terça-feira, 21 de junho de 2011
Meia-Noite em Paris
Tributo à Cultura Parisiense
Os últimos filmes de Woody Allen ficaram bem aquém de sua capacidade de construção de um cinema voltado para as inquietações e neuroses do dia a dia. Principalmente depois que começou sua fase europeia, ao filmar em lugares distantes de sua querida Nova Iorque, assim foi em Vicki e Cristina em Barcelona (2008), decepcionante sob todos os aspectos, salvando-se tão somente Penélope Cruz; O Sonho de Cassandra (2007), um pouco melhor, com alguma graça e finesse; Scoop- O Grande Furo (2006) com certa dose de ironia, era muito irregular e sucumbiu.
Poucos filmes se comparam com Zelig (2003), uma das obras-primas de Allen; outras grandes realizações foram Dirigindo no Escuro (2002), Trapaceiros (2000) e Tudo Pode Dar Certo (2009), onde Allen escolhe com perfeição seu alter ego como Boris (Larry David), no papel do velho rabugento e neurótico, que tem por hábito insultar e humilhar seus alunos de xadrez, típico morador de nova-iorquino, que abandona seu estilo de vida com os amigos, buscando na boemia uma existência mais complexa; tem ainda o penúltimo filme que é Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (2010), uma produção menor na vasta filmografia deste genial diretor bergmaniano voltado para os acontecimentos do cotidiano, do amor, da paixão desenfreada, os fracassos do ser humano e o pessimismo com o mundo das pessoas amarguradas. É quase consenso que o melhor filme dos últimos anos de Allen foi Ponto Final- Match Point (2005), na fase pós-EUA, filmado em Londres.
Já inesquecível foi o soberbo, talvez o maior filme do velho mestre, A Rosa Púrpura do Cairo (1985), naquela que se consagrou como cena antológica do cinema, a saída do herói da tela e indo ao encontro da garçonete que assiste pela quinta vez a película, para fugir do martírio de sua vida cotidiana na época da Grande Depressão dos EUA. Há um forte relacionamento afetivo com o personagem fictício. Realidade e ficção se misturam e a garçonete passa a ter uma nova perspectiva de vida. Insuperável pela magia e pela beleza plástica deste fabuloso filme, que é retomado de certa forma agora em Meia-Noite em Paris, numa viagem fantástica à boemia e os interiores da Cidade Luz.
A comédia romântica traz de volta a Paris Woody Allen, que dançara com Goldie Hawn, às margens do rio Sena, no longa-metragem Todos Dizem Eu Te Amo (1996), agora na pele de Gil (Owen Wilson), um roteirista de filmes babacas em Hollywood, nada mais é do que o seu alter ego, bem elaborado e interpretado pelo ator de Marley e Eu , Penetras Bons de Bico 1 e 2 e Entrando numa Fria. Gil quer mesmo é escrever um grande romance e decide viajar com a noiva Inez (Rachel McAdams) e os pais da garota (Kurt Fuller e Helen Mimi), protótipos americanos simpatizantes do partido republicano, adoradores de Bush, mas já no início do filme Allen dá uma cutucada, ao lançar farpas sobre a alegação mentirosa para invadir o Iraque. Há uma certa controvérsia e desgosto do futuro sogro para com o abnegado e apaixonado pretendente a genro pela cultura parisiense, de seu cenário maravilhoso pelas ruas tanto com sol, como com as belas imagens da chuvarada.
O filme dá uma guinada logo de início, quando Gil e a namorada discutem numa festa se devem voltar caminhando ou de carro para o hotel, pois o rapaz prefere curtir cada rua, a lua e o rio Sena, contrariado pela garota consumista, típica patricinha americana, de pouca cultura, só voltada para suas compras, pouco se importando com a parte cultural. Sendo voto vencido, volta a pé, mas antes de terminar o percurso, recebe um convite para uma carona num velho Peugeot, carro típico dos anos 1920. Como recepcionistas no veículo estão Scott Fitzgerald (Tom Hiddeleston), autor da obra-prima O Grande Gatsby, morto há mais de 70 anos, e sua esposa Zelda (Alison Pill), que o propiciam uma viagem fantástica ao túnel do tempo com personagens como Ernest Hemingway (Corey Stoll) como um homem beberrão e mulherengo; Cole Porter (Yves Heck); Luis Buñuel (Adrien de Van); Pablo Picasso (Marcial di Fonzo Bo); Matisse (Yves-Antoine Spoto); Salvador Dalí (Adrien Brody); a poetisa feminista Gertrude Stein (Kathy Bates) e outros personagens históricos.
A Cidade Luz oferece a boemia, o charme e a beleza, tornando-se acolhedora culturalmente como escreveu Hemingway em seu livro Paris É Uma Festa (1951). Allen mostra o Museu de Rodin, onde a guia é interpretada pela primeira-dama francesa Carla Bruni, de atuação medíocre. Mas tem para encher os olhos na trama a modelo Adriana (Marion Cottilard-sempre bela e talentosa), dividida entre dois corações (Picasso e Modigliani) e inspirando Gil pela atmosfera efervescente da Belle Époque dos anos de 1890, mas prefere mesmo é a época Renascentista, sendo secundada pela vendedora de livros Gabrielle (Léa Seydoux).
Não falta nem a velha pílula do futuro Valium, quando Gil dá para Zelda Fitzgerald antes dela tentar pular no rio Sena, num instinto suicida e que demonstra que nem tão maravilhosos eram aqueles idos dos anos 20, sem os grandes ansiolíticos e antibióticos. Porém tem seus valores históricos e glamourosos como a chamada “idade de ouro” parisiense com seus cafés, bistrôs, parques, rio Sena, pontes, as praças floridas e os mitológicos boulevards nos bairros Montmartre e Montparnasse, da Torre Eifel, do Museu de Louvre ou da Catedral de Notre Dame. Com chuva ou com sol, à noite ou durante o dia, sempre é uma festa para olhos e para a inteligência civilizatória de uma cidade emblemática, que tenta se distanciar da barbárie e da violência hoje tão frequentes nas grandes metrópoles sucumbidas pela claustrofobia do medo.
Allen sempre foi um cineasta de uma reflexão mais pessimista, mas desta vez leva os espectadores até os píncaros edificantes de um filme singular e magnífico, ao transpor as barreiras da ficção pragmática, mergulhando na fantasia e nos sonhos, deixando a realidade como fator secundário, não sem antes dar algumas alfinetadas nos americanos estereotipados e engajados com o consumismo e com as guerras frias. O imaginário fantástico flutua e flui com harmonia e beleza plástica inconfundível, num roteiro enxuto, numa estonteante magia de um cenário que funciona como um colírio para os olhos, faz desta película uma agradável e marcante obra que atinge todas as camadas de apreciadores da sétima arte. Difícil é não gostar de Meia-Noite em Paris, pois quando a fita chega ao seu epílogo, fica o gosto de quero mais.
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