Aids em Debate
O diretor francês Robin Campillo, que divide o roteiro com
Philippe Mangeot, está de volta em seu terceiro longa-metragem, 120 Batimentos por Minuto, vencedor do
Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes. Foi premiado ainda pela Fipresci,
bem como pela Queer Palm de melhor realização LGBT, além de melhor filme
estrangeiro pelo Los Angeles Film Critics Association e pela New York Film
Circle. Como representante da França, acabou ficando fora da pré-seleção ao Oscar
de 2018, além de perder merecidamente a Palma de Ouro do ano passado para The Square- A Arte da Discórdia (2017). O longa-metragem de Ruben Östlund, embora tenha uma temática completamente diferente e seja o representante da Suécia, é muito mias completo, apesar da reclamação
ostensiva do presidente do júri, Pedro Almodóvar, e de boa parte da crítica
especializada. Campillo dirigiu anteriormente os longas Les Revenants (2004) e Meninos
do Oriente (2013), porém é mais conhecido pelos roteiros de Entre os Muros da Escola (2008), Além da Ilusão (2016) e A Trama 2017).
O drama social com conotações políticas tem como cenário os
anos de 1990 na França, em pleno governo de François Mitterrand, baseado em
fatos reais, centra seu foco na luta de jovens pelas suas vidas, num intenso
movimento pela prevenção e o tratamento da Aids. O grupo ativista Act Up em
Paris intensifica seus esforços para que a sociedade reconheça a importância de
suas manifestações justas e comprometidas no combate à moléstia que explodiu
como uma epidemia letal e continua matando há mais de décadas. A batalha
chega às ruas para pedir camisinhas para protegê-los e reivindicam novos
remédios para debelar o famigerado mal do século, tendo em vista que a
medicação AZT já não dava mais os resultados esperados para quem contraiu o
vírus HIV. Naqueles anos de pouca esperança, as peles com as lesões do tipo
Sarcoma de Kaposi, os sangramentos e as manchas avermelhadas pelo corpo, eram
vistas como a morte iminente por decorrência das pessoas infectadas.
O cineasta enfatiza a liderança do militante Sean (Nahuel
Pérez Biscayart), com sintomas da doença e a brutal derrocada humana, mas que
encontra tempo para lutar com afinco pela sobrevivência e manter um romance com
o recém-chegado ao grupo, Nathan (Arnaud Valois), que se impressiona com a
dedicação do rapaz, apesar de seu estado de saúde completamente fragilizado. A
realização mostra os ativistas invadindo as dependências de um grande
laboratório de pesquisas e estudos de produtos farmacêuticos biológicos e
biotecnológicos. A polícia é chamada para intervir, mas mesmo assim os
protestos deixam vestígios fortes para uma boa repercussão na imprensa. Os
resultados da grande indústria de fármacos foram pífios e a doença continuou ceifando
vidas, principalmente os homossexuais e bissexuais, como coloca com tintas
fortes no drama o realizador. Talvez aí esteja o maior equívoco de Campillo, ao
vincular e não descolar a Aids do universo gay, deixando os heterossexuais de
fora do debate, embora houvesse a tendenciosa ligação da época com a
homossexualidade, por pesquisas médicas apressadas e doutrinas religiosas
conservadoras com o viés do politicamente correto. Deixa a desejar como uma
obra mais reflexiva, e talvez, devesse ser mais comprometida com uma análise e
crítica mais aprofundada, ao conduzir para os estereótipos se emaranharem no
enredo.
120 Batimentos por
Minuto começa com um grande debate com discussões acaloradas entre os
membros da associação, que se propõe na defesa dos marginalizados à sociedade
da moral e dos bons costumes, entre os quais estão as prostitutas, os drogados
e os homossexuais. Por vezes, cai no vazio das ideias e acentua a prolixidade
de pensamentos e algumas tolices, com resmungos desnecessários e sem nexo
causal ou que traga algum efeito, sobrepondo-se à própria história. Embora a
causa seja de todos como a prevenção e a cura da Aids com medicações eficazes,
o diretor custa a tomar as rédeas do longa, quando o faz se trai e deixa levar
para contornos de pieguismo para derrapar no melodrama rasteiro. Mas logo se
recompõe e parte para uma narrativa equilibrada para buscar o propósito do tema
ressaltado, com citações de estatísticas das mortes que se avolumam até o
desfecho previsível do líder da causa, com a finitude já aguardada e a
celebração de todos os amigos nesta batalha inglória. É revelador o inusitado
epílogo com as cinzas sendo jogadas no coquetel da festa dos descompromissados executivos
da indústria farmacêutica.
O cinema francês sempre foi avançado em levantar bandeiras
sociais para quebrar paradigmas e tabus, com um olhar característico para o
libertário, um mérito inquestionável. Porém, nesta realização, mesmo sendo um
bom filme sobre a moléstia devastadora que ainda faz muitas vítimas, temática esta
que foi retratada em outras realizações recorrentes e universais, como no
superior e bem aprofundado Filadélfia
(1993), do norte-americano Jonathan Demme, com a inesquecível atuação de Tom
Hanks. Campillo faz uma obra menor e pouco convincente no âmbito de uma
construção mais abrangente e enérgica. Deixa uma lacuna aberta sobre o
preconceito e o sofrimento das vítimas em todos os escalões do painel da
humanidade abatida visceralmente pelo HIV, por não ser definitivo neste drama com
excessiva duração de mais de duas horas. Contribui de maneira apenas razoável
no cenário da denúncia e da reivindicação pouco expressiva sobre os riscos gerais
em toda sua amplitude conceitual da desesperança dolorosa e fatal da triste
realidade, mas marcada pelo reducionismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário