segunda-feira, 13 de junho de 2011

O Homem ao Lado















Janela da Discórdia

Novamente vem da Argentina um filme com uma temática aparentemente muito simples, mas enganosa, diante da reflexão magistral da privacidade e das relações em sociedade, que faz desta película uma obrigatoriedade aos cinéfilos em assisti-la. Sem tomar partido dos protagonistas, deixando o enredo correr, para uma final aonde certamente se chegará à proposta dos seus diretores, tendo em vista a complexidade dos seres humanos pelo paradoxo da harmonia com o conflito e os valores que são dados às vidas e às amizades.

Já está se tornando corriqueiro nos filmes procedentes da Argentina terem características muito peculiares nas suas abordagens como a sutileza e a sensibilidade. Nos temas discutidos há a busca como mote a simplicidade, deixando os grandes cenários em segundo plano, dando-se mais importância para o roteiro e às conclusões filosóficas de vida e relações humanas tangenciadas pelo clima hostil ou pela solidariedade, como visto nas obras de Carlos Sorín com Histórias Mínimas (2002), O Cão (2004) e A Janela (2008); Pablo Trapero com Família Rodante (2004), Nascido e Criado (2006) e Abutres (2008); Lucrécia Martel com a obra-prima O Pântano (2001); Marcelo Piñeyro com o belíssimo Kamchatka (2002); Paula Hernández, com o comovente Chuva (2008), e outros tantos cineastas comprometidos com o cotidiano e com as coisas simples e belas da vida, muitas vezes invadidas ou perturbadas por problemas familiares, ou pela crise econômica que assolou o país vizinho e que ainda não se afastou totalmente.

O Homem ao Lado é mais uma dessas maravilhas portenhas que chega às telas brasileiras, numa trama em que Leonardo (Rafael Spregelburd) é um professor de arquitetura e designer muito descolado, sua mulher é esnobe e gélida (Eugenia Alonso), a filha é uma pré-adolescente sempre com os fones enfiados nos ouvidos, distante, quase uma legítima rebelde sem causa (Inés Budassi), assistidos pela empregada. Vivem numa casa singular em Buenos Aires, a única projetada na América do Sul pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965), um dos ícones do modernismo, motivo de visitas frequentes e rotineiras por curiosos e alunos de arquitetura.

O casal e a filha vivem num mundo tido como perfeito, até que um dia as batidas ensurdecedoras em uma de suas paredes despertam para o que vem por aí. Do outro lado está o vizinho Victor (Daniel Aráoz- em soberba atuação, arrasa com o resto do elenco), um homem abrutalhado, de voz poderosa, metido a conquistador barato, por ser um colecionador de armas dá um tom assustador, porém é generoso, de bom coração e solidário, como se evidencia na cena final. O que quer é apenas um pouco de sol no seu minúsculo apartamento em que vive com um tio deficiente. Os diretores Mariano Cohn e Gastón Duprat tiveram muita sensibilidade ao relativizar a amizade, a solidariedade e os problemas de vizinha, a invasão de privacidade e o medo como ingredientes para colocarem frente a frente Leonardo e Victor, num duelo de palavras e argumentos inimagináveis, com tiradas e sacadas inteligentes, nesta notável comédia dramática.

Os conflitos familiares ficaram em segundo plano, mesmo assim são reiteradas vezes enfocados, como no diálogo de Leonardo com a filha rebelde nas atitudes e inconformada pelo silêncio com o vazio existencial entre ela, a mãe e o pai. As causas não chegam a serem abordadas, ficando uma distância entre eles a ser decifrada; como também na procura por sexo com a esposa fria, que sempre dá uma boa desculpa, até que acaba assediando uma aluna. Mas o duelo dos vizinhos com seus problemas vão sendo escancarados. Leonardo não aceita a invasão da privacidade por aquela janela disforme, que poderá lhe controlar sua vida e tirar o brilho de sua mansão, com o apoio irrestrito da esposa. Já Victor tenta se aproximar, manda flores para a mulher de Leonardo, dá uma escultura de armas velhas para seu vizinho, visando conquistá-lo e persuadi-lo da construção daquela janela, que irá lhe propiciar a entrada de sol em sua residência acanhada e mal iluminada.

O conflito e a intransigência são fatores fortes da discussão e da peleia de dois tipos de argentinos: um é Victor, o protótipo charmosão, bom papo, convida o oponente para tomar uma cerveja nas proximidades e busca dialogar à sua maneira, tentando resolver o impasse; o outro é Leonardo, um argentino cosmopolita, com problemas pessoais, frio e vazio, tal qual sua família, se distancia dos demais, mora muito bem e quer distância dos comuns, odeia problemas e ter que resolver situações conflitantes. Tudo gira para si e seus familiares, como se fosse uma espécie de umbigo do mundo, por ser detentor da sabedoria e do modernismo.

O embate entre os vizinhos e os diálogos inicias nos remetem para uma clara alusão de Cohn e Duprat ao mestre Alfred Hitchcock, pela obra prima-prima Janela Indiscreta (1954), na incessante discussão da privacidade sendo invadida por um voyer. Embora a barbárie esteja metaforicamente embutida no clássico duelo e no rancor que vai até as últimas consequências, como na reveladora cena final, do assalto à mão armada e a solidariedade sendo vista como uma forma melancólica de vingança. Fica marcada inexoravelmente na tela que os valores de uma casa sem os obstáculos são bem mais significativos e maiores que uma vida agonizante. A morte tem seu significado e defenestrar o próximo pode ser festejado, não importando ser uma tolice abjeta. Um magnífico filme de reflexão sobre o ser humano.

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