segunda-feira, 27 de junho de 2011

Potiche: Esposa Troféu

























Um Olhar Feminino

François Ozon é um daqueles diretores voltados para as coisas femininas ou feministas, dependendo do ângulo a ser considerado. Com 8 Mulheres (2002), seu enfoque foi equivocado, pois não conseguiu chegar a lugar nenhum, tendo em vista que colocou muitas estrelas num discurso vazio; já com O Refúgio (2009) faz uma abordagem profunda sobre a mulher e a complexidade das drogas, gravidez e do amor; em Ricky (2009) mostra um tema voltado para o fantástico, com o nascimento de uma criança extraordinária fruto de um casamento aparentemente feliz e estabilizado.

Ozon nos brinda agora com seu último filme Potiche: Esposa Troféu, um dos grandes destaques do Festival Varilux de Cinema Francês deste ano, numa bela reflexão sobre a evolução de uma mulher burguesa dona de casa que costura, borda, faz comida, cuida dos netos, faz ginástica e registra alguns momentos encantadores como observar pequenos animais nos parques. Suzanne Pujol é a personagem central da trama (na interpretação de Catherine Deneuve- de atuação espetacular e radiante, demonstrando estar em plena forma física e mental e porquê é uma das grandes divas do cinema), assume a empresa do marido estressado Robert Pujol (Fabrice Luchini), embora fosse fundada pelo seu pai, quando o esposo sofre um infarto e vai viajar, logo após uma greve de funcionários na fábrica de guarda-chuvas. Esta paralisação é estimulada pelo deputado-prefeito e líder sindical comunista Maurice Babin (Gérard Depardieu- em grande estilo e de atuação convincente), mas que não despreza uma mulher de requintes burgueses.

A comédia de Ozon se desenvolve no ano de 1977, quando aflora o romance do passado de Babin com Suzanne e a forte possibilidade dele ser pai do filho mais velho de sua ex-namorada. Mas a grã-fina logo vai descartando tal hipótese, pois seus affairs foram muitos e aquela mulher recatada no início da trama é sepultada e dá lugar para uma outra figura, completamente descontraída e que busca nos relacionamentos uma maneira de viver para se distanciar do cotidiano rotineiro.

O cineasta conduz com carinho e sensibilidade a ascensão de Suzanne profissionalmente, que demonstra talento e resolve os problemas das reivindicações trabalhistas e põe fim à greve. Mas nem tudo são rosas, pois com o retorno do marido às atividades da empresa e o seu retorno à presidência, com o voto decisivo da filha frágil e dependente, tão “Amélia” quanto sua mãe de outrora, há uma brusca guinada na vida daquela mulher que tomou gosto pelo poder e apresentou qualidades de uma liderança nata. Concorre a um cargo político de deputada, por ironia do destino, contra seu ex-amado Babin, indo ao encontro do prestígio e do sucesso na política partidária, lembrando em muito Hillary Clinton quando foi traída e ascendeu ao poder com mais força e vigor, pois ela também sabia das traições do marido com a secretária da fábrica de guarda-chuvas.

Catherine Deneuve voltou a contracenar com Dépardieu, tinham atuado juntos pela última vez no magnífico filme O Último Metrô (1980), de François Truffaut. Deneuve era uma das musas do cineasta, assim como fora também de Luis Buñuel e Roman Polanski. Ela está soberba no papel de mulher objeto, como se fosse um adorno em forma de um bibelozinho de estimação do rústico esposo para ser mostrada aos amigos e tocada sexualmente na cama. Porém os ideais de Suzanne começam a aflorar vertiginosamente e aquela mulher troféu de um primeiro momento numa fase anterior à doença do industrial Robert sofre uma transição, superando as adversidades com bom humor e é levada pelo cineasta aos píncaros da glória, como símbolo da mulher moderna e totalmente independente, pois fazia parte de uma sociedade hipócrita e machista bem simbolizada pelo seu cônjuge.

As tiradas de humor nesta comédia são bem sutis e inteligentes, não há espaço para a grosseria ou humor escrachado beirando ao ridículo, pois o seu diretor parece estar sempre empenhado com as causas femininas, tornando esta película leve e gostosa, da primeira a última cena, sem deixar de satirizar a classe média alta e a elite francesa. Ozon é um diretor que aos poucos vai se consolidando como um daqueles cineastas que surge lentamente, mas com as sucessivas tentativas vai buscando e atinge seus objetivos, está num crescendo, já com um público garantido e atento às causas sociais e feministas que tanto incomodam e são questionadas, pois fica evidente em Potiche: Esposa Troféu que nunca é tarde para se começar. Um alerta, quando a chance aparece deve ser agarrada com as duas mãos, assim como fez Suzanne nesta bela e sutil defesa dos direitos e emancipação das mulheres nesta agradável e deliciosa comédia.

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