terça-feira, 9 de maio de 2017

Argentina


Riqueza de Tradições

Um filme argentino em coprodução com a Espanha e a França sem diálogos e que não tem tango, porém envolve a plateia com a riqueza das tradições musicais e do estonteante folclore com sua gênese arrebatadora do país vizinho. O documentário passa em revista os movimentos culturais e artísticos diferentes encontrados ali, com muita emoção e um deslumbrante apelo visual. Argentina é uma apresentação mesclada de relatos e encenações com interpretações de várias canções que povoam uma trajetória de leveza e fascínio numa deliciosa viagem. Dirigido com a competência peculiar pelo octogenário cineasta espanhol Carlos Saura, que tem em sua filmografia obras políticas memoráveis como Ana e os Lobos (1973) e Cría Cuervos (1976), além de musicais inesquecíveis como Bodas de Sangue (1981), Carmen (1983) e Amor Bruxo (1986), que formaram a trilogia flamenca, em parceria com o famoso bailarino Antonio Gades, morto em 2004.

Saura desenvolve um tipo de cinema singular nos tempos atuais, ao se afastar de sua narrativa profunda e demolidora para aderir e explorar com eficiência exibições de espetáculos de dança, com o intuito de fazer sentir a música, carrega na coreografia com um figurino todo especial no diversificado folclore dos hermanos, como agora em Argentina. Na mesma esteira, já havia se inclinado anteriormente com Tango (1998), Salomé (2002) e Fados (2007). Com seu novo documentário, novamente visita os ritmos e a cultura dos argentinos. O tango foi subtraído propositalmente, até porque já foi homenageado numa produção específica em 1998. Ao garimpar os ritmos musicais, apresenta para o grande público novos e velhos talentos, como cantores e grupos regionais que representam com todo ardor e paixão o chamamé, malambo, chacarera, zamba, copla, a bela cueca na colheita de uva, e carnavalito, esta a mais fraca entre elas. Todas trazem uma abundância na forma como são utilizados os instrumentos de cordas, bumbo, violão violoncelo e o piano, bem como os variados estilos e a maneira como são dramatizadas, através de expressões corporais que remete para uma sensualidade na dança com corpos em movimentos que se aproxima de uma sugestiva e delicada erotização sutil pelos rituais e um colorido harmônico com rara sensibilidade.

A realização se esmera na imagem das típicas boleadeiras num balé intenso de batidas no chão deste apetrecho que exige habilidade e ritmo, que não poderia ficar de fora desta representação quase que teatral; a chula com seus sapateados; além dos cantos da relação do homem com a mulher e seus sentimentos de dor, amor e perda. Fica a sensação da influência explícita sobre as músicas regionais, o folclore e as tradições do Rio Grande do Sul pela proximidade das fronteiras, como bem enfatiza uma das canções que fala do amor a Tucumán e os gauchos daquele lugar. O subsídio que penetrou com força no interior deste Estado limítrofe, traz no chimarrão, no churrasco, e nas pilchas características dos gaúchos e suas prendas, que irão ao encontro dos habitantes dos campos com seus gados, numa clara similitude pelos usos e costumes.

Há de se ressaltar os comovente tributos póstumos a duas celebridades do mundo artístico latino-americano engajados nas lutas sociais e políticas: Mercedes Sosa (1935- 2009) e Atahualpa Yutanqui (1908- 1992), além do desfile de artistas consagrados do folclore, tais como: a grande diva nativista Liliana Herrero, Soledad Pastoruti, Juan Falú, Pedro Aznar, Horacio Lavandera, Jaime Torres, El Chaqueño Palavecino, Luis Salinas e o grupo Metabombo. Argentina pode não possuir o mesmo impacto de trabalhos anteriores do veterano diretor que realiza sua obra mais preguiçosa, numa estética singela de poucos cortes, com lacunas informativas e históricas sobre dados da temática, mas que não economiza na magia da cor, da música, da dança e do folclore.

Eis um prazeroso, interessante e digno musical documentado no galpão do La Boca, em Buenos Aires, com painéis e espelhos para captar os movimentos coreográficos autênticos de vários ângulos para exibir imagens contrastando com as sombras dos astros da música e dos ecléticos dançarinos. Uma contribuição valiosa que faz a o espectador sair mais leve e flutuando da sala de cinema. Para ser visto por todos os apreciadores de música e suas tradições típicas diferentes e de qualidade, sem gritos e histerias, apelações ou baixarias, que ao assistir poderão ter a chance de mudar alguns preconceitos equivocados, lembrar e sorver com sensibilidade as sutilezas, deixando os ombros bem mais leves nesta inspirada abordagem cultural. Uma amostragem com nitidez retratada pelos próprios artistas de matizes diversas, mas que deixa raízes para permanecer na memória e vislumbrar novos horizontes musicais como alternativa.

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