Riqueza de Tradições
Um filme argentino em coprodução com a Espanha e a França sem
diálogos e que não tem tango, porém envolve a plateia com a riqueza das
tradições musicais e do estonteante folclore com sua gênese arrebatadora do
país vizinho. O documentário passa em revista os movimentos culturais e
artísticos diferentes encontrados ali, com muita emoção e um deslumbrante apelo
visual. Argentina é uma apresentação
mesclada de relatos e encenações com interpretações de várias canções que povoam
uma trajetória de leveza e fascínio numa deliciosa viagem. Dirigido com a competência
peculiar pelo octogenário cineasta espanhol Carlos Saura, que tem em sua
filmografia obras políticas memoráveis como Ana
e os Lobos (1973) e Cría Cuervos
(1976), além de musicais inesquecíveis como Bodas
de Sangue (1981), Carmen (1983) e
Amor Bruxo (1986), que formaram a
trilogia flamenca, em parceria com o famoso bailarino Antonio Gades, morto em
2004.
Saura desenvolve um tipo de cinema singular nos tempos
atuais, ao se afastar de sua narrativa profunda e demolidora para aderir e
explorar com eficiência exibições de espetáculos de dança, com o intuito de
fazer sentir a música, carrega na coreografia com um figurino todo especial no
diversificado folclore dos hermanos, como
agora em Argentina. Na mesma
esteira, já havia se inclinado anteriormente com Tango (1998), Salomé
(2002) e Fados (2007). Com seu novo
documentário, novamente visita os ritmos e a cultura dos argentinos. O tango foi subtraído propositalmente,
até porque já foi homenageado numa produção específica em 1998. Ao garimpar os
ritmos musicais, apresenta para o grande público novos e velhos talentos, como
cantores e grupos regionais que representam com todo ardor e paixão o chamamé, malambo, chacarera, zamba, copla, a bela cueca na
colheita de uva, e carnavalito, esta
a mais fraca entre elas. Todas trazem uma abundância na forma como são
utilizados os instrumentos de cordas, bumbo, violão violoncelo e o piano, bem
como os variados estilos e a maneira como são dramatizadas, através de
expressões corporais que remete para uma sensualidade na dança com corpos em
movimentos que se aproxima de uma sugestiva e delicada erotização sutil pelos
rituais e um colorido harmônico com rara sensibilidade.
A realização se esmera na imagem das típicas boleadeiras num
balé intenso de batidas no chão deste
apetrecho que exige habilidade e ritmo, que não
poderia ficar de fora desta representação quase que teatral; a chula
com seus sapateados; além dos cantos da relação do homem com a mulher e seus sentimentos
de dor, amor e perda. Fica a sensação da influência explícita sobre as músicas
regionais, o folclore e as tradições do Rio Grande do Sul pela
proximidade das fronteiras, como bem enfatiza uma das canções que fala do amor
a Tucumán e os gauchos daquele lugar.
O subsídio que penetrou com força no interior deste Estado limítrofe, traz no
chimarrão, no churrasco, e nas pilchas características dos gaúchos e suas
prendas, que irão ao encontro dos habitantes dos campos com seus gados, numa
clara similitude pelos usos e costumes.
Há de se ressaltar os comovente tributos póstumos a duas
celebridades do mundo artístico latino-americano engajados nas lutas sociais e
políticas: Mercedes Sosa (1935- 2009) e Atahualpa Yutanqui (1908- 1992), além
do desfile de artistas consagrados do folclore, tais como: a grande diva
nativista Liliana Herrero, Soledad Pastoruti, Juan Falú, Pedro Aznar, Horacio
Lavandera, Jaime Torres, El Chaqueño Palavecino, Luis Salinas e o grupo
Metabombo. Argentina pode não possuir
o mesmo impacto de trabalhos anteriores do veterano diretor que realiza sua obra mais preguiçosa, numa estética singela de poucos cortes, com lacunas
informativas e históricas sobre dados da temática, mas que não economiza na magia
da cor, da música, da dança e do folclore.
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