quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

120 Batimentos por Minuto


Aids em Debate

O diretor francês Robin Campillo, que divide o roteiro com Philippe Mangeot, está de volta em seu terceiro longa-metragem, 120 Batimentos por Minuto, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes. Foi premiado ainda pela Fipresci, bem como pela Queer Palm de melhor realização LGBT, além de melhor filme estrangeiro pelo Los Angeles Film Critics Association e pela New York Film Circle. Como representante da França, acabou ficando fora da pré-seleção ao Oscar de 2018, além de perder merecidamente a Palma de Ouro do ano passado para The Square- A Arte da Discórdia (2017). O longa-metragem de Ruben Östlund, embora tenha uma temática completamente diferente e seja o representante da Suécia, é muito mias completo, apesar da reclamação ostensiva do presidente do júri, Pedro Almodóvar, e de boa parte da crítica especializada. Campillo dirigiu anteriormente os longas Les Revenants (2004) e Meninos do Oriente (2013), porém é mais conhecido pelos roteiros de Entre os Muros da Escola (2008), Além da Ilusão (2016) e A Trama 2017).

O drama social com conotações políticas tem como cenário os anos de 1990 na França, em pleno governo de François Mitterrand, baseado em fatos reais, centra seu foco na luta de jovens pelas suas vidas, num intenso movimento pela prevenção e o tratamento da Aids. O grupo ativista Act Up em Paris intensifica seus esforços para que a sociedade reconheça a importância de suas manifestações justas e comprometidas no combate à moléstia que explodiu como uma epidemia letal e continua matando há mais de décadas. A batalha chega às ruas para pedir camisinhas para protegê-los e reivindicam novos remédios para debelar o famigerado mal do século, tendo em vista que a medicação AZT já não dava mais os resultados esperados para quem contraiu o vírus HIV. Naqueles anos de pouca esperança, as peles com as lesões do tipo Sarcoma de Kaposi, os sangramentos e as manchas avermelhadas pelo corpo, eram vistas como a morte iminente por decorrência das pessoas infectadas.

O cineasta enfatiza a liderança do militante Sean (Nahuel Pérez Biscayart), com sintomas da doença e a brutal derrocada humana, mas que encontra tempo para lutar com afinco pela sobrevivência e manter um romance com o recém-chegado ao grupo, Nathan (Arnaud Valois), que se impressiona com a dedicação do rapaz, apesar de seu estado de saúde completamente fragilizado. A realização mostra os ativistas invadindo as dependências de um grande laboratório de pesquisas e estudos de produtos farmacêuticos biológicos e biotecnológicos. A polícia é chamada para intervir, mas mesmo assim os protestos deixam vestígios fortes para uma boa repercussão na imprensa. Os resultados da grande indústria de fármacos foram pífios e a doença continuou ceifando vidas, principalmente os homossexuais e bissexuais, como coloca com tintas fortes no drama o realizador. Talvez aí esteja o maior equívoco de Campillo, ao vincular e não descolar a Aids do universo gay, deixando os heterossexuais de fora do debate, embora houvesse a tendenciosa ligação da época com a homossexualidade, por pesquisas médicas apressadas e doutrinas religiosas conservadoras com o viés do politicamente correto. Deixa a desejar como uma obra mais reflexiva, e talvez, devesse ser mais comprometida com uma análise e crítica mais aprofundada, ao conduzir para os estereótipos se emaranharem no enredo.

120 Batimentos por Minuto começa com um grande debate com discussões acaloradas entre os membros da associação, que se propõe na defesa dos marginalizados à sociedade da moral e dos bons costumes, entre os quais estão as prostitutas, os drogados e os homossexuais. Por vezes, cai no vazio das ideias e acentua a prolixidade de pensamentos e algumas tolices, com resmungos desnecessários e sem nexo causal ou que traga algum efeito, sobrepondo-se à própria história. Embora a causa seja de todos como a prevenção e a cura da Aids com medicações eficazes, o diretor custa a tomar as rédeas do longa, quando o faz se trai e deixa levar para contornos de pieguismo para derrapar no melodrama rasteiro. Mas logo se recompõe e parte para uma narrativa equilibrada para buscar o propósito do tema ressaltado, com citações de estatísticas das mortes que se avolumam até o desfecho previsível do líder da causa, com a finitude já aguardada e a celebração de todos os amigos nesta batalha inglória. É revelador o inusitado epílogo com as cinzas sendo jogadas no coquetel da festa dos descompromissados executivos da indústria farmacêutica.

O cinema francês sempre foi avançado em levantar bandeiras sociais para quebrar paradigmas e tabus, com um olhar característico para o libertário, um mérito inquestionável. Porém, nesta realização, mesmo sendo um bom filme sobre a moléstia devastadora que ainda faz muitas vítimas, temática esta que foi retratada em outras realizações recorrentes e universais, como no superior e bem aprofundado Filadélfia (1993), do norte-americano Jonathan Demme, com a inesquecível atuação de Tom Hanks. Campillo faz uma obra menor e pouco convincente no âmbito de uma construção mais abrangente e enérgica. Deixa uma lacuna aberta sobre o preconceito e o sofrimento das vítimas em todos os escalões do painel da humanidade abatida visceralmente pelo HIV, por não ser definitivo neste drama com excessiva duração de mais de duas horas. Contribui de maneira apenas razoável no cenário da denúncia e da reivindicação pouco expressiva sobre os riscos gerais em toda sua amplitude conceitual da desesperança dolorosa e fatal da triste realidade, mas marcada pelo reducionismo.

Nenhum comentário: