtchansky.

O atormentado personagem central está em meio às filmagens de seu novo filme sobre a vida do irmão bem-sucedido, Ivan (Louis Garrel). Logo, entra em um processo de estresse, larga tudo e refugia-se na casa que morava na infância. Mas o produtor irá buscá-lo no seu retiro espiritual, agora dedicado a cuidar de galinhas. Desplechin não aprofunda nem o tema principal e sequer a subtrama, com elipses sendo realizadas a bel-prazer. Carlotta custa a se reaproximar do pai (Hippolyte Girardot), mas quando decide, há um choque no ancião com uma situação que irá desencadear no triste e derradeiro episódio da emoção desmedida fatal. As relações conflitadas são fragmentadas como indicativo de possível causa para a fuga como elemento de mote construído numa mescla de alguma rejeição, antes do desenlace. Os diálogos pouco elucidam e convergem para um acontecimento que estava desenhado como pouco improvável de uma rotina estabelecida pela amargura da pouca idade ao contrair matrimônio, embora sem uma motivação eloquente, deixa alguns resquícios da projeção de liberdade para sair de Paris e ganhar o mundo. Eis um núcleo em processo de dissolução dos vínculos ainda restantes do casamento, mas com uma reflexão reduzida dos fatores que motivaram as situações demonstradas.

O experiente Amalric sucumbe como um caricato diretor em crise; além de Cotillard estar insossa e pouco expressiva, numa atuação equivocada; já Charlotte se salva com uma performance muito boa, ilumina a tela em suas aparições para dar vida e segurar a trama como pode nos vínculos de fratura nas típicas relações familiares em rupturas de amarras de uma realidade ambientada numa mescla ficcional com um drama de frágil consistência com características particulares. Não engrena pela ausência de harmonia nas sequências de tempo de tela com as episódicas alternâncias de peculiaridades distintas e pelo roteiro confuso e sem força. Ou pela perda da dramaticidade envolvendo casais que buscam curar cicatrizes e fantasmas do passado, ou ainda pela comicidade pouco sutil com hilárias representações de um filme dentro de outro filme. Os Fantasmas de Ismael é estruturalmente uma espécie de continuação com situações evidentes de uma repaginação da realização anterior, Três Lembranças de Minha Juventude. Os planos de continuidade com personagens sendo colocados à margem, deixam o drama sem um clímax de uma narrativa satisfatória pela falta de foco, com a desmesurada incongruência que o torna desinteressante no desenrolar da história, para um epílogo novelesco convencional e previsível.

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